sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

D.EDSON, 50 ANOS DE SACERDÓCIO




Homilia – 20 de dezembro de 2025

“A minha alma engrandece o Senhor e o meu espirito exulta de alegria em Deus meu Salvador”

Com as palavras e sentimentos de gratidão da Mãe de Deus e nossa estou celebrando com vocês 50 anos de ordenação e ministério presbiteral. Foi aqui, sob o olhar da Imaculada Conceição que, no dia 20 de dezembro de 1975, recebi o Sacramento da Ordem pela imposição das mãos do saudoso Dom Ivo Lorscheiter e de 25 presbíteros, quase todos da Diocese de Santa Maria.

No final da ordenação tive a grata surpresa de saber que, naquele mesmo dia, o Pe Nelson Friedrich, em 1942 e Dom Ivo, em 1952, também tinham sido ordenados presbíteros. Para completar a surpresa, quando convidei Dom Leomar para estar conosco aqui hoje, ele me comunicou que, há 33 anos, neste mesmo dia, também recebeu a ordenação presbiteral. Portanto temos hoje muitos motivos para louvar, bendizer e agradecer ao Senhor que faz maravilhas. Dom Ivo e Pe Nelson festejam conosco na comunhão dos Santos no Paraiso.

Agradeço de coração a presença de cada um, de cada uma de vocês que estão aqui conosco. Agradeço sensibilizado as palavras da Sra. Elenice Cattelan, vice-prefeita de nosso município, que perpassou os caminhos por onde andei. Os elogios refletem muito mais a bondade do seu coração do que a real condição desde pobre bispo do mato emérito.

Gratidão eterna aos pais Jerônimo e Dionilda pelo testemunho de 73 anos de vida matrimonial e pelas três irmãs e dois irmãos que, na alegria da fraternidade aprendemos a envelhecer com nossos pais. No seio da família e no convívio com as famílias das comunidades de Fontana Freda e Marmeleiro herdei a fé e os valores humanos fundamentais de minha vida. Ainda vivem e estão aqui conosco, minha catequista Sra Lourdes Sporchio Bolzan e também a Sra Neida Machado Guerra, professora do curso primário. Inclusive ela teve a paciência de me ensinar a responder a missa em latim.

Com 13 anos ingressei no Pré-seminario, em Ivorá. Concluí o ensino fundamental no velho Seminário São José, à sombra do santuário da Medianeira. Tempos de grande renovação da nossa Igreja com os Papas São João XXIII e São Paulo VI. Os Padres Jesuítas, nossos professores, nos ensinaram a viver o Evangelho e receber com alegria o novo Pentecostes de nossa Igreja que foi o Concílio Ecumênico Vaticano II, verdadeira primavera eclesial.

Estudei filosofia no Seminário de Viamão e na UFSM e teologia na PCRGS. Nesta época aconteceu a Conferência do Episcopado Latino americano, em Medellin. Grande acontecimento que colocou a renovação do Concilio no chão de nossa realidade e se concretizou na opção pelos pobres, na teologia da libertação e nas comunidades eclesiais de base.

Após cinco anos de ministério nas paróquias de Cachoeira do Sul e Tupanciretã, Dom Ivo convidou-me para estudar em Roma, mas eu desejava conviver com os Irmãozinhos do Evangelho de São Charles de Foucauld e ser padre operário. Com a permissão dele trabalhei um ano como varredor de rua em Salvador na Bahia e um ano como agricultor com os povos indígenas da Bolívia em Titicachi. Senti na pele o desprezo, a discriminação e o racismo que sofrem os afrodescendentes e também o abandono e a pobreza dos povos indígenas.

Retornado à Diocese fui pároco em Formigueiro e coordenei a pastoral da terra em nossas paróquias. Tempo das grandes romarias de terra, do Movimento dos Sem Terra e de vários assentamentos também em nossa Diocese.

Depois do Formigueiro, Dom Ivo cedeu-me, a pedido de Dom Jayme Chemello, para colaborar na formação dos seminaristas da Diocese de Pelotas. Além das atividades, pude fazer também um curso de mestrado em teologia fundamental em São Paulo.

De Pelotas, Dom Jayme convidou-se para assessorá-lo no Setor Vocações e Ministérios de CNBB, em Brasília. Durante seis anos tive a graça de visitar dezenas de dioceses para assessorar encontros de formação para seminaristas, presbíteros e diáconos. Foi uma verdadeira pós-graduação em eclesiologia sobre as Dioceses do Brasil.

Em 1999 Dom Ivo enviou-me para ser missionário de Roraima, nossa Igreja Irmã de Santa Maria. Depois de seis anos, quando devia retornar a Santa Maria, faleceu o Bispo de Roraima, Dom Aparecido José Dias e fui eleito administrador diocesano. Dom Roque Paloschi, do presbitério de Bagé foi nomeado Bispo de Roraima e solicitou ao Dom Hélio Rubert para que eu permanecesse mais algum tempo para ajudá-lo. 

Passaram-se mais quatro anos e Dom Hélio pediu-me que retornasse, pois já tinha permanecido 10 anos longe da Diocese. Dom Roque não gostou e me segredou: a resposta em breve virá. Pouco tempo depois, o Núncio Apostólico me chamou e me entregou uma carta do Papa Bento XVI me nomeando bispo de São Gabriel da Cachoeira, noroeste do Estado do Amazonas, no coração da Amazônia. Apresentei vários motivos para não aceitar. Já tinha 60 anos e conhecia os imensos desafios daquela Diocese, a mais extensa, mais isolada, mais indígena e mais pobre do Brasil. Além disso, os cinco bispos tinham sido todos salesianos, pois aquela região foi evangelizada pelos Padres de Dom Bosco e a Filhas de Maria Auxiliadora. 

Havia ainda outro problema sério. A Diocese resolveu encerrar um convênio que mantinha com o governo para cuidar da saúde dos índios. Quase quarenta agentes de saúde colocaram a Diocese na Justiça do Trabalho. A Diocese deveria desembolsar R$ 650.000. Onde um pobre padre diocesano arranjaria tanto dinheiro? Mesmo assim, o Núncio não desistiu. Deu-me uma semana para consultar bispos que me conheciam. Aconselharam-me a conversar com Dom Song Sui Wam, chinês, bispo de SGC, que sofria do mal de Parkinson. Ficou feliz com minha nomeação. Disse que os padres da diocese tinham me indicado. Mas, quando lhe apresentei o entrave da Justiça do Trabalho, apressou-me em dizer-me: a Diocese tem uma conta especial com os R$ 650.000,00. Não esperava por esta notícia e já estava pronta a carta ao Papa renunciando a nomeação. Outros bispos que me conheciam insistiram para que aceitasse. Escrevi outra carta com três motivações:

1.Tudo o que sou hoje devo à minha Igreja que me acolheu desde os 13 anos, me formou e acompanhou como mãe carinhosa. Recusar esta missão seria uma ingratidão a Deus e à Igreja.

2. Além disso, temos uma dívida social histórica imensa com povos Indígenas que tiveram suas terras invadidas e saqueadas, tribos inteiras foram dizimadas porque não se sujeitaram à escravidão e ainda hoje, discriminados e desprezados, lutam pelos seus direitos. Por isso, assumi o episcopado como serviço à causa da evangelização e defesa dos direitos do Povos Indígenas.

3.Por fim, ajudou-me a espiritualidade de São Charles de Foucauld, que admiro muito. Ele nos diz que o discípulo missionário deve seguir o Bem Amado Irmão e Senhor Jesus que ao vir a este mundo escolheu de tal modo o último lugar que ninguém lhe poderá tirar. À luz do lema “Com Jesus amar e servir” fui ordenado bispo em São Gabriel da Cachoeira no dia 24 de maio de 2009. Dom Hélio, Pe Antonio Taschetto e quatro de meus irmãos estavam lá.

Uma das maiores alegrias foi ter sido bispo durante o pontificado profético do querido e saudoso Papa Francisco. Sua encíclica programática Evangelli Gaudium (A Alegria do Evangelho) e logo depois, a Laudato Si sobre o cuidado da Casa Comum, foram documentos preciosos e corajosos que orientaram toda a ação evangelizadora da Diocese. Graça inesquecível foi ter participado com o Papa Francisco, em Roma, do Sínodo Especial para a Amazônia.

Não imaginava que teria saúde para aguentar 15 anos naquela imensa diocese. Nunca adoeci e nem peguei malária, doença que atinge a quase todos e várias vezes. Além da graça de Deus, contei sempre com a acolhida carinhosa e a colaboração das comunidades indígenas, do presbitério, das irmãs, das lideranças. Tive a graça de ordenar 15 padres indígenas e celebrar os votos de várias Irmãs Indígenas. Uma delas, Ir Zoraima FSMP, da etnia Tariana, trabalha na Escola N. Sra da Providência, está aqui conosco. No dia 12 de fevereiro de 2024 entreguei a Diocese ao Dom Raymundo Vanthuy Neto, padre amigo com que trabalhei cinco anos em Roraima. Era o primeiro da lista tríplice que apresentei a Papa. Concluo dizendo como o papa Francisco:

“Senhor, fiz o que pude. Peço que me desculpe por aquilo que não consegui fazer”.

Agradeço à minha família, à Arquidiocese de Santa Maria, à paróquia de Jaguari e a cada um, cada uma de vocês que me acolhem fraternalmente neste tempo de emeritude. Deus recompense e abençoe a cada um, a cada uma de vocês.

Enviado por D. Edson T. Damian, 20/12/2025.



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