terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

A MISSIONARIEDADE DO PRESBÍTERO DIOCESANO

A missionariedade do presbítero diocesano. Mauricio da SILVA JARDIM



XI Assembleia Geral, Cebul, Filipinas – 15 a 30 de janeiro 2019.

A missionariedade do presbítero diocesano – Fundamentação

OBSERVAÇÕES INICIAIS:

É determinante ter claro
os fundamentos da missão. Uma palavra hoje muito usada. Chega-se dizer que tudo é missão.

Toda obra, antes de ser construída, necessita de planejamento. A construção começa pelos alicerces e fundamentos que garantem a sustentação do prédio. Na missão, não é diferente. Precisamos deixar claro os fundamentos da única missão que é de Deus.

A concepção de missão está muitas vezes reduzida a fazer coisas, elaborar esquemas, projetos, cursos, visitas, experiências, simpósios e congressos. Isto define-se como missão programática.

A missão ao longo da história foi delegada a congregações e grupos com carisma missionário. Foi perdendo-se a noção de missão como identidade, essência, natureza de todo povo de Deus. Alguns ainda tem a concepção, de que missionários (as) são somente aqueles que partem para outra nação.

CONCEITO DE MISSÃO:

Na sua origem, a palavra “missão” significa “envio”, “partir”, “sair”.

O termo latino, missio quer dizer também “libertar”, “deixar andar”, “soltar”: o envio “tem tudo a ver” com liberdade e libertação.

O Concílio Vaticano II recuperou a concepção teológica sobre a natureza da missão.

MISSIO DEI:

Essa visão se fundamenta, no conceito de missão que tem sua origem no “amor fontal” do Pai, um amor que sai de si por sua própria natureza para chegar a todos (AG,2).

A Missão, portanto, é uma só. Ela é de Deus, nasce no coração da Trindade. Deus é missão. O amor de Deus é um amor que não se contém, que transborda, que se comunica, expande, dilata, irradia, difunde e sai de si.

O próprio Deus se auto envia pela missão do Filho e do Espírito. O Filho é enviado pelo Pai na força do Espírito Santo.

Impulso de dentro para fora:

A origem de todo movimento missionário está no coração da Trindade. O amor de Deus Pai não se contém e se comunica. Deus é missão e a missão vem de Deus porque Deus é amor. Missão diz respeito ao que Deus é e não, primeiramente, ao que Deus faz. A missão revela a essência de Deus de se comunicar e de criar relação. Por isso, a missão não teria, a princípio, um seu porquê, não surgiria primeiramente de uma necessidade histórica, mas é um impulso gratuito, de dentro para fora, e de um jeito de ser que têm como origem e fim a vida divina (cf. DAp 348).

A SAÍDA DE DEUS:

Deus é o primeiro a sair de si mesmo para libertar, salvar, curar…

“Ele viu a opressão do povo no Egito, escutou seus clamores e sofrimentos e desceu para libertá-los das mãos dos Egípcios e levá-los para uma terra boa e vasta, onde emanam leite e mel (Ex 3, 7-8).

CONCEPÇÃO ECLESIOLÓGICA E MISSILÓGICA

“A Igreja não possui uma missão, mas a missão possui a Igreja” (Diálogos proféticos, Stephen Bevans e Roger Schroeder, p.34).

Missão é a própria essência de Deus que tem uma Igreja vocacionada a ser testemunha de Cristo no mundo e na história, até os confins da terra e o final dos tempos. “A ação missionária é o paradigma de toda obra da Igreja” (EG 15).
Como a missão nasce em nós?

ENCONTRO

A missão começa com a escuta da voz de Deus. “Ouvir o que diz o Espírito as Igrejas”.

Encontro com Jesus Cristo. É um encontro que dá novo horizonte à vida.

É um encontro apaixonante que se expande. O documento de Aparecida fala de dez lugares de encontro (246-258).

“Conhecer a Jesus é o melhor presente que qualquer pessoa pode receber; tê-lo encontrado foi o melhor que ocorreu em nossas vidas, e fazê-lo conhecido com nossa palavra e obras é nossa alegria” (DAp, 29).

Missão a partir de Jesus Cristo

Cristo, luz para os povos (LG,1).

O momento atual é oportuno de propor uma direção, referência, um sentido para vida das pessoas que é Jesus Cristo. Há uma crise de sentido. A fé Nele tem implicações práticas, ou seja, irradiar fé, bondade, misericórdia, compreensão.

A evangelização não é feita somente por palavras, sobretudo pelo testemunho de vida. Ir. Carlos é um modelo de missão testemunhal. Missão pela simples presença, gratuidade e bondade.

PAIXÃO

“Missão é paixão por Jesus Cristo e simultaneamente paixão pelo seu povo” (Evangelii Gaudium, 268).

Sem esta paixão a missão fica reduzida a fazer muitas coisas, andando de um lado para o outro, sem mística e sem ardor. Missão é pois, questão de paixão e identidade cristã.

Qual objetivo da ação missionária?

Transmitir a fé está no coração da missão da Igreja. “A Igreja existe para evangelizar”.

A Igreja é continuadora da missão de Jesus.

Proclamar e anunciar a boa notícia de Deus.

A Igreja deve estar a serviço da implantação do Reino de Deus. Ela não é fim, é meio, instrumento, sinal de salvação.
Salvar, curar, libertar…

Na missão, a salvação está em primeiro lugar, o jurídico, institucional e doutrinal devem estar a serviço da salvação.

Assumir o jeito de viver de Jesus Cristo. “Jesus Cristo, passou por este mundo fazendo o bem (At10,38). A vida e o testemunho são mais importantes do que a teoria.

Para missionar é fundamental experimentar a ação de Deus em nós.

A missão se propaga por contágio pessoal. “A fé cresce por atração” (Bento XVI).


MENOS E MAIS.

“ Zero burocracia e menos administração. Mais paixão, mais amor e mais anúncio do Evangelho” (Papa Francisco, reunião dos diretores das POM em Roma, junho de 2017).

Jesus convocou o grupo dos doze para que primeiro permanecesse com Ele e depois os enviou a pregar (Cfe. Mc 3,14). A primeira tarefa do missionário (a) é permanecer com Ele para deixar-se conformar pela Sua identidade. Deste encontro, nasce a missão que não tem fronteiras.

ESPÍRITO SANTO É O PROTAGONISTA

Missão é pois, uma questão de fé, de abandono a Deus. Por isso, a primeira obra é rezar pelas missões. O protagonista é o Espírito Santo. Somos Cooperadores (as) da missão de Deus.

COOPERAÇÃO MISSIONÁRIA

Se na missão toda iniciativa é Deus. Qual a nossa parte?

Deus quis precisar de nós para a missão que é Dele. Necessita de nossa colaboração, de nosso sim, de nossos pés, mãos, olhos, ouvidos, de nossa proximidade com Seus filhos (as).

Está continuamente chamando colaboradores (as).
Eu sou uma missão…

O papa Francisco tem falado da dimensão existencial da missão: “Eu sou uma missão de Deus nesta terra, e para isso estou neste mundo” (Evangelli Gaudium, 273). A vida se torna uma missão. Ser missionário (a) está além de cumprir tarefas ou fazer muitas coisas. Está na ordem do ser. É existencial, identidade, essência e não se reduz a algumas horas do dia. Na Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate o papa chega afirmar: “Não é que a vida tenha uma missão, mas a vida é uma missão” (27). A missão nos tem.
O movimento da saída: a proximidade

Qual motivo teríamos para sairmos de nós mesmos, de nossa comunidade, de nossa terra, se não tivéssemos algo que nos impele a fazer isso?

1. Poderíamos sair atraídos pelo encanto com o desconhecido ou pela curiosidade de visitar outros lugares, encontrar outras pessoas e culturas diferentes: então, faríamos turismo, ou algo parecido, como intercâmbio, negócios, pesquisas, etc.

2. Poderíamos sair com o desejo de conquista, querendo expandir nossa organização, nosso mundo, explorando o mundo dos outros segundo a nossa visão e as nossas necessidades: então, isso seria colonização.

3. Poderíamos sair para fugir de nossa realidade e de nós mesmos, buscando inspiração ou uma realização pessoal em outros lugares: se tirarmos o caso dos migrantes e dos refugiados que fogem para sobreviver, poderíamos dizer que essa saída teria ainda como razão de fundo um desejo pessoal.

IGREJA EM SAÍDA

No caso da Igreja, a motivação de seu sair não está em si mesma. Ao contrário, trata-se de um “movimento de saída de si mesma” (EG, 97). “O discípulo-missionário é um descentrado – diz Papa Francisco – o seu centro é Jesus Cristo, que convoca e envia”. Aqui está o permanente discernimento e a atitude penitencial da “Igreja em saída”, pois ela, ao sair, poderia estar colocando ao centro a si mesma. “Quando a Igreja se erige em ‘centro’, se funcionaliza, torna-se cada vez mais auto referencial e enfraquece a sua necessidade de ser missionária”. ( Discurso do papa Francisco JMJ, 28 de julho de 2013).

Portanto, o motivo do sair da Igreja é exclusivamente Jesus que envia e Jesus que é a razão do enviar. Com efeito, a missão é um mandato: somos enviados não porque queremos, mas porque somos desafiados por Alguém a tomar iniciativa (cf. EG 24). Em segundo lugar, somos enviados porque o Evangelho, por ser uma “Boa Notícia”, tem em si um conteúdo avassalador em seu dinamismo de “saída” (cf. EG 20).

Portanto, a Igreja é chamada a estar “em saída” como o seu Senhor que “sabe ir à frente, sabe tomar iniciativa sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos” (EG, 24).

Este é o tempo para a Igreja reencontrar o sentido de sua missão, libertar-se das amarras que a impedem de “sair”, de ser uma Igreja em saída.

É com este objetivo que o Papa Francisco convoca a Igreja a “sair”, assumir a dinâmica do “êxodo”.

EM MOVIMENTO DE SAÍDA

A Igreja não é feita para ficar apenas constituída em suas instituições, em seus assentos e em suas estruturas: ela existe para estar em movimento e se lançar ao mundo.

Essa é sua natureza:

sua razão de ser está em “sair”.

O QUE NOS IMPEDE DE SAIR?

Duas realidades paralisam a Igreja na sua missionariedade:

→a tentação de ficar no “centro”.

→ a preocupação com “querer ser o centro”. Tentação da auto-referencialidade.

“Cada cristão e cada comunidade há de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede…(Evangelii Gaudium, 20).

Discernimento para sair

O horizonte existencial da Igreja em saída são as periferias. O horizonte escatológico é o Reino de Deus. Iluminados pela alegria do Evangelho, cada comunidade deverá discernir quais periferias geográficas e existenciais precisam de uma atenção especial e da luz do Evangelho.

Essa saída, porém, não pode esquecer da missão ad gentes, além-fronteiras.

Sair de que maneira?

A saída da qual fala o documento Evangelii Gaudium, é uma saída profunda, que toca as dimensões mais íntimas da vida dos discípulos missionários e da Igreja. Não é sair simplesmente para impor a nossa vontade e a nossa visão de mundo, querendo “organizar” o mundo dos outros.

Isso não é missão, é colonização.

A saída exige permanecer…

Para sair é preciso permanecer ligado Àquele que nos envia. Ao essencial, a Jesus e seu Evangelho. A saída é uma viagem para fora e para dentro de nós mesmos. Ao sair também encontramos Deus na carne sofredora de Cristo.

Somos uma Igreja em saída e somos uma Igreja que volta da missão para testemunhar a alegria do Evangelho.

O movimento de entrada: o encontro

O processo de saída implica um processo de entrada:

Entramos na casa do outro como hóspedes para encontrar. Este movimento demanda Kenósis, despojamento.

Entrar como hóspede é assumir a condição de peregrino e de estrangeiro que nos proporciona o dom inestimável do outro, sua experiência.

Exige espírito de adaptação, capacidade de comunicação, disciplina na inserção, paciência na travessia, generosidade na entrega, grande sensibilidade e paixão pelo povo que nos acolhe.

ÂMBITOS DA MISSÃO

A Igreja existe para cooperar com a missão de Deus (cf. 1Cor 3,9; EG 12).

a. Pastoral – comunidades (em casa).

b. Nova Evangelização – sociedade (fora de casa).

c. Missão ad gentes – sem fronteiras (na casa do outro). Horizonte maior para entender os outros âmbitos que são interconexos e interligados.
Missão Ad Gentes

“A transmissão da fé, coração da missão da Igreja, realiza-se pelo “contágio” do amor, em que a alegria e o entusiasmo expressam o descobrimento do sentido e da plenitude da vida. A propagação da fé por atração requer corações abertos, expandidos pelo amor. Não se pode colocar limites ao amor: forte como a morte é o amor (cf. Ct 8, 6). E tal expansão gera o encontro, o testemunho, o anúncio; gera a partilha na caridade com todos aqueles que estão longe da fé e se mostram indiferentes, às vezes contrários a ela”… Ambientes humanos, culturais e religiosos ainda alheios ao Evangelho de Jesus e a presença sacramental da Igreja constituem as periferias extremas, os “últimos confins da terra”, para onde, desde a Páscoa de Jesus, são enviados os seus discípulos missionários, na certeza de terem sempre o seu Senhor com eles (cf. Mt 28, 20; At 1, 8). Isso é o que chamamos de missio ad gentes” (Discurso do Papa Francisco no Dia Mundial da Missões, 2018).

O que é Missão Ad Gentes?

Entre aqueles que não conhecem Jesus Cristo no meio de outros povos e sociedades. Missão na casa do outro. A cooperação missionária diz respeito à missão ad gentes, a todos os povos.

A participação de cada Igreja local na missão universal, com os outros povos e com as outras igrejas.

Além do aspecto territorial e geográfico, se reflete hoje, o novo ambiente cultural indiferente ao Evangelho.

Missão Ad Gentes – desvios.

A missio ad gentes foi e é marcada pela mentalidade colonial, ou seja, há um certo complexo de superioridade em relação a outros povos, culturas, tradições, estilos de vida. O outro compreendido como destinatário e não como sujeito. É uma mentalidade marcada de fazer missão para e não com os outros. Alguns verbos que traduzem este movimento colonizador é ensinar, conquistar, levar, implantar, construir. Nesta mentalidade se desconsidera o trabalho realizado por outras pessoas que chegaram antes de nós. A missão evangelizadora não tem início com minha chegada.

Este modo de pensar a missão, não difere dos projetos coloniais que desprezaram as culturas locais para implantar uma nova mentalidade. A resistência a missio ad gentes que muitos agentes pastorais têm, passa pela compreensão da missão na perspectiva colonizadora. Ainda hoje, os missionários (as) chegam com o Kit pronto, vinculando a missão ao conceito de desenvolvimento, progresso e transplante da Igreja em outra cultura. Se fala mais do que se escuta não valorizando o outro como interlocutor. Cremos ou não no protagonismo do Espírito Santo que nos antecipa na missão?

Charles de Foucauld

É fundamental não abandonarmos o critério missionário da encarnação num mundo cada vez mais plural. Na mentalidade colonizadora se despreza as línguas locais, as tradições e os planos pastorais das Igrejas locais.

Na fraternidade temos o exemplo do beato Charles de Foucauld que soube respeitar e aprender a língua e tradições locais, exercendo o ministério da bondade e da simples presença gratuita.

Pe. Maurício da Silva Jardim

Brasil