domingo, 23 de junho de 2019

DOM MOACYR GRECHI



Minha convivência com Dom Moacyr Grechi 

Magda Melo 

Dom Moacyr! pessoa maravilhosa, homem do povo, de fé, de esperança, de bondade, de ternura. Homem especial que ouviu, que sentiu, que viveu a vida do povo, do pobre. Ele dizia assim:
“nós somos solidários, nós estamos juntos, mas nós não vivemos o que eles vivem, é preciso ter essa consciência e entender que, apesar de amar, de estar junto, o que o outro sente, nós não sentimos na pele da mesma maneira.” 

Dom Moacyr teve muita importância em minha vida. Quando ele foi transferido de Rio Branco para Porto Velho, eu morava em Porto Velho, já estava na Comunicação da Arquidiocese e tive o privilégio junto com alguns jornalistas, a irmã Renata Munare, da Paulinas, e o padre Guido, italiano, comboniano, da Paróquia Nossa Senhora das Graças, prepararmos a celebração de acolhida ao Dom Moacyr em Porto Velho. 

Assim, desde que chegou a Porto Velho, eu estava presente convivendo com Dom Moacyr, inclusive nas dificuldades dos dois acidentes, na resistência a guarda-costas, imposta pela necessidade, no caso, por ele ter enfrentado o poder, por ter lutado pelo pequeno, por entender a necessidade de parar aquele que estava ceifando vidas com máquinas motosserras. Ainda tenho uma revista com o histórico da situação e da delação sobre o que as pessoas viviam em Rio Branco e, mesmo com todo risco, não se amedrontou, não foi covarde, denunciou. 

Quando chegou em Porto Velho, Dom Moacyr, para sua adaptação, teve certa dificuldade de entender essa nova realidade do clero, das lideranças, das paróquias, das comunidades, do povo, que, apesar de serem as (arqui)dioceses, ambas da região norte, seus costumes e realidades são completamente diferentes. Ele esteve cerca de 25 anos na Diocese de Rio Branco-AC. Uma vida, uma história, e iria iniciar uma outra história. 

Vieram outros padres, surgiram novas lideranças, congregações, somando aos que já estavam, os laços foram se fortalecendo, estreitando amizades, conhecendo a realidade e as pessoas. Assim Dom Moacyr foi também conhecendo seu rebanho e seu rebanho conhecendo e ouvindo seu pastor. 

Dentre tantas peculiaridades de Dom Moacyr, uma era que evitava andar de carro com as pessoas, além do Onildo, que foi seu motorista, no qual ele confiava de verdade, eram seletas as pessoas das quais aceitava uma carona, e eu tive o privilégio de ser uma delas. Às vezes, era interessante, chegavam até mim e diziam: “Dom Moacyr está lhe esperando para ir embora, perguntei se ele queria uma carona, mas ele disse que você estava aqui então ele iria com você.” 

Dom Moacyr confiou em minha pessoa e convidou-me para coordenar o 12º intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs. No início eu disse que não, e houve insistência até eu entender que eu era povo, se eu não conhecia ou não entendesse alguma coisa, eu devia passar a entender porque o povo também não estaria entendendo; assim aceitei e com o Padre Luiz Ceppi estivemos na coordenação, na construção do 12º intereclesial. Montamos equipes de trabalho, trabalhamos bastante, passamos horas, até noites, na construção do inter, realizamos visitas a outras dioceses, aos ribeirinhos, dentre várias atividades e compromissos. Dessa forma, como disse no vídeo em comemoração aos 10 anos da realização do 12° intereclesial, o que significou para mim a convivência, a experiência, a partilha, o aprendizado e, ainda mais, nas oportunidades da presença de Dom Moacyr. 

As CEBs para mim, a importância em minha vida do 12º intereclesial, eu repito, foi um marco, um diferencial, um divisor de águas, uma Magda que sempre esteve envolvida com a igreja, com os trabalhos pastorais, com as comunidades, pronta ao serviço, a estar junto ao povo, aos trabalhos de missões e tantos outros como catequese, liturgia, cursos bíblicos, coordenação de comunidades, coordenação paroquial, comunicação, formação, escola de formação, foi se transformando, se comprometendo de maneira mais profunda, e entendendo, vivenciando essa proximidade junto ao povo, aos pobres, excluídos, marginalizados com outro olhar, noutra dimensão, no jeito de ser igreja encarnada, pé no chão, comprometida, a partir dos ensinamentos, exemplos, e convivência com Dom Moacyr. O qual me convidou para mais um trabalho na arquidiocese confiando fazer parte da coordenação da Escola de Teologia para Leigos. 

Fui entendendo as diferenças, os desafios e as dificuldades, mas também as alegrias, as realizações, o comprometimento, o fortalecimento da fé, unidade apesar das diversidades, o ir ao encontro para os encontros, unidos, um povo que tem a palavra e as atitudes voltadas para o bem de todos, em comunhão, na centralidade da fé em Jesus Cristo, jeito de ser igreja comprometida, igreja pé no chão, igreja aberta, ecumênica, que não tem medo, que busca no outro a sua essência e a presença de Jesus de Nazaré, essa é a igreja que Dom Moacyr acreditava e estava unido a ela, e com a convivência de Dom Moacyr foi se fortalecendo, nos bate-papos, nas visitas, na acolhida, no carinho. 

Dom Moacyr possuía uma humildade, uma simplicidade incomum, dentre suas histórias reais e que ele partilhava de uma forma tão pitoresca e leve que prendia a atenção de todos, ele contava que, em Rio Branco, tinha um senhorzinho que todos os dias estava na igreja, ajudava e na hora da Consagração quando Dom Moacyr dizia: “seu servo indigno”, ele levantava a mãozinha e dizia: “protesto!” A amizade e não querer que ele se achasse indigno, não entendendo o porquê estar dizendo assim. 

Lembro muito de Dom Moacyr embaixo de lonas pretas, calor escaldante, celebrando nas comunidades ocupadas, atendendo confissões para eucaristia, crisma de crianças, jovens, adultos. Ele, estando presente, estava conversando, aconselhando. Sempre dizia que era muito importante viver essa fé encarnada, ler a palavra de Deus, ter o compromisso com essa palavra, com a leitura da Bíblia diária, com o povo, seus anseios, suas dificuldades, com a caminhada. 

Foi uma liderança muito forte, um ícone, uma pessoa que atraiu as pessoas para perto de si, para ouvi-lo. Quando ele esteve em Roma, foi visitar o Papa Francisco, que já conhecia desde quando ainda era Mario Jorge Bergoglio, e viveram uma grande experiência na conferencia de Aparecida, e pensou: “como será essa visita? com as limitações físicas, em consequência dos acidentes, posso atrapalhar um pouco, devido à mobilidade mais lenta, necessidade de apoio, mas eu quero encontrar o Papa Francisco que admiro.” Ao voltar, contou como foi e qual foi sua surpresa tendo o Papa Francisco que o ajudava a colocar o sobretudo de frio, se prontificando a ajudá-lo, com simplicidade, humanidade, como Dom Moacyr, isso ele nos contou quando retornou da viagem no conselho pastoral arquidiocesano de uma forma tão alegre, vibrante, percebendo que ele via na pessoa de Francisco o seu jeito, com essa humildade, acolhida, carinho. 

Em uma outra vez, eu estava ajudando-o a se paramentar para uma celebração e ele disse que noutro dia pediu a uma irmã que o ajudasse e ela se negou, ele ficou sem entender e disse que, às vezes, nós temos dificuldade de perceber a limitação do outro, como se o outro estivesse com preguiça, má vontade, mas devemos evitar os julgamentos. 

Dom Moacyr é uma pessoa bem interessante. Tempos atrás, uma pessoa muito amiga vinda de Rio Branco, morando em Porto Velho, contou-me que sua irmã havia trabalhado como recepcionista de Dom Moacyr em Rio Branco e que toda a família era muito próxima a ele. Mas que ela havia vindo para Porto Velho há algum tempo, já estava casada no civil, já tinha uma filha pequena e tinha vontade de se casar no religioso e batizar a filha. 

Conversando com Dom Moacyr, comentei sobre a recepcionista, seus familiares e sobre o desejo dessa amiga em comum, de se casar na igreja e batizar a filha, ele imediatamente se prontificou a realizar o casamento e o batizado, vejam onde, na capela de sua própria casa! Disponibilidade, abnegação, acolhida. Fato que deixou minha amiga muito feliz e grata por tanto carinho recebido do bom pastor. 

Noutra vez, Dom Moacyr estava celebrando na catedral algum evento e, no momento litúrgico, começou a me chamar com gestos, subi ao altar e ele perguntou qual o nome da jornalista e da TV que estavam presentes. Sua sensibilidade enorme de não se dirigir a ninguém sem saber o nome. 

Dom Moacyr sempre conseguiu viver diferente, a partir de sua crença. Durante a construção do 12 ° intereclesial das CEBs, foram realizados encontros com pastores, pastoras, pessoas de outras religiões e igrejas, continuando os encontros em oportunidades marcadas e, particularmente, na Semana de Unidade dos Cristãos. Em outro momento, Dom Moacyr foi convidado para dar benção a uma instituição e eu o acompanhei, a benção era ecumênica, ao chegarmos, ele deu um jeito de saber quem seria o pastor que estaria ali também e, ao saber de quem se tratava, Dom Moacyr ficou tranquilo, e disse-me: “esse pastor, graças a Deus, eu conheço e o respeito.” Continuando, contou-me que estavam em procissão no Dia do Evangélico, feriado em Porto Velho, e este pastor mudou a rota da procissão para não atrapalhar a celebração eucarística que se realizava naquele momento, e ele era um dos que se encontrava com Dom Moacyr e vivia o ecumenismo. 

Gratidão, Dom Moacyr, pelas oportunidades, pela convivência, pela grandeza do Ser Humano que foi, pelo exemplo que deixou. Ah! Também por receber meu beijo em seu rosto sempre que nos encontrávamos e, às vezes, dizer para quem estava próximo: “Ela é beijoqueira.” 

Se continuar falando de Dom Moacir, demorarei meses, quanto mais vou escrevendo, mais vou lembrando de inúmeras situações, falas, casos, contos, experiências. E sentindo imensamente a sua partida, decidi contar um pouco da convivência que tive com Dom Moacyr, mas, principalmente, partilhar a grandeza da pessoa que ele foi em minha vida. Ele deixou um legado, amigos por toda parte e, ao ter a lucidez de pronunciar o ditado africano “gente simples, fazendo coisas pequenas em lugares pouco importantes, conseguem mudanças extraordinárias”, deixou marcas, assinou e hoje, mesmo ausente, estará presente em nossos corações.