terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

MENSAGENS DE DOM EDSON DAMIAN


MISSIONÁRIOS VIETNAMITAS SEMINARISTAS - FEVEREIRO 2013 


Caríssimos Irmãos e Irmãs 

Animei retiro de uma semana aos salesianos que trabalham na Amazônia. Quase todos conhecidos. Entre eles vários padres e vocacionados indígenas do Rio Negro. A surpresa maior, porém, foi conhecer quatro jovens vietnamitas. Já cursaram filosofia. Vieram concluir os estudos e práticas pastorais aqui na região. E todos eles fazem questão de destacar: "viemos para sempre".


Fico feliz e emocionado diante da generosidade, da alegria, o empenho para aprender a língua, conhecer a realidade, fazer amizades...Coisas
de Deus! 

Vamos rezar juntos por eles. Em comunhão de preces, abraço vocês com a amizade de sempre.

+ edson damian

Caro amigo Joãozinho 

Uma das belas surpresas que aconteceram no retiro SDB foi ter conhecido você e seus companheiros vietnamitas.


Tenho sempre imensa simpatia pelos jovens que, entre as muitas opções que a vida oferece, decidem tornar-se presbíteros. Simpatia ainda maior por vocês que, do longínquo Vietnã, decidem ser missionários salesianos. E vieram ao Brasil para sempre.

Você e seus irmãos estão aprendendo com muita facilidade a nossa língua. Logo estarão falando muito bem o português. E num futuro não muito distante, tenho certeza de que alguns de vocês, aprenderão também alguma das línguas dos queridos povos indígenas do Rio Negro, "o Valdoco da missão salesiana na Amazônia", como afirmou o Pe Chicão. 


Se o retiro lhe ajudou, fico muito feliz. Foi o Espirito Santo que conduziu você e não eu. Obrigado pela fotografia. Vou enviá-la aos meus familiares e amigos para que rezem por vocês. 


Vamos continuar unidos na prece, na Eucaristia e na amizade. Abraço você e seus companheiros de missão com afeto de irmão menor no Amor de Jesus e de Maria. 

+ edson damian, pobre bispo dos povos indígenas

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carta datada do início de novembro de 2012

Caríssimos (as)

Familiares e amigos estão reclamando notícias minhas. Alguns até pensando que os esqueci. Estive visitando as paróquias de Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro. Entre uma visita e outra tive que ir a Manaus. Com a agenda sempre repleta.

Alegrias, sofrimentos e esperanças... 

Passei até por um apuro que tenho que lhe contar. Parti de SGC com uma pequena ferida no rosto que ia enrijecendo uma área cada vez maior. 

Por isso, fui aconselhado a viajar a Manaus à procura de um médico mais qualificado. O Pe Olindo, reitor do Seminário, fui me buscar no porto e levou-me diretamente ao Dr Lucas Verdade. "Foi um inseto que  te picou. Como você está ficando velho, vão diminuindo as resistências do organismo para enfrentar os anticorpos", disse o doutor. 

Além de pomada e anti-inflamatório, receitou-me um medicamento que deverei tomar durante 60 dias para adquirir mais imunidade. 

E nada de melhorar da tal ferida. Continuava o enrijecimento e as "penicadas". 

Quando cheguei em Santa Isabel, mostrei a uma das irmãs salesianas, indígena da região. Diagnosticou na hora: "É uma "ura" bem criada. Vamos à casa da curandeira Oscarina que ela logo dará um jeito". 

A velha índia olhou, apalpou e confirmou: "É uma ura mesmo!" Fez logo um charuto de tabaco. Deu umas baforadas, extraiu a nicotina, colocou na ferida e fechou-a com esparadrapo. Três horas depois tentou extrair a "ura", mas não conseguiu, pois ainda estava viva. Mais nicotina nela. Marcou a extração para as 20 hs, depois da procissão e missa em honra a Santa Isabel ( dia 05/11 ). 

Cercada de vários curiosos, ela começou a espremer a ferida do meu rosto. Só não berrei por vergonha da plateia. A certo momento ela começou a dizer: "Venham ver o tamanho da "ura" do bispo". Era fininha, mas longa, mais de um centímetro. E foi assim mais uma vez fui curado graças à tradicional medicina indígena. 

Aprendi muito bem o que devo fazer quando outra "ura" se aninhar de mansinho em minha pele. 

Desde 06 a 11/11 esteve hospedado em minha casa o Dr Júlio Araújo (29 anos), Procurador do Ministério Público Federal, encarregado dos povos Indígenas e populações tradicionais. Veio com ele um antropólogo. 

Realizaram uma série de palestras, atendimento individual e, na medida das necessidades, instauraram também inquéritos judiciais. São muito simples, competentes, dedicados e com uma vontade imensa para defender a vida e os direitos dos índios. 


Nestas ações há um detalhe que me comove e desejo explicar. Júlio foi amigo e colega de estudos do Adv Pedro Yamaguchi Ferreira, filho do Dep Federal Paulo Teixeira (Pt-SP). Em 2010 ele veio trabalhar como voluntário na Diocese de SGC. Depois de três meses afogou-se no Rio Negro. Na missa de despedida, na catedral da Sé, em São Paulo, lembrei as palavras de Jesus: 

"Se o grão de trigo que cai na terra não morre, fica só. Mas se morre produz muito fruto... Se alguém quer me servir, siga-me, e onde eu estiver estará também aquele que me serve. Se alguém me serve, meu Pai o honrará" ( Jo 12,24 e 26). 

A morte do Pedro chocou profundamente o amigo Júlio que decidiu trabalhar em Manaus quando fosse aprovado no concurso para o MPF. Em agosto assumiu o cargo de Procurador do MPF em Manaus. 

Em setembro visitou SGC. E agora voltou acompanhado do Walter para enfrentar e encaminhar solução para graves problemas que ferem a dignidade e o direito dos Povos Indígenas. 

Na despedida Júlio me agradeceu a acolhida e a hospitalidade e me disse: "Conseguimos realizar nosso trabalho graças ao espaço, à credibilidade da Diocese e à confiança que as pessoas depositam no bispo". 

Agradeçamos juntos e peçamos a Deus que continue suscitando jovens idealistas, preparados e comprometidos como o Pedro, o Júlio e o Walter. 

Unido na prece e na esperança, abraço você com estima fraterna. 

D. EDSON ORDENA UM ÍNDIO 

SÉRGIO TUCANO, PRESBÍTERO DOS ÍNDIOS 

No dia 19 de agosto, o distrito de Pari Cachoeira, município de São Gabriel da Cachoeira, noroeste do Amazonas, bem na fronteira com a Colômbia, celebrou um evento inédito, emocionante, inesquecível: Sérgio de Jesus Alves de Azevedo, índio Tukano (uma das vinte e três etnias do Rio Negro), foi ordenado presbítero. 

Filho de José e Anita, membro de uma família de seis irmãos, residem na aldeia de São José, uma das quarenta e oito comunidades da paróquia de Dom Bosco de Pari Cachoeira. 

A escola de ensino fundamental e médio do Distrito, que reúne mais de duzentos e cinquenta alunos das aldeias vizinhas, suspendeu as atividades durante uma semana para ajudar as famílias a preparar esta festa. Foi montado um palco artisticamente ornamentado com peças do artesanato local. As famílias da sede organizaram-se para acolher e hospedar os numerosos “parentes” (para os índios, o índio de qualquer etnia é um parente!) que começaram a chegar quatro dias antes para participar do tríduo preparatório. Depois das orações havia apresentações culturais com encenações, cantos e danças. 

No dia 16/08, às 05:30 da manhã, a bordo do barco “Pérola Negra”, vinte navegantes: padres, irmãs, cristãos leigos e leigas e o bispo, partimos da cidade de São Gabriel da Cachoeira. Navegamos pelos rios Negro, Uaupés e Tiquié durante 53 horas. Extasiados contemplamos a beleza das cachoeiras, a variedade das árvores com o verde de todos os matizes, as aves que fugiam amedrontadas pelo barulho do motor. Ao entardecer, celebrávamos agradecidos a Santa Eucaristia. E dormíamos acalentados por mãe negra, a noite, pontilhada de estrelas e iluminada pelos tênues raios da lua minguante. 


A Celebração da Ordenação iniciou, às 09 horas, com o rito de purificação do ambiente realizado pelo Pajé com seu tradicional bastão e o perfumado “incenso” nativo. A procissão de entrada foi precedida pela dança de acolhida “cariçu” realizada por um grupo de casais com vistosos enfeites e pinturas corporais. Eles voltaram depois para a dança do “dabucuri” : os homens tocando flautas e as mulheres carregando as ofertas para a Eucaristia. Um grupo de jovens dançou acompanhando a entronização da Bíblia carregada por uma indiazinha dentro de uma canoa transportada nos ombros de dois robustos jovens. 


Comoveram a todos os testemunhos das pessoas que acompanharam a formação do Sérgio. O Pe Ivo Trevisol, o pároco que apoiou e encaminhou o jovem quando manifestou o desejo de ser padre. O Pe Jorge Gonçalves que o acolheu no Seminário em São Gabriel em 2001 e o seguiu de perto durante dez anos. A Professora Ana Cleide que o conheceu como colega de estudos e colaborou com ele no mistério diaconal. Destacaram a simplicidade, a cordialidade, a alegria, a prontidão para servir, a confiança com que se entrega nas mãos de Deus e a generosidade com que abraça o ministério. 

Lamentamos a ausência do Pe Olindo Furlanetto, reitor do Seminário de Manaus que, por motivo de compromissos inadiáveis, não pode estar conosco. 

Com a exceção de dois cantos da celebração, os demais foram todos cantados em Tukano. Inclusive a Ladainha de Todos os Santos. Depois da invocação dos Santos, entre os quais Nossa Senhora de Guadalupe e o índio S. Juan Diego, o povo entoava: “Uhsãre koteya” (rogai por nós) ou “Ayuseré oyá (intercedei por nós). Já que você ficou curioso, apresento-lhe também a versão do Sinal da Cruz com a melodia do “Amém Aleluia” que costumo cantar. “Paku ye wamé merâ! Maku ye wamé merâ! Bauhtigu ayu Yurugu ye wamé merã! Toho werã ekatirã, Ayurõ ekatirã, Ayurõ merã!” Tudo a ver com o nosso português, não lhe parece!? 

Os textos bíblicos, escolhidos pelo Sérgio, iluminam a missão de profeta, pastor e sacerdote que ele assume com o sacramento da Ordem: Jer 1, 1-10; Salmo 23; Heb 5, 1-6; Mt 18, 10-14. Do Evangelho de Mateus, ele tirou também o lema de sua vida e ministério: “Não desprezeis nenhum desses pequeninos, porque eu vos digo que os seus anjos nos céus vêem continuamente a face de meu Pai que está nos céu... A vontade do Pai é que não se perca nenhum destes pequeninos” (Mt 18,10 e 14). 


Nas palavras que proferiu antes de dar a primeira bênção, afirmou que viverá o ministério como um pequenino pastor a serviço dos irmãos mais pequeninos. 


Lembrou que o despertar de sua vocação aconteceu quando a Ir Elizabeth, Filha de Maria Auxiliadora, convidou-o para ajudá-la a construir casas para os Hupda. “Um Tukano que sempre considerou os Hupda como seus empregados, como poderia agora colocar-se a serviço deles?”, foi o primeiro pensamento que lhe ocorreu. Mas a Irmã, a primeira incentivadora de sua vocação, mostrou-lhe que na ótica do Evangelho e do seguimento de Jesus, “os últimos devem ser os primeiros” a receber nosso amor e nosso serviço. 


Anos depois, quando fez um retiro na linha da espiritualidade de Charles de Foucauld escutou estas palavras que o confirmaram nesta direção: “Jesus quando veio habitar no meio de nós escolheu de tal modo o último lugar que ninguém lhe poderá tirar”. Se o Mestre e Senhor buscou em tudo o último lugar, como pode seu discípulo desejar o primeiro? 


Um de seus atentos formadores afirmou que houve um Sérgio antes e outro depois deste retiro. Isto transparece na comprometedora e radical “Oração do Abandono” que ele colocou no convite de sua ordenação: “Pai a vos me abandono... Entrego a minha vida em vossas mãos... Estou pronto para tudo. Aceito tudo, contanto que a vossa Vontade se faça em mim e em todas as vossas criaturas”. 

As famílias da sede preparam gostoso e abundante almoço que foi servido gratuitamente para todos. Verdadeira festa da partilha e da multiplicação. Às 14 horas iniciaram as apresentações de cantos com coreografias e belíssimas danças de jovens e adultos que se prolongaram até o entardecer. 

O regresso a São Gabriel, navegando a favor da correnteza, durou trinta e nove horas. Eram 02 horas da madrugada quando vimos um bote à deriva o meio do rio Tiquié. Fomos nos aproximando devagar e vimos que era o prefeito municipal, em campanha pela reeleição, com mais sete pessoas que pediam socorro. Embarcaram em nossa “Pérola Negra” e contaram que o motor estragou e ficaram nove horas boiando na correnteza do rio. E foram salvos pela Igreja. 


Creio que um dos momentos mais felizes da vida de um bispo é quando tem a graça de ordenar um presbítero. E a cada ano o Senhor tem me concedido esta graça. 


No dia 15/08/10 ordenei o Reginaldo Cordeiro, SDB, Arapaso, que me acompanhou na primeira visita que fiz ao Papa. No dia 18/12/11 ordenei o José Jacinto Sampaio Alves, SDB, Desano, que está trabalhando conosco em Santa Isabel do Rio Negro. 

O Pe Sérgio de Jesus, Diocesano, permanecerá até o fim do ano em Pari Cachoeira trabalhando com o Pe Ivo Trevisol, Missionário do Sagrado Coração. 

Os “parentes” que o acompanharam como diácono, desejam agora vê-lo pregando o Evangelho e celebrando os Sacramentos na língua materna. Deste modo vai se concretizando o sonho da inculturação do Evangelho com a profunda inspiração: “A boa nova das culturas indígenas acolhe a Boa Nova de Jesus”. 

+ Edson Tasquetto Damian Pobre bispo do mato 

RECORDANDO A ORDENAÇÃO DE DOM EDSON DAMIAN 

Um silêncio profundo invadiu o estádio lotado de índios quando o pajé Mario Tenório, da etnia tuyuca, entrou balançando a Yaigê – uma grande lança ritual, usada somente nas festas solenes. Apenas o som vigoroso das sementes na ponta da lança ecoava pelo local. 

Todos sabiam: ele afastava qualquer resquício de malefício ou impedimentos e abria a passagem para o início da cerimônia de ordenação e posse do novo bispo católico de São Gabriel da Cachoeira (AM), Dom Edson Damian. 

A cerimônia aconteceu neste domingo (24) e reuniu dezenas de padres, além de 11 bispos de vários locais do Brasil, entre eles um venezuelano e um colombiano, e do ex-presidente da CNBB, Dom Jayme Chemello. Foi a primeira vez que um bispo foi ordenado em São Gabriel da Cachoeira, um desejo do próprio Dom Edson. 

O estádio do colégio São Miguel ficou pequeno para tanta gente – cerca de 3 mil índios de diversas comunidades do Alto Rio Negro, que reúne 23 etnias, em uma longa celebração que teve leituras bíblicas nas línguas tukano e nhengatu. Entre outras autoridades a celebração reuniu o prefeito indígena de São Gabriel, Pedro Garcia, da etnia tariano, e vários de seus secretários, também indígenas, além do general Ivan Carlos Weber Rosas, comandante da Brigada do Exército de São Gabriel da Cachoeira. 

Um dos pontos altos da cerimônia foi quando o indígena Erivaldo Cruz, um dos diretores da Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro (FOIRN), que representa mais de 60 associações indígenas e quase 700 comunidades do Alto Rio Negro, colocou um cocar na cabeça do novo bispo. 


Novo bispo de São Gabriel da Cachoeira exibe presentes recebidos das comunidades indígenas do Alto Rio Negro 


São Gabriel da Cachoeira é o terceiro maior município brasileiro em área e o que concentra maior número de indígenas no Brasil. Natural do Rio Grande do Sul, D. Edson Damian, 61 anos, trabalhou 10 anos em Roraima, onde foi vigário geral da Arquidiocese, atuando diretamente na Terra Indígena Raposa Serra do Sol e viveu um ano entre varredores de rua em Salvador. “Estou pisando devagar e com profundo respeito”, disse D. Edson durante sua pregação