quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

NA ESCOLA DE NAZARÉ

Na escola de Nazaré 

Pe. Nelito Dornelas 


Jesus conheceu a vida real do povo, com todas as suas contradições, na escola do Pai, que é a escola da vida humana, em contato com as necessidades dos mais pobres e excluídos, em uma plena solidariedade, inclusive na busca por um trabalho possível junto aos seus. Assim aprendeu a ser humano, ouvindo os gritos dos homens e mulheres de seu entorno, expulsos, rejeitados, discriminados e oprimidos, como ovelhas sem pastor. Não teve que entrar no lugar da exclusão a partir de fora, pois ele cresceu dentro da exclusão. 

Jesus viveu em Nazaré, rodeado de gente comum, com suas lindas paisagens, sua linguagem muito específica, com um vocabulário elementar e muito curto, tendo que lançar mão do recurso de imagens e símbolos para conseguir se expressar de forma compreensível. O modo especial de ser e viver de Jesus foi moldado neste contexto periférico, mas profundamente marcado pela dimensão da piedade e de uma fé enraizada no chão da vida. 

Para Jesus, Nazaré é um tempo de aprendizagem, de purificar o olhar, exercitar a escuta, aguçar o espírito de observação sobre o cotidiano da vida. Lugar de Exercício de preparação diante das urgências do Reino, um tempo de enraizamento. 

Na vida oculta em Nazaré Ele se faz um aprendiz, um artesão do saber que sabe degustar o sabor e o valor das coisas cotidianas quando são feitas com dedicação e carinho. Aprender é uma das consequências da dinâmica da Encarnação. O evangelista Lucas o atesta: “Jesus crescia em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e diante dos homens” (Lc 2,52). Portanto, Jesus viveu a vida como um processo lento e progressivo, a partir da própria condição humana no meio do povo e em vista do Reino de Deus, graças a uma criatividade transformadora. 

Foi no cotidiano familiar e comunitário que Ele aprendeu, aos poucos, a ampliar seus horizontes, seus interlocutores e o sentido de sua missão, vivendo a mística do encontro. E porque aceitou participar do encontro marcado com o Pai, conhecendo e realizando sua vontade, foi capaz de aprender a valorizar e a saborear o encontro com todas as pessoas, fazendo destes encontros o lugar da humanização plena. 

Na sua vida oculta em Nazaré Jesus nos convida a entrar na sua casa para aprender d’Ele e com Ele os valores próprios de uma família e de seu povo. É difícil compreender a normalidade da vida de Jesus, parece até que o Reino não tinha exigências sobre a sua vida. Identificando-se com a vida de todo mundo mostrava que a salvação não consistia em coisas extraordinárias e em gestos fantásticos, mas na “adoração do Pai em espírito e verdade”. Jesus passou praticamente toda sua Vida nesta humilde condição, vivendo despercebido como Messias. Pois o Reino se revela no pequeno, no anônimo e não no espetacular, no grandioso. Ele está misteriosamente se realizando entre nós. 

Nazaré é o sinal da epifania de Deus nas pequenas coisas, é o sinal da palavra divina escondida nas vestes humildes da vida simples, é o sinal do sorriso de Deus que se faz visível nos espaços comunitários. 

Tanto em Nazaré quanto na vida pública, Jesus nos comunica uma profunda união com o Pai, vivendo uma vida de oração confiante e de entrega. 

Jesus sente quando o Pai o chama a mudar o estilo de vida escondido. Ele está atento aos “sinais dos tempos” e saberá discernir, nesses sinais, a Vontade do Pai que o chama a mudar de caminho, a deixar sua terra, a lançar-se numa aventura. Começará, então, uma vida itinerante, missionária, despojado de tudo. 

No espaço familiar e comunitário em Nazaré, Jesus se revela, para todos nós, como presença inspiradora neste momento em que vivemos profundas e rápidas transformações que exigem de nós equilíbrio, sensatez, maturidade, aprendizado, diálogo e novas expressões de fé. Um dos desafios da espiritualidade neste novo cenário é motivar a viver a vida em profundidade, apesar da aridez do deserto do cotidiano.