segunda-feira, 14 de maio de 2018

A SEGUNDA CHAMADA- PE. RENÉ VOILLAUME


A segunda chamada. René VOILLAUME 

Publicado em 20/04/2018 no site Fraternidad Iesus Caritas – Resposta 


Enviei-lhe minha carta de Saint Gildas (comunidade francesa da Bretanha) de 17 de março passado, sobre o que eu poderia chamar de "o segundo chamado de Jesus",
o chamado que nos faz recomeçar em direção a ele na plena maturidade de nossa vida humana e espiritual. É somente a partir deste momento que nós pertencemos verdadeiramente a Deus, mas não creio que tenha contado tudo a você. 


Frequentemente me preocupo com a dupla necessidade contínua de nossa vida: nos separar de tudo e, ainda assim, nos entregar às pessoas. Sendo assim, não há como evitar esses aspectos contraditórios de nossa consagração religiosa. Sim, devemos nos desligar de tudo, não guardar nada, absolutamente nada, como se estivéssemos prestes a entrar no noviciado de uma Cartuxa! É o "nada" de São João da Cruz que o Padre de Foucauld comentou com tanta convicção para si mesmo, no capítulo de sua regra intitulado: o desapego de tudo o que não é Deus: sim, tudo o que não é Deus ... Portanto, tudo o que se refere aos assuntos humanos e aos próprios homens. Separar-nos dos nossos irmãos? Como é possível! 

Eu conheço muitos cristãos que estão indignados em me ouvir falar assim. Mas, contudo, é verdade. Estar separado de tudo o que pode haver de satisfação egoísta nas relações humanas, no amor humano, mesmo na amizade, não significa não amar os homens com o coração de Deus, mas indica que amá-los dessa maneira não é tão fácil quanto parece e que, talvez, devemos primeiro passar por uma purificação que, de certa forma, nos separa deles. Não se deveria talvez viver anos no deserto para tornar-se um verdadeiro Irmão Menor? Sim, talvez. Dir-se-á que o padre de Foucauld fez isso e isso é profundamente verdadeiro. Em qualquer caso, devemos seguir esse caminho de desapego de tudo que não é Deus, porque se minimizarmos essa necessidade, não podemos nos tornar verdadeiros Irmãozinhos de Jesus. 

Penso, no entanto, nesta necessidade de presença entre os homens, por esta aceitação de ser responsável pelos homens diante de Cristo, por esta partilha das condições de vida que nos empurram “até o pescoço” nos cuidados e nas preocupações mais materializantes da vida cotidiana dos leigos. Este também é o nosso caminho e acredito precisamente que nós, pobres Irmãozinhos, na nossa fraqueza aprenderemos a nos manter fiéis através desta dependência de um dom afetivo aos seres humanos. É nesta presença e através de suas necessidades que este despojamento deve ser realizado. Nós certamente precisamos do deserto, mas não para sempre. Nós não somos nem monges nem eremitas, embora devamos possuir a mesma disposição essencial de desapego radical de toda a criação. Nós não somos eremitas e penso, de fato, que não podemos alcançar a total generosidade e preservá-la, sobretudo no período do segundo chamado de Jesus, se não tivermos dado nossas vidas aos homens para salvá-los. Sim, somos eleitos para assumir o peso dos outros homens, com tudo o que isso representa em certas horas de peso e fadiga [...] 

O primeiro chamado de Jesus nos separou das coisas possuídas, de um comércio, de um futuro humano, da família, da casa, em uma palavra do mundo, como quando Jesus de repente separou Pedro, Tiago e João do seu barco, dos instrumentos de pesca, de seus companheiros e de sua família, como havia separado Mateus de sua mesa e de seus amigos em seu último banquete. Em seguida, houve a excitante novidade da primeira descoberta de Jesus, um sincero desejo de amor, nascido de uma simpatia espontânea para ele, uma educação progressiva através de seu ensino, a experiência de um reino de Deus diferente do que haviam imaginado, e finalmente a prova da Paixão com suas consequências: o desencorajamento, o medo, a fuga ante a cruz nua e sangrenta e talvez, também, como para Pedro, a tripla negação ... 

Então o segundo chamado de Jesus ressoou nas margens do lago, enquanto os discípulos foram quase levados de volta pelo gosto das atividades anteriores. Este chamado vem de um Cristo que não pertence mais completamente à Terra e que, desta vez, não apenas separará os apóstolos de suas coisas e atividades, mas de si mesmos, dando-os aos homens em nome do amor e para que eles possam fornecer provas: como os peixes forçam o pescador à escravidão do trabalho dia e noite: «Simão, filho de João, você me ama? Apascente as minhas ovelhas "(Jo 21,1-19). O mesmo é verdade para cada um de nós. 

René VOILLAUME

A segunda chamada, 24 de março de 1957, em: Nas estradas do mundo.