segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

08- A REVISÃO DE VIDA




A revisão de vida ocupa um lugar central na fraternidade.
De forma disciplinada e deliberada, ela nos ajuda a discernir a sintonia de nossa vontade com a vontade de Deus, de nossas decisões com o desígnio de Deus para o mundo. O princípio teológico fundante da revisão de vida está bem expresso na Gaudium et Spes 11:

“O povo de Deus, levado pela fé com que acredita ser conduzido pelo Espírito do Senhor, o qual enche o universo, esforçasse por discernir nos acontecimentos, nas exigências e aspirações, em que participa juntamente com os homens de hoje, quais são os verdadeiros sinais da presença ou da vontade de Deus. Porque a fé ilumina todas as coisas com uma luz nova, e faz conhecer o desígnio divino acerca da vocação integral do homem e, dessa forma, orienta o espírito para soluções plenamente humanas”. 

A revisão de vida apóia-se em duas verdades fundamentais: 

(1) -Deus age na história e de forma marcante em determinados acontecimentos de nossa vida.

(2) -O Espírito Santo se deixa contemplar nos relacionamentos humanos, porque “Deus é o Amor com que amamos nosso irmão”, no dizer de Santo Agostinho.

A intuição do irmão Carlos sobre a qualidade salvífica da vida de Jesus em Nazaré lança uma nova luz sobre o valor dos gestos mais simples da vida. Nazaré é o ordinário e o oculto de tudo o que faz o nosso dia a dia. É aí que encontramos Jesus. 

Em cada acontecimento, mesmo confuso e cheio de contradições, Deus nos chama a descobri-lo, a caminhar com ele, muitas vezes sem saber para onde estamos indo.

A Revisão de Vida não se faz sobre generalidades nem pretende ser uma análise psicológica de uma situação. Não se trata de fazer um exame de consciência detalhado e sim um exame orante da obra de Cristo em nós. É na realidade um esforço comum de discernimento sobre um acontecimento concreto, uma decisão a ser tomada, uma nova oportunidade que se abre para alguém. A revisão em fraternidade é, em última análise, um ato contemplativo da ação do Espírito Santo em nós.

Por causa da dimensão profundamente contemplativa da revisão de vida, devemos prepará-la bem na oração. Deve ser preparada no dia de deserto e na hora de adoração que precede a revisão. Expor à fraternidade, sem a devida preparação, acontecimentos da própria existência diminui drasticamente as possibilidades de uma revisão frutuosa.

A revisão corre o risco de se tornar mera exposição de fatos, sem conexão e sem substrato, e corre o risco mais grave de gerar desentendimentos por juízos sem fundamento. Permanecemos na superfície sem ler a vida por dentro.

Cada fraternidade tem seu modo próprio de fazer revisão. Em geral, cada um, sem ordem especial, apresenta brevemente o que preparou no dia de deserto ou durante algum outro tempo de oração. Os demais oferecem seu apoio e dispõe-se a ajudar o irmão com esclarecimentos, questionamentos, e até provocações. 

A revisão supõe que quem a faz queira ser questionado para libertar-se de ilusões e falsas seguranças. É importante que o irmão em revisão diga o que precisa e o que espera do grupo naquele momento.

O tempo deve ser distribuído de modo que todos tenham oportunidade de expor sua situação, mas pode acontecer que um irmão necessite de mais tempo e até de todo o tempo. É natural que no início haja uma certa ansiedade. Podemos ter medo de não sermos aceitos como somos. Podemos pensar que nada temos a oferecer aos nossos irmãos. Podemos ter medo de ofender alguém.

Tudo isso será gradualmente superado. Com atenção e reverência para com cada um, ajudamo- nos a viver a liberdade para a qual o Senhor nos libertou.

A revisão alimenta o desejo de abertura e transparência, levando o irmão a entender mais profundamente e a escolher mais livremente o amor a Deus e o seguimento de Jesus com crescente generosidade.

Entrando numa fraternidade, estamos dizendo que necessitamos dos outros, que não somos auto-suficientes. Não queremos impedir que os irmãos confiem em nós e nos ajudem. Nossa fé na presença de Cristo e de seu Espírito em nosso meio nos ajuda a compartilhar com os irmãos nossos próprios sentimentos e nossas intuições, por mais defasados que possam parecer. Havendo confiança, a revisão se realiza.