O prazer dos grandes homens consiste em poder tornar os outros felizes.
Blaise Pascal (1623 - 1662)
É de suma importância conhecer para imitar as virtudes de
muitos servos do bom Deus que deixaram um legado para o bem comum. E o bem
maior na face da terra é o amor em prol da vida e da fraternidade entre todos
os povos.
É um marco o testemunho deixado pelos servos de Deus, tal
testemunho de fé, justiça, verdade e caridade. Nada é maior do que testemunhar
as obras de Deus. Grande e aquele que vive na companhia de Deus.
Entre os grandes homens, os heróis da galeria da fé e os que
deixaram um legado em prol da dignidade da pessoa humana e da salvação eterna:
encontra-se Charles de Foucault (1858-1916). Sua vida foi toda e completamente
para Deus e para evangelização dos mais distantes. Abissal é a sua experiência
como: monge, padre, missionário e eremita no Deserto do Saara. Assim ele orava:
“Meus Deus, entrego minha vida em vossas mãos, eu voa-la dou, meu Deus com todo
o amor do meu coração”.
Charles de Foucauld frequentou a Escola Especial Militar de
Saint-Cyr. Como oficial do exército
francês, foi colocado na Argélia. Deixou a vida militar e tornou-se explorador
em Marrocos, chegando a receber uma medalha de ouro da Sociedade Francesa de
Geografia em reconhecimento pelo seu trabalho de exploração e investigação no
Norte de África. Aprendeu a língua Tuaregue e estudou o léxico e gramática, os
cantos e tradições dos povos do Deserto do Saara. Deixou uma obra literária de
grande valor cultural para o povo tuaregue.
A Busca e o Encontro
“Viva familiarmente com um grande santo e um grande
espírito, seu coração se tornará quente como o dele, seu espírito se elevara
buscando o dele”, afirma Charles de Foucauld (1).
Ele mesmo sintetiza assim a sua busca: “Eu perdi o coração
por Jesus de Nazaré”... “E passo a minha vida tratando de imitá-lo. Aquele que
ama, quer identificar-se com o ser amado, este é o segredo de toda a minha
vida”.
Charles de Foucauld vem da alta burguesia francesa e se forma
num ambiente intelectual e militar. Sua crise o leva a esbanjar fortunas em
festas e diversões. Sua conversão o leva a torna-se monge na Síria, jardineiro
no Convento das Clarissas de Nazaré e, depois eremita no Deserto do Saara
argelino, onde partilha toda a sua vida com a população nômade, desprezada,
marginalizada, temida... Ali vive só, tratando com toda a sua vida de fazer
amizade com os Tuaregues. Morre só, no entardecer do dia 1 de dezembro de 1916,
abatido por um bando que rodeia a sua casa.
Ele tinha escrito: “Quando o grão de trigo caído na terra
não morre, permanece só”. Se morrer, dá muito fruto. Eu não morri, também estou
só... “Rezem por minha conversão, afim de que, morrendo, eu dê frutos”.
Hoje há 19 famílias religiosas que o assumiram como
inspirador de sua vida, entre religiosas/os, leigos, fraternidades e movimentos
na Igreja.
Por ter-se enamorado de Jesus de Nazaré, descobre que n’Ele
Deus se perde, se esvazia, faz-se limitado como um homem, e como um homem
pobre.
Sua conversão o leva a buscar incessantemente o
Absoluto-Deus. Busca o mosteiro trapista, ou seja, monges cistercienses da
estrita observância, busca ser eremita, busca o deserto... Nessa busca ele gira
ao redor destas perguntas: que queres de mim? Como responder? Que devo fazer? E
pouco a pouco vai descobrindo o Absoluto de Deus na carne humana de Jesus de
Nazaré.
É uma descoberta esmagadora para ele, algo muito forte.
Assim podemos entender o que significa para Ele “gritar o Evangelho com a
vida”... Não há outra maneira de dizê-lo. Para ele, vida e missão coincidem...
Mas qual é o rosto de Deus que o seduz e o leva a viver com
Jesus? Qual é a página do Evangelho que transforma e transtorna sua vida? Ele
nos diz que é esta: “o que fizerem ao menor de meus irmãos, e mim o fizeram”. E
continua dizendo: “Como não esforçar-nos para amar Jesus nos mais pobres?”.
Quer viver com eles relações de amizade, como irmão, como
irmãozinho, próximo; e se dedicar a aprender o difícil idioma Tamanrasset para
falar-lhes do Evangelho em sua própria língua, a querer aprende-lo
principalmente para captar o que eles lhe têm que revelar de Deus (e os
Tuaregues são muçulmanos!), convencido de que o outro vive e diz de Deus o que,
a ele, lhe falta conhecer.
Não busca converter ninguém, sua tarefa consiste em
converter-se, ele mesmo, a Jesus, que vive nos relegados e postergados, e por
eles deixar-se evangelizar. Ele gosta de dizer: “os pobres são nossos
mestres”...
A dimensão contemplativa que o irmão Charles não encontrou
nos trapistas, nem se fazendo eremita, ele só a encontrou ao fazer-se “próximo
do outro”, como consequência de suas longas horas de oração Eucarística. Às
vezes pesamos que a contemplação só pode ser vivida nos mosteiros. Trata-se aí
de uma maneira de empobrecer a contemplação. Para o irmão Charles essa
contemplação o leva a meter-se no coração do mundo, por que é aí que encontra
Deus. Mas isso não é evidente. Uma vida misturada com o povo pobre só se
sustenta em longo prazo por gente mística, no sentido forte e profundo da
palavra. E essa á a espiritualidade foucauldiana.
Essa proximidade do Senhor encarnado será a paixão do irmão
Charles. É aí que ele vai aprendendo que Deus, só é Deus em Jesus de Nazaré
como próximo, como pequeno e, portanto, ao contrário do que pensamos, ele se
encontra onde nós não iríamos busca-lo. Para o irmão Charles a paixão por Deus
e a paixão pelos irmãos são inseparáveis (2).
Conclusão
É muito diferente viver uma causa, defender a justiça, lutar
pelos pobres ou estar com eles porque é o rosto de Deus. Não somos em primeiro
lugar “atores sociais”, somos antes “irmãs” e “irmãos”, que querem aproximar-se
das pessoas... O nosso testemunho diz
tudo sobre a nossa vida, a nossa fé e a nossa missão.
Disse o irmão Charles de Foucauld: “Meus apostolado deve ser
o da bondade”. Vendo-me, os outros poderão dizer: “Já que esse home e tão bom,
sua religião deve ser boa” (3).
A nossa vida em Deus é o único testemunho que muitos
encontram a eternidade. O fundamento da fé cristã é a prática autêntica no
Evangelho de Cristo. É o projeto de Deus que faz a pessoa ser realizada na
dimensão do amor. Num mundo com tantas incompatibilidades, a espiritualidade
foucauldiana é um porto seguro para aqueles que desejam com profundidade
caminhar com Jesus de Nazaré.
Inácio José do Vale
Notas:
(1) Lafon, Michel, 15 dias de oração com Charles de
Foucauld. 2 edições. São Paulo: Paulinos, 2011, p. 9.
(2) Notícias da Fraternidade. Irmãzinhas de Jesus.
Contemplativas neste mundo que Deus ama. Ano de 2013, pp. 49 e 50.
(3) Damian, Edson T. Espiritualidade para nosso tempo com
Carlos de Foucauld. 1. Edição. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 39.