“Esvaziemos o nosso coração de tudo o
que não for o objetivo único... Que nada além de Deus seja o nosso tesouro. Que
o nosso único tesouro seja Deus, o que o nosso coração seja todo de Deus em
Deus, todo para Deus... Só para ele. Fiquemos vazios de tudo... Para nos
podermos encher completamente de Deus...”.
Bem-aventurado
Charles de Foucauld (1858-1916)
Padre
francês e eremita no deserto do Saara
A experiência de Deus na vida de
Charles de Foucauld fez nele uma santa inquietação na busca profunda de ser
todo de Cristo e de testemunhar até o fim do mundo o Evangelho do Reino de
Deus. Todo o seu ser é ir, sempre ir ao encontro do Absoluto e do outro. O
deserto ficou curto na busca do último lugar e sua obra o tornara maior do que
seu escondimento. Em Charles de Foucauld há começo e não fim. Há espaço para
conteúdos maravilhosos. Há lugar infinito para busca do Absoluto. Há campo para
trabalhar a missão e a evangelização de amor universal. Há muita coisa para ser
feita em sua espiritualidade para o bem das almas. Garimpar é preciso na sua
mina mística, em seus escritos e na sua vida impactante! Sua fé, o fervor do
Espírito Santo em sua jornada, sua atitude louca e apaixonada por Jesus
desperta e provoca em espírito morno, em pessoas indecisas e sem rumo tomar uma
posição radical. Tal decisão é ser todo de Deus por amor e pelo próximo para
fazer um mundo de paz, de justiça, de vida plena e de caridade universal!
DESCRENÇA E
INFELICIDADE
Charles de Foucauld de Eugene
Pontbriand, de rica família aristocrática
francesa, tinha um caráter duro, era inquieto, fervilhava de emoções e de
fortes aventuras. Ele mesmo escreveu: "Passei doze anos inteiros sem fé
alguma. Não acreditava mais em Deus, visto que não havia prova científica da existência
de Deus". No ano de 1876 ele entrou para a escola militar, de onde foi
expulso, Com 19 anos de idade apresentou-se como voluntário ao exército e,
enviado para o Saara, passou a viver de modo agitado e desregrado. Foi expulso
do exército por "falta de disciplina e má conduta". Isso no ano de
1881. Sua descrença, sua intransigência conectada a sua exacerbação causaram
muitos transtornos e infelicidades.
Assim decidiu ir como explorador para o
Marrocos. Ele labutou e arriscou a sua vida. Escreveu um livro científico sobre
suas explorações, o que lhe conferiu uma medalha de ouro pela Sociedade
Geográfica de Paris.
A CAMINHO DA
CONVERSÃO
Lá longe, ele tinha uma prima, Madame
de Bondy, que rezava por ele, para que começasse a pensar em sua alma e a mudar
de vida. Ele ficou encantado, não somente com a beleza do deserto, mas também
sacudido com a religiosidade do povo muçulmano, o qual demonstrava grande
veneração por Deus, vendo o povo orando cinco vezes por dia. E certa vez
confessou: “Esses oram cinco vezes por dia e eu, nem religião tenho.” Por isso
partiu do fundo do coração a primeira lástima e a primeira oração: “Ó Deus meu,
se existes, faze que eu chegue até conhecer”.
Charles, porque se dedicava às
ciências, pensava que a fé se descobria por meio de provas científicas, ou
mediante argumentos racionais ou perscrutando livros. Ele mesmo admitiu: “Eu
devassei os livros da filosofia pagã e nada encontrei, senão o vazio e o
tédio”. Depois, por acaso, veio às minhas mãos um livro cristão (Études sur
les mysteres, do famoso pregador francês Jacques Bossuet) que me fora
entregue por minha prima Maria Bondy, e nele encontrei a doçura e beleza que
jamais descobrira antes. Esse era o primeiro livro que consegui ler antes da
minha conversão, o que me mostrou que a religião cristã era a verdadeira!
ATRAÍDO PELA VIDA
VIRTUOSA
Ele retornou para a França, e começou a
ficar atraído pela vida da virtude. Ele presenciava os exemplos de
extraordinária santidade de sua prima Madame de Bondy; porém ainda não tinha
começado a crer em Deus, mas procurava frequentar a Igreja. Ele mesmo confessa:
“Em princípios de outubro de 1886, senti a necessidade de solidão, de
recolhimento, de leitura devocional a reflexão”. Começava a sentir necessidade
de frequentar a Igreja, apesar de ainda sem muita fé. “Minha mente estava
confusa, e vivia em estado de uma grande ansiedade: sempre buscando e buscando
a verdade.” Entretanto, ele achava que a fé se descobria com o estudo ou
pesquisando. Mas a fé é a submissão da própria vontade de Deus. E isso era uma
verdade ainda por ele desconhecida.
A REVIRAVOLTA DE SUA
VIDA
Sua vida conheceu uma virada para
melhor, quando de seu encontro com o Padre Henri Huvelin, um sacerdote santo e
sábio diretor de almas. Quando o viu, Charles sentiu em si algo que lhe dizia:
“É necessário abaixar a cabeça e crer. É necessário crer.” Começou a sentir-se
mais atraído pela Igreja. Certa vez a sua prima informou que o Padre Huvelin,
por motivos de saúde, não ia continuar dando suas palestras costumeiras. Charles
respondeu: “Mas que pena! Estava decidido a ir parar sua conferência. Tu,
prima, gozas do grande privilégio de gozar da luz; enquanto eu estou em busca
dessa luz e não encontro”.
SUA CONVERSÃO
O escritor francês René Bazin, em sua
biografia: Charles de Foucauld – eremita e explorador, narra o encontro
de Charles de Foucauld com o ínclito Padre Huvelin. Entre os dias 27 e 30 de
outubro, o Padre Huvelin viu aproximar-se dele um jovem, o qual não se
ajoelhou, mas esse jovem, um tanto cabisbaixo, disse ao sacerdote: “Senhor
Padre, eu não tenho fé; vim para pedir que me desse algumas aulas.” O Padre
Huvelin, que era especialista na direção espiritual, percebeu que aquele jovem
tinha necessidade, primeiramente, de mudança de comportamento, e lhe disse:
“Fica de joelhos, meu filho; agora confessa teus pecados a Deus, e terás fé.”
Charles respondeu: “Mas não vim para isto.” O Padre Huvelin: “Meu filho,
confessa teus pecados.” Charles, que queria crer, sem confessar, percebeu que a
condição para poder crer era exatamente isso: submeter-se e abaixar a cabeça
perante Deus. Charles se ajoelhou e fez uma confissão geral de toda sua vida.
Em seguida, o Padre perguntou ao
penitente se estava em jejum (para a Eucaristia), e à resposta afirmativa de
Charles, o sacerdote disse: “Então vai receber a comunhão”. Charles de Foucauld
foi direto ao altar, e, pela segunda vez na vida, fez “sua primeira comunhão”,
porque fazia anos que não a recebia. Cada vez que lembrava daquele dia, Charles
agradecia a Deus e lhe dizia: “Foi bem naquele dia, ó meu Deus, que lançaste
sobre mim teu olhar e me inundaste com tuas graças”.
MUDANÇA RADICAL E
MORTE
Dali em diante, a vida de Charles mudou
completamente. A graça de Deus fez nele milagres espantosos. Ele tomou a
decisão: “do momento em que comecei a crer na existência de Deus, eu percebi
que o único caminho que me restou era dedicar minha vida inteira a Ele”.
Desde então, optou por uma vida muito
simples, dormindo no chão e orando diariamente durante muitas horas. Ele foi à
peregrinação à Terra Santa, de novembro de 1888 até fevereiro de 1889. Em
janeiro de 1890 entrou para vida monástica no mosteiro trapista de Norte
Dame-des-Neiges. Em junho se transferiu para o mosteiro de Akbes, Síria. De lá
o enviaram a estudar em Roma, em outubro de 1896. Porém três meses mais tarde
saiu dos trapistas; seus pensamentos estavam voltados para os povos da África,
que não conheciam Cristo. Foi a pé, como peregrino à Terra Santa, e depois
voltou para a França, para estudar o sacerdócio. Foi ordenado sacerdote Viviers,
em 9 de junho de 1901.
Regressou à Argélia e levou uma vida
isolada do mundo, numa zona dos Tuaregues, mais próximos da população. Aprendeu
a língua tuaregue e estudou o léxico e a gramática, os cantos e tradições dos
povos do Deserto do Saara. Tinha a intenção de criar uma nova ordem religiosa,
o que sucedeu apenas depois da sua morte: os Irmãozinhos de Jesus, fundado em
1933, pelo Padre René Voillaume. O “Irmão Universal”, como Charles ficou
conhecido, foi assassinado no dia 1 de dezembro de 1916, em meio a uma revolta
anti-francesa dos bérberes de Hogar na Argélia, em plena Primeira Guerra
Mundial.
O renomado estudioso da vida de Charles
de Foucauld, o irmãozinho Antoine Chatelard escreveu: “Sua conversão foi na
verdade um encontro com Deus vivo, com um Deus próximo e amoroso. Esse Deus a
quem ele suplicava que se manifestasse, revelou-se a ele em uma comunhão de
amor. É um Deus que ama e a quem se deve amar. Esse Deus próximo fez-se carne e
tem nome: Jesus. Toda espiritualidade de Charles de Foucauld centrar-se-ia na
pessoa de Jesus, seu Deus, seu Senhor, seu Irmão, e depois, na linguagem dos
místicos, seu Esposo bem-amado”.
CONCLUSÃO
Toda a vida de Charles de Foucauld pode
ser resumida em duas palavras: “Jesus caridade” e “Jesus amor”. No confronto
das incompatibilidades em sua jornada, o amor é a construção segura e unificada
de sua alma caridosa e faminta de Deus. O caminho espiritual que ele delineou
foi muito simples: “viver o amor de Jesus na imitação e na adoração”. Estas
características transformaram o seu pensamento, suas decisões e suas ações.
“Não existe, creio eu, palavras do
evangelho que tenha mais profunda impressão e transformado mais minha vida que
aquela: tudo o que vocês façam a um destes pequeninos é a mim que vocês fazem”,
escreveu quatro meses antes da sua morte a seu amigo Louis Massignon. No amor
de Jesus, ele tornou-se uma testemunha forte e resoluta no anúncio do evangelho
do Mestre de Nazaré.
De forma abissal Charles de Foucauld é
uma inspiração para amar Jesus apaixonadamente! Sua espiritualidade é
profundamente impactante que atua de forma renovada e reavivada nos corações
tomados pelo amor de Deus, do amor ao próximo, pela Igreja, pela vida ativa e
contemplativa e pela proclamação do Evangelho num testemunho vivo e eficaz!
Inácio José do Vale