sexta-feira, 22 de novembro de 2019

A META DA HISTÓRIA

A meta da história: o projeto divino e as cruzes de cada dia 


Na Igreja Latina, esse é o último domingo do tempo comum, (no próximo começaremos um novo ano litúrgico). Desde a reforma litúrgica, este domingo é consagrado como festa de Cristo, rei do Universo.
Comumente, a Igreja explica que Jesus é rei de modo diferente dos reis desse mundo. É rei como servidor e por dar a sua vida por todos nós. No entanto, mesmo assim, esse título, por mais que se reinvente, tem sempre algo de estranho a Jesus. Em uma de suas meditações, Dom Helder diz que sabe que Jesus não gosta e não quer esse título. Várias vezes na história, a Igreja insistiu em chamar Jesus de rei para garantir os seus privilégios de Igreja em nome de Jesus. Seja como for, uma coisa é certa: na linguagem dos evangelhos, reino ou reinado divino é o projeto que Deus tem para esse mundo. É o mundo organizado do jeito que Deus quer que seja. Nesse sentido, Jesus nos ensina a orar: “Pai nosso,... venha a nós o vosso reino!”. 

A Igreja celebra o reino de Deus como que para nos indicar a meta, a direção para onde devemos sempre caminhar e tender: a realização do reinado divino no mundo. A teologia da libertação chama isso de “a mística do reino”. Quando atuamos na Política, quando trabalhamos e nos relacionamos no dia a dia, tudo isso deve ser motivado e estimulado pelo desejo da vinda do reino, isso é, da realização do projeto divino na vida da gente e do mundo. A própria fé, a espiritualidade tudo deve ser centrado nessa ânsia do reino. Os primeiros cristãos terminavam todas as suas reuniões dizendo: Marana –tha, vem, Senhor, vem.... Por isso, o domingo seguinte a esse é o que começa o novo ano litúrgico e se chama “primeiro domingo do Advento”, isso é da expectativa da vinda do reino de Deus. 

O evangelho que lemos nesse domingo nos apresenta Jesus na cruz, vítima do sistema que faz os reis. Na cruz, Jesus foi condenado como rei dos rebeldes, rei dos subversivos. Isso pode ser boa notícia para quem está cansado de fazer parte do sistema dominante e se sente um pouco como esse ladrão que diz: “Senhor, lembra-te de mim em teu reino”. 

A primeira coisa que temos de pensar é que o ladrão que a tradição chama de bom ladrão não tem nenhuma razão em dizer ao seu companheiro na cruz: Nós estamos sofrendo pelo mal que fizemos. O evangelho não pode ser lido com os olhos dos governantes de extrema-direita que defendem tortura e pena de morte. O Estado não tem direito de matar ninguém. Nada que alguém possa ter feito merece a cruz, como nenhum prisioneiro merece tortura. Que evangelho seria esse? A pior opressão é a opressão interiorizada. A pior colonização é a colonização dentro de nós mesmos. 

Nós interiorizamos a opressão quando pensamos que nossas cruzes são nossos sofrimentos naturais, uma doença pesada, um sofrimento afetivo. Não. Isso pode ser assumido como cruz, quando é vivido na missão. Perder o emprego não é cruz. No entanto, perder o emprego, porque você não aceitou a corrupção ou não se adaptou a uma política opressora isso pode ser cruz sim. 

Ninguém sabe quem eram os dois bandidos que estavam com Jesus na cruz. O costume dos romanos era condenar à cruz os escravos rebeldes e os estrangeiros que se revoltavam. Pouco importa quem eram aqueles dois. Jesus disse: Hoje mesmo estarás libertado dessa cruz e estarás comigo no reino do Pai. Ao afirmar isso, a primeira coisa que temos de lembrar é que não agrada a Deus nem a Jesus ver ninguém na cruz. Deus não dá cruz a ninguém. O projeto divino é tirar da cruz os oprimidos. E hoje muitos povos são crucificados. Os povos da África estão condenados à morte por uma política planejada. É um sistema que continua hoje colonizando e oprimindo um continente inteiro. No Brasil e em toda a América Latina, nos últimos quatro anos, a pobreza injusta aumentou de forma violenta. Povos inteiros estão na cruz, assim como a própria Terra está crucificada e condenada à morte pelos projetos das mineradoras, do latifúndio e de um Capitalismo que destrói a vida. 

Hoje, devemos ouvir a palavra de Jesus “hoje mesmo estarás comigo no paraíso” em outro sentido. O que ele nos diz é que poderemos receber o reino hoje mesmo, se aceitamos fazer descer das cruzes as pessoas que sofrem o martírio, os migrantes e refugiados, os índios que resistem a todas as perseguições para serem fieis à sua identidade. Temos de fazer descer da cruz os povos crucificados. O único jeito evangélico de falar que Cristo é rei será lutarmos para todo ser humano seja considerado como rei e um universo no qual as pessoas sejam como Deus foi e é para a criação: cuidador amoroso e não senhor dominador.