sexta-feira, 9 de maio de 2014

DOM TOMÁS BALDUÍNO-1ª PARTE

Notícias » Domingo, 04 de maio de 2014 

Tomás, o Dom 


“No grão do corpo que a terra goiana acolhe, crescem as ramagens de novas florações. Do meio de antigos silêncios, Tomás, o Dom, derramará suas bênçãos sobre nossas plantações. Também agora, quando os jequitibás lamentam, todos esperamos pela chuva”, escreve Jelson Oliveira, em nome da Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil, em homenagem a Dom Tomás Balduíno.

Eis o artigo.

Dom Tomás vestiu chapéus e cocares bem antes das mitras e solidéus. Carregou enxadas e foices nas mesmas mãos com as quais erguia báculos e cruzes. Aprendeu, viveu e ensinou que o poder evangélico é sempre um exercício de serviço. Por isso, dançou com os indígenas, caminhou com os sem-terra, montou jegues, cavalos e aeronaves, sentou com presidentes, empinou bandeiras, abraçou árvores e gentes ao redor do mundo. Despertou raivas, desgostou uns tantos, provocou muitos. Tinha a suavidade de antigos amigos e a aspereza dos grandes profetas. Resistiu o que pôde. Agarrou-se à vida com todos os seus instintos. Agora, na doença. Antes, na saúde, na jovialidade e na sanidade de sua longa vida dedicada à causa da terra.

Aquele menino de Posses, nascido Décio, levava no embornal do espírito, quase sem esforço, o que de melhor a Igreja latino-americana produziu no último século. Veiculava seus símbolos com maestria. Difundia suas teologias de forma tão potente que era impossível resistir. Sua pesada cadência soube comunicar as lições do Evangelho da única forma viável: como quem ditava uma carta de amor, forte, viva, comovida. Era homem culto. Sabedor de línguas, nomes e seus artefatos. Mas sua verdade principal era dita com a simplicidade dos grandes mestres. Sua palavra despojada e incandescente, tinha a força de ventanias. Usava-a para puxar antífonas, agilizar agendas, cobrar atitudes, lançar campanhas, sarar feridas, abrir flancos de esperança no meio da escuridão. Entre os pobres e suas organizações, sua palavra dirimia intrigas, favorecia o diálogo, consertava mal-entendidos, pacificava. Entre as cercas e nos gabinetes, ela era espinhosa, direta, livre, surpreendente. Sim, Dom Tomás era, como bom dominicano, um homem da pregação, da palavra evangélica, encantatória, encarnada. Tinha escola: Domingos, Las Casas, Montesinos... Tomás encarnou, como poucos, na palavra e na vida, as lições de seus mestres. Falava ao coração. Estava persuadido por Deus.

A floresta foi seu dicionário. Marabá, Araguaia, Conceição, Goiás, Tocantins. A dureza dessas geografias impediu digressões e frouxidão. Foi firme sempre. Reteve as causas do povo como suas. A cabeça em chamas. O olho em arrebol constante. Pudera: viajou sempre em direção ao sol. Até que assim, no meio da noite, adentrou na fresta da luz. A fissura do tempo o recolheu calmo para dentro da terra. Para dentro do mundo. De volta para o centro, para o ventre, para a confluência de tudo. De volta para Deus.

Dizem que a melhor forma de homenagear uma vida que se vai é dando continuidade a seus projetos. Dom Tomás deixou muitos, porque sonhou até o fim. O complemento de sua vida não é outro senão o lançamento de uma nova agenda, de uma outra causa, de mais uma luta. Ferido, o corpo dorme. Viva, a voz tremula nos ares, vaporosa, aberta, intensa, instigada pelos desafios que ele tinha assumido para si e que agora nós temos obrigação de fazer nossos. Eis a nossa cumplicidade. 

No grão do corpo que a terra goiana acolhe, crescem as ramagens de novas florações. Do meio de antigos silêncios, Tomás, o Dom, derramará suas bênçãos sobre nossas plantações. Também agora, quando os jequitibás lamentam, todos esperamos pela chuva.

Notícias » Domingo, 04 de maio de 2014 

Dom Tomás Balduino, fundador da CPT, fez a sua páscoa 

É com grande tristeza que a CPT comunica o falecimento de Dom Tomás Balduino (foto), bispo emérito da cidade de Goiás (GO) e fundador da Comissão Pastoral da Terra. Apesar da tristeza temos a certeza que Dom Tomás viveu sua vida em plenitude, e em comunhão com a causa dos pobres da terra. Seu exemplo e luta estarão presentes sempre na caminha daqueles e daquelas que lutam por um mundo melhor e por justiça social.



“Para tudo há uma ocasião certa;
há um tempo certo para cada propósito
debaixo do céu: Tempo de nascer e tempo de morrer,
tempo de plantar
e tempo de arrancar o que se plantou...
tempo de lutar e tempo de viver em paz”. 
(Eclesiastes 3:1-8)

A nota é publicada pela Comissão Pastoral da Terra, 03-05-2014.

É com grande pesar e muita tristeza que a Comissão Pastoral da Terra (CPT) comunica a todos e todas o falecimento de Dom Tomás Balduino. Fundador da CPT, bispo emérito da cidade de Goiás e frade dominicano, Dom Tomás lutou por toda sua vida pela defesa dos direitos dos pobres da terra, dos indígenas, das demais comunidades tradicionais, e por justiça social. Nem mesmo com a saúde debilitada e internado no hospital ele deixava de se preocupar com a questão da terra e pedia, em conversas, para saber o que estava acontecendo no mundo.

Aos 91 anos, completados em dezembro passado, Dom Tomás Balduino, o bispo da reforma agrária e dos indígenas, nos deixa seu exemplo de luta, esperança e crença no Deus dos pobres. Ficamos, hoje, todos e todas um pouco órfãos, mas seguimos na certeza de quem Dom Tomás está e estará presente sempre, nos pés que marcham por esse país e nas bandeiras que tremulam por esse mundo em busca de uma sociedade mais justa e igualitária.

Dom Tomás faleceu em decorrência de uma trombo embolia pulmonar, às 23h30 de ontem, 02 de maio de 2014. Ele permaneceu internado entre os dias 14 e 24 de abril último no hospital Anis Rassi, em Goiânia. Teve alta hospitalar dia 24, e no dia seguinte foi novamente internado, porém desta vez no Hospital Neurológico, também em Goiânia. 

O Corpo será velado na Igreja São Judas Tadeu, no Setor Coimbra, em Goiânia, até às 10 horas do domingo, dia 4 de maio, momento em que será concelebrada a Eucaristia, e logo em seguida será transladado para a cidade de Goiás (GO), onde será velado na Catedral da cidade até às 9 horas da segunda-feira, 5 de maio, e logo em seguida será sepultado na própria Catedral. 

Biografia de Dom Tomás Balduino

Dom Tomás Balduino nasceu em Posse, Goiás, no dia 31 de dezembro de 1922. Ele é filho de José Balduino de Sousa Décio, goiano, e de Felicidade de Sousa Ortiz, paulista. Seu nome de batismo é Paulo, Paulo Balduino de Sousa Décio. Foi o último filho homem de uma família de onze filhos, três homens e oito mulheres. Ao se tornar religioso dominicano recebeu o nome de Frei Tomás, como era costume.

Até os cinco anos de idade viveu em Posse. Depois a família migrou para Formosa, onde seu pai se tornou promotor público, depois juiz e se aposentou como tal.

Fez o Seminário Menor – Escola Apostólica Dominicana – em Juiz de Fora, MG. Fez os estudos secundários no Colégio Diocesano, dirigido pelos irmãos maristas, em Uberaba. Cursou filosofia em São Paulo e Teologia em Saint Maximin, na França, onde também fez mestrado em Teologia.

Em 1950, lecionou filosofia em Uberaba. Em 1951 foi transferido para Juiz de Fora como vice-reitor da então Escola Apostólica Dominicana e lecionou filosofia, na Faculdade de Filosofia da cidade.

Em 1957, foi nomeado superior da missão dos dominicanos da Prelazia de Conceição do Araguaia, estado do Pará, onde viveu de perto a realidade indígena e sertaneja. Na época a Pastoral da Prelazia acompanhava sete grupos indígenas. Para desenvolver um trabalho mais eficaz junto aos índios, fez mestrado em Antropologia e Linguística, na UNB, que concluiu em 1965. Estudou e aprendeu a língua dos índios Xicrin, do grupo Bacajá, e Kayapó.

Para melhor atender a enorme região da Prelazia que abrangia todo o Vale do Araguaia paraense e parte do baixo Araguaia mato-grossense, fez o curso de piloto de aviação. Amigos solidários da Itália o presentearam com um teco-teco com o qual prestou inestimável serviço, sobretudo no apoio e articulação dos povos indígenas. Também ajudou a salvar pessoas perseguidas pela Ditadura Militar.

Em 1965, ano em que terminou o Concílio Ecumênico Vaticano II, foi nomeado Prelado de Conceição do Araguaia. Lá viveu de maneira determinante e combativa os primeiros conflitos com as grandes empresas agropecuárias que se estabeleciam na região com os incentivos fiscais da então SUDAM, e que invadiam áreas indígenas, expulsavam famílias sertanejas, os posseiros, e traziam trabalhadores braçais de outros Estados, sobretudo do nordeste brasileiro, que eram submetidos, muitas vezes, a regimes análogos ao trabalho escravo.

Em 1967, foi nomeado bispo diocesano da Cidade de Goiás. Nesse mesmo ano foi ordenado bispo e assumiu o pastoreio da Diocese, onde permaneceu durante 31 anos, até 1999 quando, ao completar 75 anos, apresentou sua renúncia e mudou-se para Goiânia. Seu ministério episcopal coincidiu, a maior parte do tempo, com a Ditadura Militar (1964-1985).

Dom Tomás, junto à Diocese de Goiás, procurou adequar a Diocese ao novo espírito do Concílio Ecumênico Vaticano II e de Medellín (1968). Por isso sua atuação, ao lado dos pobres, no espírito da opção pelos pobres, marcou profundamente a Diocese e seu povo. Lavradores se reuniam no Centro de Treinamento onde Dom Tomás morava, para definir suas formas de organização e suas estratégias de luta. Esta atuação provocou a ira do governo militar e dos latifundiários que perseguiram e assassinaram algumas lideranças dos trabalhadores. Em julho de 1976, Dom Tomás foi ao sepultamento do Padre Rodolfo Lunkenbein e do índio Simão Bororo, assassinados pelos jagunços, na aldeia de Merure, Mato Grosso. Em sua agenda estava programada uma outra atividade. Soube depois, por um jornalista, que durante esta atividade programada, estava sendo preparada uma emboscada para eliminá-lo.

Alguns movimentos nacionais como o Movimento do Custo de Vida, a Campanha Nacional pela Reforma Agrária, encontraram apoio e guarida de Dom Tomás e nasceram na Diocese de Goiás.

Dom Tomás foi personagem fundamental no processo de criação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em 1972, e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 1975. Nas duas instituições Dom Tomás sempre teve atuação destacada, tendo sido presidente do CIMI, de 1980 a 1984 e presidente da CPT de 1999 a 2005. A Assembleia Geral da CPT, em 2005, o nomeou Conselheiro Permanente.

Depois de deixar a Diocese, além de ser presidente da CPT, desenvolveu uma extensa e longa pauta de conferências e palestras em Seminários, Simpósios e Congressos, tanto no Brasil quanto no exterior. Por sua atuação firme e corajosa recebeu diversas condecorações e homenagens Brasil afora. Em 2002, a Assembleia Legislativa do Estado de Goiás lhe concedeu a medalha do Mérito Legislativo Pedro Ludovico Teixeira. No mesmo ano recebeu o Título de Cidadão Goianiense, outorgado pela Câmara Municipal de Goiânia. 

Foi designado, em 2003, membro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, CDES, do Governo Federal, cargo que deixou por sentir que pouco ou nada contribuía para as mudanças almejadas pela nação brasileira. Foi também nomeado membro do Conselho Nacional de Educação.

No dia 8 de novembro de 2006, Dom Tomás recebeu da Universidade Católica de Goiás (UCG) o título de Doutor Honoris Causa, devido ao comprometimento de Dom Tomás com a luta pelo povo pobre de Deus.

No dia 18 de abril de 2008 recebeu em Oklahoma City (EUA), da Oklahoma City National Memorial Foudation, o prêmio Reflections of Hope. A organização considerou que as ações de Dom Tomás são exemplos de esperança na solução das causas que levam a miséria de tantas pessoas em todo o mundo. A premiação Reflections of Hope foi criada em 2005 para lembrar o 10º aniversário do atentado terrorista de Oklahoma – quando um caminhão-bomba explodiu em frente a um edifício, matando 168 pessoas – e para homenagear aqueles que representam a esperança em meio à tragédia e dedicam suas vidas para melhorar a vida do próximo.

De 22 até 29 de março 2009 foi em Roma para participar das palestras em homenagem de Dom Oscar Romero e dos 29 anos do seu assassinato.

Em 2012 a Universidade Federal de Goiás (UFG) também lhe outorgou o título de Doutor Honoris Causa. Em dezembro do mesmo ano, durante as comemorações dos seus 90 anos, a CPT homenageou-o dando o seu nome ao Setor de Documentação da Secretaria Nacional, que passou a se chamar “Centro de Documentação Dom Tomás Balduino”.