domingo, 13 de setembro de 2020

ENTREVISTA COM DOM JEOVÁ

 

Entrevista com Dom Jeová Elias Ferreira (concedida antes da ordenação episcopal, ao programa Igreja Viva, da rádio Nova Aliança, apresentado pela Irmã Patrícia).

 UMA HISTÓRIA MARCADA PELA INQUIETUDE Irmã Patrícia

 

- Os bispos católicos são sucessores dos Apóstolos. Recebem, com a ordenação, a plenitude do sacramento da Ordem, para serem ministros de Cristo, dispensadores dos mistérios de Deus e garantirem a unidade da sua Igreja, para darem testemunho do Evangelho, pela pregação, administrarem a área que lhes for confiada: diocese, arquidiocese ou prelazia.

O Concílio Vaticano II, na Lumen Gentium, diz o seguinte: "Mediante a imposição das mãos e as palavras da consagração, é concedida a graça do Espírito Santo e impresso o caráter sagrado, de tal modo que os bispos, de maneira eminente e visível, fazem as vezes do próprio Cristo Mestre, Pastor e Pontífice, e agem em seu nome.” (Lumen Gentium 21).

Conversamos com Dom Jeová Elias Ferreira, ordenado bispo, na Arquidiocese de Brasília, dia 22 de agosto, e nomeado Pastor para a Diocese de Goiás (GO).

Irmã Patrícia - Dom Jeová, como se sente neste momento de sua nomeação e ordenação episcopal?

Dom Jeová - Num primeiro momento, quando Dom Sérgio me chamou para conversar e me informou que eu fora indicado para ser bispo e que o Papa Francisco estava fazendo esta solicitação, levei um susto, senti um pouco de medo e pedi um tempo para dar a resposta. Num segundo momento, o coração vai se acalmando, aquietando, e a gente vai percebendo que o chamado de Deus não somente espera a resposta humana, mas é um chamado que também concede a graça e os meios para a gente responder. Quem chama é fiel e é Ele que age. E, assim, o coração vai se aquietando, vai serenando, e, do susto inicial, vem, num segundo momento, uma experiência de alegria por ter sido chamado por Deus para uma missão tão importante na sua Igreja, e tão importante na relação com a humanidade.

Em relação à celebração da ordenação, no sábado, 22, as coisas foram organizadas, mas fica a apreensão em relação à solenidade e, por outro lado, uma certa tristeza também pelo momento que estamos vivendo na humanidade, esta pandemia; por não poder contar com a presença física de tantos amigos e amigas que gostariam de vivenciar este momento importante da vida da Igreja e da minha vida pessoal. Contudo, vamos contar com ampla cobertura dos meios de comunicação e das mídias católicas, o que favorecerá o acompanhamento de tantas pessoas queridas. E agradeço a todos pela compreensão por não poderem participar deste momento, por prevenção com a própria saúde e com a saúde das demais pessoas queridas.

Irmã Patrícia - Sua experiência de pároco - seu ministério sacerdotal - terá influência no seu ministério episcopal?

Dom Jeová - No dia 30 de novembro deste ano, eu celebro 29 anos de ordenação presbiteral e, quase todo este tempo, foi servindo como pároco. Eu me sentia muito bem como Pastor do povo, caminhando com o povo, aprendendo, partilhando saber, visitando as famílias, visitando os doentes, visitando as famílias carentes, os pobres, com a Pastoral da Saúde, com os Vicentinos, visitando as crianças, visitando tantas famílias com os missionários, nos reunindo com as comunidades. Isto marcou muito o meu ministério: este contato com o povo, com os casais, as crianças, os jovens, os idosos, atendendo, ouvindo as dores, as alegrias, ungindo, indo aos cemitérios. Uma marca muito forte no nosso ministério é essa: lidar com o sofrimento das pessoas, ajudando-as a renovar a sua esperança.

Não fui um padre de gabinete, um padre de produzir textos - com todo respeito e reconhecimento do valor que têm outras formas do exercício do ministério presbiteral na nossa Igreja: a importância dos teólogos que estudam, aprofundam, pesquisam; dos professores que também se dedicam a preparar as pessoas, a compartilhar o saber. Não é depreciar essa outra forma, mas foi do meu carisma, da minha identidade. Assim eu me senti chamado. E, certamente, como foi isso que marcou a minha vida, creio que vai ter também importância na minha missão como bispo, agora numa dimensão mais ampla. Também em Brasília tive oportunidade, na nossa querida Arquidiocese, de colaborar no governo pastoral, como vigário episcopal do Vicariato Norte, um longo período, e, por último, como vigário geral. Certamente esta experiência poderá me ajudar no pastoreio da Diocese de Goiás.

Irmã Patrícia - Conte-nos um pouco da sua história vocacional e o que mais lhe marcou em sua caminhada.

Dom Jeová - A minha história vocacional é marcada por uma inquietude. Eu já entrei para o seminário com 23 anos de idade, com muita experiência. Uma vida marcada pelo trabalho, pela luta pela sobrevivência. Eu sou o filho mais velho de uma família que teve 7 filhos; os dois últimos faleceram ainda pequenos, com menos de um ano de idade. Desde os 14 anos, tive que sair de casa para estudar, para trabalhar, para lutar pela sobrevivência. Uma marca de trabalho, uma marca de esperança, também da certeza da presença de Deus na minha caminhada. Deus foi me conduzindo, me protegendo, me falando em meio às adversidades, às lutas, aos sofrimentos, às alegrias, às dores que a vida ia me apresentando. Entrei com 23 anos. Por sinal, a primeira semana no Seminário, eu ainda estava trabalhando. Era contínuo num Banco, no Setor Comercial Sul. Decidi entrar para o Seminário na antevéspera do ingresso dos seminaristas, numa sexta-feira, e, no domingo, já estava no seminário. Mas vinha de um discernimento vocacional longo, sofrido, difícil: encontros, cursos, conversas, diálogos com os seminaristas, com os padres, contato com o Seminário, com as religiosas também, a quem eu perguntava sobre cada detalhe. Vinha de uma vida pastoral comprometida, na Paróquia São João Bosco, no Núcleo Bandeirante, onde eu habitava antes de entrar para o Seminário. Então, a minha história é marcada pela inquietude, uma vocação inquieta com o mundo como estava, com tantas injustiças, com tanta dor, com tanta fome, com tanto sofrimento e o desejo sincero de poder ser um instrumento de Deus para ajudar a melhorar este mundo tão sofrido.

Irmã Patrícia - Fale-nos agora, um pouco, do seu lema. Por que o escolheu?

Dom Jeová - O meu lema - "Nas tuas mãos" - inspira-se no lema do saudoso e querido Dom Helder Câmara, "In manus tuas", e expressa o reconhecimento da pequenez humana diante da grandeza da missão, mas também a riqueza da missão quando ela é colocada nas mãos de Deus. Também meu lema inspira-se na espiritualidade de Foucauld, na Oração do Abandono: Entrego minha vida em vossas mãos.

 Irmã Patrícia - Sua família o influenciou na vocação?

Dom Jeová - O Concilio Vaticano II chama a família de sementeira das vocações para o apostolado leigo e para o ministério sacerdotal, presbiteral, missionário na nossa Igreja. Eu tive a graça de nascer numa família cristã, católica. Desde a minha infância, fui educado na fé católica, fiz a Primeira Eucaristia aos 7 anos de idade. Foi um momento marcante na minha vida. Moramos, durante alguns anos, no tempo da minha infância, na casa paroquial, no interior do Ceará, em Ubaúna, perto de Sobral, que pertencia à Diocese de Sobral. Meu pai era uma das lideranças católicas, que, na época, chamava-se de dirigente do Dia do Senhor. Hoje, chama-se ministro da Palavra. A Diocese de Sobral acolheu as diretrizes do Concílio Vaticano II, investiu na formação de leigos, e estes conduziam a comunidade, se reuniam para celebrar a Palavra de Deus e, em caso de necessidade, também administrar o Sacramento do Batismo, exortar os moribundos nos seus momentos difíceis, já que era rara a presença do padre. Eu tive a graça de uma educação cristã, desde a minha infância. A chave da igreja ficava lá em casa. Então, eu fui crescendo neste ambiente eclesial, marcado pela fé.

Fica aqui também a minha gratidão a meus pais pela educação cristã que me concederam, pelo testemunho de fé, eles que já estão junto de Deus. Minha mãe faleceu em 2007 e meu pai em 2014. Que Deus os tenha. Certamente, eles estariam muito felizes agora, vendo esta etapa bonita na minha vida e na vida da Igreja. Que rezem por mim lá, junto de Deus.

Irmã Patrícia - Suas opções têm referências e coincidências com as do Papa Francisco? Em quê?

Dom Jeová - Um bispo deve caminhar em comunhão com o Bispo de Roma. Atualmente, o Bispo de Roma é Francisco, um irmão da América Latina que leva para a Igreja universal o nosso jeito de ser, nosso jeito de nos relacionarmos com Deus, de nos relacionarmos com a natureza, nossa cultura, nossa identidade, e, certamente, temos mais proximidade com esse jeito de ser. Então, eu me identifico bastante com a proposta do papa Francisco. Estou disposto a caminhar em sintonia, em acolher as suas orientações, sobretudo começando com a Evangelium Gaudium, onde ele propõe um estilo de Igreja comprometida com os mais pobres, uma Igreja servidora, uma Igreja que dialoga, uma Igreja que escuta, uma Igreja que valoriza a piedade popular, uma Igreja que vai ao encontro das pessoas, sobretudo daquelas pessoas feridas, sofridas; uma Igreja que tem urgência em servir, em fazer o bem e ajudar as pessoas a recuperarem a sua dignidade, a renovarem a sua esperança.

Tive a oportunidade de estudar em Bogotá, durante dois anos, e o tema da minha tese foi exatamente a Mensagem do Papa Francisco aos países da América Latina e Caribe, nas suas viagens apostólicas, em defesa da dignidade da vida humana. Me encantei, cada vez mais, com a mensagem do Papa que nos desafia a ser uma Igreja servidora, samaritana, uma Igreja pobre, comprometida com os mais pobres. E a minha identidade caminha também neste sentido: valorizar a mensagem do Papa e caminhar em comunhão com aquilo que ele propõe para a nossa Igreja.

Irmã Patrícia - Pode deixar uma mensagem à Arquidiocese de Brasília?

Dom Jeová - Para a Arquidiocese de Brasília minha gratidão, meu carinho. Aqui fui acolhido, em 1981, quando cheguei do Nordeste, em busca de trabalho, em busca de estudos. Aqui fiz o discernimento mais imediato da minha vocação, fiz minha formação no Seminário Nossa Senhora de Fátima e sou muito grato, desde a época de Dom José Nilton, depois Dom Falcão, que me ordenou, Dom João Braz de Aviz, Dom Sérgio, os bispos que ficaram como administradores, Dom Waldemar, Dom José Aparecido; minha gratidão a todos: aos padres, aos formadores, aos leigos, às comunidades, onde tive oportunidade de colaborar na pastoral como seminarista, como diácono e como padre também: na Paróquia Santíssima Trindade, na Ceilândia, Paróquia Nossa Senhora do Rosário de Fátima, em Sobradinho, e na Paróquia Nossa senhora de Nazaré, em Estância, Planaltina. Também minha mensagem de esperança, neste tempo de pandemia, e a certeza de que Deus conduz a nossa história e que, mesmo em meio às tempestades, às dificuldades, Ele não nos abandona, jamais. Ânimo, confiança em Deus! Sigamos juntos! Rezem por mim e eu estarei sempre com vocês no meu coração.

Irmã Patrícia - Os Bispos, diz ainda a Lumen Gentium, com seus auxiliares, os presbíteros e diáconos, recebem o encargo de servir a comunidade, presidindo no lugar de Deus ao rebanho do qual são pastores, como mestres da doutrina, sacerdotes do culto sagrado e ministros do governo” (LG n. 20).

A Arquidiocese de Brasília agradece e acompanha com carinho a Dom Jeová na sua nova missão junto ao povo da Diocese de Goiás. E repetimos o que foi dito a Abraão por sua fidelidade a Deus: "De bênçãos eu te cumularei" (Hb 6,14).