Entrevista com Dom Jeová Elias Ferreira (concedida antes da ordenação episcopal, ao programa Igreja Viva, da rádio Nova Aliança, apresentado pela Irmã Patrícia).
- Os bispos católicos são
sucessores dos Apóstolos. Recebem, com a ordenação, a plenitude do sacramento
da Ordem, para serem ministros de Cristo, dispensadores dos mistérios de Deus e
garantirem a unidade da sua Igreja, para darem testemunho do Evangelho, pela
pregação, administrarem a área que lhes for confiada: diocese, arquidiocese ou
prelazia.
O Concílio Vaticano II, na
Lumen Gentium, diz o seguinte: "Mediante a imposição das mãos e as
palavras da consagração, é concedida a graça do Espírito Santo e impresso o
caráter sagrado, de tal modo que os bispos, de maneira eminente e visível,
fazem as vezes do próprio Cristo Mestre, Pastor e Pontífice, e agem em seu
nome.” (Lumen Gentium 21).
Conversamos com Dom Jeová
Elias Ferreira, ordenado bispo, na Arquidiocese de Brasília, dia 22 de agosto,
e nomeado Pastor para a Diocese de Goiás (GO).
Irmã Patrícia - Dom Jeová,
como se sente neste momento de sua nomeação e ordenação episcopal?
Dom Jeová - Num primeiro
momento, quando Dom Sérgio me chamou para conversar e me informou que eu fora
indicado para ser bispo e que o Papa Francisco estava fazendo esta solicitação,
levei um susto, senti um pouco de medo e pedi um tempo para dar a resposta. Num
segundo momento, o coração vai se acalmando, aquietando, e a gente vai
percebendo que o chamado de Deus não somente espera a resposta humana, mas é um
chamado que também concede a graça e os meios para a gente responder. Quem
chama é fiel e é Ele que age. E, assim, o coração vai se aquietando, vai
serenando, e, do susto inicial, vem, num segundo momento, uma experiência de
alegria por ter sido chamado por Deus para uma missão tão importante na sua
Igreja, e tão importante na relação com a humanidade.
Em relação à celebração da
ordenação, no sábado, 22, as coisas foram organizadas, mas fica a apreensão em
relação à solenidade e, por outro lado, uma certa tristeza também pelo momento
que estamos vivendo na humanidade, esta pandemia; por não poder contar com a
presença física de tantos amigos e amigas que gostariam de vivenciar este
momento importante da vida da Igreja e da minha vida pessoal. Contudo, vamos
contar com ampla cobertura dos meios de comunicação e das mídias católicas, o
que favorecerá o acompanhamento de tantas pessoas queridas. E agradeço a todos
pela compreensão por não poderem participar deste momento, por prevenção com a
própria saúde e com a saúde das demais pessoas queridas.
Irmã Patrícia - Sua
experiência de pároco - seu ministério sacerdotal - terá influência no seu
ministério episcopal?
Dom Jeová - No dia 30 de
novembro deste ano, eu celebro 29 anos de ordenação presbiteral e, quase todo
este tempo, foi servindo como pároco. Eu me sentia muito bem como Pastor do
povo, caminhando com o povo, aprendendo, partilhando saber, visitando as
famílias, visitando os doentes, visitando as famílias carentes, os pobres, com
a Pastoral da Saúde, com os Vicentinos, visitando as crianças, visitando tantas
famílias com os missionários, nos reunindo com as comunidades. Isto marcou
muito o meu ministério: este contato com o povo, com os casais, as crianças, os
jovens, os idosos, atendendo, ouvindo as dores, as alegrias, ungindo, indo aos
cemitérios. Uma marca muito forte no nosso ministério é essa: lidar com o
sofrimento das pessoas, ajudando-as a renovar a sua esperança.
Não fui um padre de gabinete,
um padre de produzir textos - com todo respeito e reconhecimento do valor que
têm outras formas do exercício do ministério presbiteral na nossa Igreja: a
importância dos teólogos que estudam, aprofundam, pesquisam; dos professores
que também se dedicam a preparar as pessoas, a compartilhar o saber. Não é
depreciar essa outra forma, mas foi do meu carisma, da minha identidade. Assim
eu me senti chamado. E, certamente, como foi isso que marcou a minha vida,
creio que vai ter também importância na minha missão como bispo, agora numa
dimensão mais ampla. Também em Brasília tive oportunidade, na nossa querida
Arquidiocese, de colaborar no governo pastoral, como vigário episcopal do
Vicariato Norte, um longo período, e, por último, como vigário geral.
Certamente esta experiência poderá me ajudar no pastoreio da Diocese de Goiás.
Irmã Patrícia - Conte-nos um pouco
da sua história vocacional e o que mais lhe marcou em sua caminhada.
Dom Jeová - A minha história
vocacional é marcada por uma inquietude. Eu já entrei para o seminário com 23
anos de idade, com muita experiência. Uma vida marcada pelo trabalho, pela luta
pela sobrevivência. Eu sou o filho mais velho de uma família que teve 7 filhos;
os dois últimos faleceram ainda pequenos, com menos de um ano de idade. Desde
os 14 anos, tive que sair de casa para estudar, para trabalhar, para lutar pela
sobrevivência. Uma marca de trabalho, uma marca de esperança, também da certeza
da presença de Deus na minha caminhada. Deus foi me conduzindo, me protegendo,
me falando em meio às adversidades, às lutas, aos sofrimentos, às alegrias, às
dores que a vida ia me apresentando. Entrei com 23 anos. Por sinal, a primeira
semana no Seminário, eu ainda estava trabalhando. Era contínuo num Banco, no
Setor Comercial Sul. Decidi entrar para o Seminário na antevéspera do ingresso
dos seminaristas, numa sexta-feira, e, no domingo, já estava no seminário. Mas
vinha de um discernimento vocacional longo, sofrido, difícil: encontros,
cursos, conversas, diálogos com os seminaristas, com os padres, contato com o
Seminário, com as religiosas também, a quem eu perguntava sobre cada detalhe.
Vinha de uma vida pastoral comprometida, na Paróquia São João Bosco, no Núcleo
Bandeirante, onde eu habitava antes de entrar para o Seminário. Então, a minha
história é marcada pela inquietude, uma vocação inquieta com o mundo como
estava, com tantas injustiças, com tanta dor, com tanta fome, com tanto
sofrimento e o desejo sincero de poder ser um instrumento de Deus para ajudar a
melhorar este mundo tão sofrido.
Irmã Patrícia - Fale-nos
agora, um pouco, do seu lema. Por que o escolheu?
Dom Jeová - O meu lema -
"Nas tuas mãos" - inspira-se no lema do saudoso e querido Dom Helder
Câmara, "In manus tuas", e expressa o reconhecimento da pequenez
humana diante da grandeza da missão, mas também a riqueza da missão quando ela
é colocada nas mãos de Deus. Também meu lema inspira-se na espiritualidade de
Foucauld, na Oração do Abandono: Entrego minha vida em vossas mãos.
Irmã Patrícia - Sua família o influenciou na
vocação?
Dom Jeová - O Concilio
Vaticano II chama a família de sementeira das vocações para o apostolado leigo
e para o ministério sacerdotal, presbiteral, missionário na nossa Igreja. Eu
tive a graça de nascer numa família cristã, católica. Desde a minha infância,
fui educado na fé católica, fiz a Primeira Eucaristia aos 7 anos de idade. Foi
um momento marcante na minha vida. Moramos, durante alguns anos, no tempo da
minha infância, na casa paroquial, no interior do Ceará, em Ubaúna, perto de
Sobral, que pertencia à Diocese de Sobral. Meu pai era uma das lideranças
católicas, que, na época, chamava-se de dirigente do Dia do Senhor. Hoje,
chama-se ministro da Palavra. A Diocese de Sobral acolheu as diretrizes do
Concílio Vaticano II, investiu na formação de leigos, e estes conduziam a
comunidade, se reuniam para celebrar a Palavra de Deus e, em caso de necessidade,
também administrar o Sacramento do Batismo, exortar os moribundos nos seus
momentos difíceis, já que era rara a presença do padre. Eu tive a graça de uma
educação cristã, desde a minha infância. A chave da igreja ficava lá em casa.
Então, eu fui crescendo neste ambiente eclesial, marcado pela fé.
Fica aqui também a minha
gratidão a meus pais pela educação cristã que me concederam, pelo testemunho de
fé, eles que já estão junto de Deus. Minha mãe faleceu em 2007 e meu pai em
2014. Que Deus os tenha. Certamente, eles estariam muito felizes agora, vendo
esta etapa bonita na minha vida e na vida da Igreja. Que rezem por mim lá,
junto de Deus.
Irmã Patrícia - Suas opções
têm referências e coincidências com as do Papa Francisco? Em quê?
Dom Jeová - Um bispo deve
caminhar em comunhão com o Bispo de Roma. Atualmente, o Bispo de Roma é
Francisco, um irmão da América Latina que leva para a Igreja universal o nosso
jeito de ser, nosso jeito de nos relacionarmos com Deus, de nos relacionarmos
com a natureza, nossa cultura, nossa identidade, e, certamente, temos mais
proximidade com esse jeito de ser. Então, eu me identifico bastante com a
proposta do papa Francisco. Estou disposto a caminhar em sintonia, em acolher
as suas orientações, sobretudo começando com a Evangelium Gaudium, onde ele
propõe um estilo de Igreja comprometida com os mais pobres, uma Igreja
servidora, uma Igreja que dialoga, uma Igreja que escuta, uma Igreja que
valoriza a piedade popular, uma Igreja que vai ao encontro das pessoas,
sobretudo daquelas pessoas feridas, sofridas; uma Igreja que tem urgência em
servir, em fazer o bem e ajudar as pessoas a recuperarem a sua dignidade, a
renovarem a sua esperança.
Tive a oportunidade de estudar
em Bogotá, durante dois anos, e o tema da minha tese foi exatamente a Mensagem
do Papa Francisco aos países da América Latina e Caribe, nas suas viagens
apostólicas, em defesa da dignidade da vida humana. Me encantei, cada vez mais,
com a mensagem do Papa que nos desafia a ser uma Igreja servidora, samaritana, uma
Igreja pobre, comprometida com os mais pobres. E a minha identidade caminha
também neste sentido: valorizar a mensagem do Papa e caminhar em comunhão com
aquilo que ele propõe para a nossa Igreja.
Irmã Patrícia - Pode deixar
uma mensagem à Arquidiocese de Brasília?
Dom Jeová - Para a
Arquidiocese de Brasília minha gratidão, meu carinho. Aqui fui acolhido, em
1981, quando cheguei do Nordeste, em busca de trabalho, em busca de estudos.
Aqui fiz o discernimento mais imediato da minha vocação, fiz minha formação no
Seminário Nossa Senhora de Fátima e sou muito grato, desde a época de Dom José
Nilton, depois Dom Falcão, que me ordenou, Dom João Braz de Aviz, Dom Sérgio,
os bispos que ficaram como administradores, Dom Waldemar, Dom José Aparecido;
minha gratidão a todos: aos padres, aos formadores, aos leigos, às comunidades,
onde tive oportunidade de colaborar na pastoral como seminarista, como diácono
e como padre também: na Paróquia Santíssima Trindade, na Ceilândia, Paróquia
Nossa Senhora do Rosário de Fátima, em Sobradinho, e na Paróquia Nossa senhora
de Nazaré, em Estância, Planaltina. Também minha mensagem de esperança, neste
tempo de pandemia, e a certeza de que Deus conduz a nossa história e que, mesmo
em meio às tempestades, às dificuldades, Ele não nos abandona, jamais. Ânimo,
confiança em Deus! Sigamos juntos! Rezem por mim e eu estarei sempre com vocês
no meu coração.
Irmã Patrícia - Os Bispos, diz
ainda a Lumen Gentium, com seus auxiliares, os presbíteros e diáconos, recebem
o encargo de servir a comunidade, presidindo no lugar de Deus ao rebanho do
qual são pastores, como mestres da doutrina, sacerdotes do culto sagrado e
ministros do governo” (LG n. 20).
A Arquidiocese de Brasília
agradece e acompanha com carinho a Dom Jeová na sua nova missão junto ao povo
da Diocese de Goiás. E repetimos o que foi dito a Abraão por sua fidelidade a
Deus: "De bênçãos eu te cumularei" (Hb 6,14).