sábado, 21 de julho de 2018

A OBEDIÊNCIA EM CARLOS DE FOUCAULD


A OBEDIÊNCIA EM CHARLES DE FOUCAULD. 



pierre sourisseau [:] 
Publicado em 2018 por IESUS CARITAS
Tradução: do Administador do Blog. 


Em suas notas de retiro feitas em Nazaré em 1897, Charles de Foucauld escreveu no dia 11 de novembro: "Deus, falai-me sobre a obediência, dizei-me o que devo fazer
para praticar essa virtude. Vós sabeis que, de todas, talvez seja essa a que eu menos conheço. Foi-me chamada a atenção mais de uma vez (com ou sem razão, eu não sei) de praticá-la mal. Explicai-me, meu Deus." Ele então se refere às observações feitas por seus superiores da Trapa que ele acabara de deixar. Dom Luís de Gonzaga expressou deste modo seus pensamentos para Raymond de Blic em 31 mar 1897: "Eu acho que seu bom-irmão é capaz de todos os heroísmos religiosos, exceto o da simples obediência, que é, no entanto, a virtude capital nesta matéria." 

No entanto, esse que parecia incapaz de uma simples obediência, tinha, e terá, sobre esse assunto, dois pontos de vista originais. 

Ele sabe, desde o seu retorno à fé cristã, que a sua existência só pode ser resposta de submissão amorosa a Deus, o Tão Grande! que o ama e o chama: "Tão logo eu acreditei que havia um Deus, eu entendi que não podia fazer outra coisa senão viver para Ele: minha vocação religiosa data da mesma hora que a minha fé: Deus é tão grande! Há uma distinta diferença entre Deus e tudo o que não é Ele!" (H. de Castries, 14 de agosto, 1901) Este "não ser capaz de fazer outra coisa senão viver para Ele" é uma atitude fundamental de obediência absoluta e incondicional. Para Charles de Foucauld, a Vontade de Deus sobre ele é essa "vocação especial", que ele percebe desde sua conversão e ele vai tentar cumprir durante toda a sua vida. A obediência a este apelo pessoal está fundamentalmente ligada à fé. 

Mas ele vai mais longe em sua resposta. Para ser concreto nessa obediência, ele quer descobrir o "onde" e o "como" viver só para Deus, onde e como se conformar à sua vontade, em circunstâncias terrestres e contingentes. Ele procurará por muito tempo, e algumas vezes penosamente, encarnar o “Fiat Voluntas tua”, da oração do Pai-nosso, no seu registro real: “Isso é sempre Quid vis me facere (que queres que eu faça? -São Paulo, na Vulgata, Atos 9,6) que, nestes dez anos desde que Vós me trouxestes de volta ao rebanho, que Vós me convertestes, e sobretudo nestes oito anos, tantas vezes, tantas vezes voltam em meus lábios!" Ele escreveu em 1896. (Meditações sobre o Antigo Testamento, Gênesis 22, 13-fim, em Quem pode resistir a Deus, Cidade Nova, 1980, p. 65). No decurso da sua história, essa busca da verdade e da fidelidade, por sua vez, o levará à Trapa, o fará passar por uma experiência de eremita na Terra Santa, até o compromisso sacerdotal, dedicado ao mundo muçulmano de Marrocos e da África do Norte; Ele, então, se encaminha para uma instalação no Saara e, especificamente, em Tamanrasset, onde pouco a pouco, será lucidamente assegurado de que ele está bem para ficar no meio de seus vizinhos tuaregues... Em todas essas peripécias, a cada uma dessas etapas, dessas escolhas de estilo de vida, é a ação da obediência que é exercida. 

Um aspecto ainda mais prático de obediência logo aparece em seus olhos. Como Jesus em Nazaré entre Maria e José, ele tenta estabelecer com o seu próximo as mais simples e mais delicadas relações. Espontaneamente, ele entra no aspecto relacional e familiar da obediência, que se encaixa bem com a sua natural inclinação para a amizade e para o respeito pelas pessoas. Em seu retiro de novembro de 1897, nas Clarissas, ele escreveu pondo estas palavras na boca de Jesus: "Com a minha grande, minha primeira obediência, o meu pão de cada dia, a obediência ao meu Pai, eu vos dei a minha vida como homem, Eu realizei uma outra obediência: eu fui submisso a meus pais; você também deve ser submisso às suas mães [a Madre Abadessa e as outras irmãs]" e ele esclarece: "prevenir os desejos, antecipar os desejos, de modo a agradar as minhas mães com o maior prazer, para consolá-las, tanto quanto possível, para não perder uma só oportunidade de lhes ser uma doçura, um conforto, uma fonte de alegria, como era Nosso Senhor para seus pais em Nazaré ...”. (O Último Lugar, Cidade Nova, 2002, p. 181-182 ) no capítulo XXIV do Regulamento dos Irmãozinhos do Sagrado coração, sobre a Caridade dentro da fraternidade, ele insiste nesse mesmo sentido: "os irmãos devem testemunhar essa ternura recíproca por meio de todas as atenções, todas as amabilidades, todos os pequenos serviços possíveis ... Que eles a testemunhem pela deferência e pela obediência mútua em tudo o que Deus permite, como Nosso Senhor Jesus, a Santíssima Virgem e São José obedeciam um ao outro, sempre que o serviço do Pai o permitisse”. (Regulamentos e Diretório, Cidade Nova, 1995, p. 208) Se a obediência a Deus trouxe Carlos de Foucauld de volta à fé, ela também trouxe-o de volta à obediência-caridade. 

Para todas as suas escolhas de gêneros de vida, de lugares de vida, para todas as ações exigidas por obediência e de serviço para com o próximo, Charles de Foucauld pratica primeiramente um discernimento, porque ele deseja antes de tudo entrar na Vontade de Deus sobre ele. "Isso é um sonho, Senhor Padre, é uma ilusão do demônio ou é um pensamento ou um convite do Bom Deus”? Esta foi a pergunta que ele fez ao Padre Huvelin em 22 de setembro de 1893, no começo de suas inquietações em sua vida de trapista. Essa pergunta permanece constante... 

Para ver isso claramente, Charles de Foucauld utiliza três meios: o recurso ao seu diretor espiritual, o Evangelho, o motivo justo. Numa meditação sobre a palavra de Jesus: "Se me amais, observai os meus mandamentos" (Jo 14,15), ele escreve: "Obedecer a Deus, devemos e podemos todos os instantes de nossa vida, como Jesus: ele via em si mesmo em todo momento a vontade divina; quanto a nós, conhecemos em todas as coisas essa mesma vontade divina, pelo nosso diretor espiritual, a quem Deus disse: 'Quem vos ouve, a Mim ouve'. Na impossibilidade de consultar o nosso pai espiritual, nós temos como guias, o Evangelho e a justa razão, interrogada com as luzes da graça, implorada pela oração e pela penitência. "(Meditações sobre os Santos Evangelhos, in A imitação do Bem-amado, Cidade Nova, 1997, p.218) 

Para ouvir Jesus e obedecê-lo, a obediência vem da escuta (ob-audire), trata-se de ouvir primeiramente a Igreja, representada por aqueles que têm autoridade. Charles de Foucauld sempre terá uma profunda reverência para com o papa, por seu Bispo de Viviers, Dom Bonnet, pelo Padre branco prefeito apostólico do Sahara, Dom Guérin. Nos ensinamentos, nas diretivas e nos conselhos desses responsáveis eclesiásticos, ele vê a própria Palavra de Deus. 

Desse mesmo modo ele se refere constantemente ao que lhe dirá o Padre Huvelin, seu diretor espiritual. Na sua visão teológica e eclesial, o diretor espiritual é aquele que tem a missão de fornecer a cada um como que um "ensino particular da religião católica." 

Quando o diretor espiritual não pode ser consultado, uma oração fervorosa pede que "o Evangelho e a justa razão", guiem o dirigido para a decisão certa. Mas ele não abre as páginas dos quatro Evangelhos ao acaso. Ele idealizou um modo de organizar as passagens de uma forma muito pessoal, fez, com as citações evangélicas, um retrato de Jesus segundo as virtudes de seu Modelo. Antes de cada capítulo de seu Regulamento, ele também coletou as palavras evangélicas que esclarecem e sustentam as prescrições regulamentais, tudo isso formando, em suas palavras, "um livro devocional” (para Huvelin, 7 de maio de 1900). 

Charles de Foucauld refere-se, assim, às citações evangélicas que ele tem, por assim dizer, profundamente feitas suas. Certamente quanto ao Sahara, o contexto vai fazer evoluir a letra do Regulamento. No entanto, até o final de sua vida, ele lia duas páginas por dia. O Evangelho, na apresentação que ele fez, é desse modo, tantas vezes lido e relido, meditado e tornado a meditar, passando em sua alma "como a gota de água que cai e torna a cair sobre uma laje, sempre no mesmo lugar" (a Massignon, 22 de julho, 1914). Quando chegar o momento em que ele precisar de uma luz para ver a vontade do seu Bem-amado, as palavras evangélicas relatadas em seu Regulamento estão lá, e ele sabe interpretá-las com precisão. A justa razão, iluminada pelo Evangelho, mostra-lhe, então, a direção. 

Um exemplo: para fazer um primeiro contato com o Sul da Prefeitura Apostólica e fazer uma visita pastoral aos militares católicos em seus postos isolados, ele se abre a Don Guerin em 26 agosto de 1903 deste modo: "Eu não recebi nenhuma resposta vossa. Já que a viagem é possível em 06 de setembro, vou partir em 6 de setembro. Se eu receber só depois vossa ordem de não ficar no Sul, eu não ficarei. Eu não vou sair tão rápido por falta de obediência a vós, bem-amado e tão venerável Pai, mas porque a obediência mais perfeita, e isso é parte de sua perfeição, permite, em alguns casos, a iniciativa. Se eu for sem hesitação é que estou pronto para voltar sem hesitação; tão facilmente como eu vou, eu vou voltar. Eu parto com pressa, porque quem sabe se o que é possível no dia 6 será ainda possível um mês mais tarde?”. Para obedecer ao real, à justa razão, numa compreensão verdadeira da situação, ele sabe, de fato, tomar “iniciativas”... 

É preciso também acrescentar que, neste preciso caso, Charles de Foucauld podia contar com uma sugestão que ele acabara de receber. "Siga seu movimento interior, vá para onde o Espírito o impelir"- o Padre Huvelin lhe escrevera isso em 05 de julho de 1903, por ter certeza, nessa época, de que os movimentos de seu dirigido vinham manifestamente de Deus. Para o tão espiritual Charles de Foucauld, os eventos tornam-se sinais e chamadas. Desse modo, sua disponibilidade traduz-se por uma permanente atenção ao momento presente, à vida, onde, na fé, ele sabe ler a ação da Providência divina; o Tratado do abandono do P. Caussade, um de seus livros favoritos, o iniciou, assim, em cumprir com amor a Vontade divina. 

Mas que sentido dar a um ato de obediência? Quando obedece, Charles de Foucauld quer ir além da execução puramente material de uma tarefa, o cumprimento escrupuloso de uma exigência imposta de fora. Ele vê além. Ele quer andar seguindo Jesus obediente e colocar tudo nas mãos do Pai. 

A seus olhos, a obediência de Jesus não é senão uma das virtudes entre todas aquelas que ele admira em seu Modelo. Ele olha a obediência perfeita e total da qual o Coração de Jesus se plenificou, e esta, até à Cruz, onde ele ouve "a última oração de nosso Mestre, nosso Bem-amado”, a oração de confiança, do abandono, de fé, de obediência. Ele quer que esta oração seja "a de todos os nossos momentos": "Meu Pai, eu aceito tudo; Desde que Vossa vontade seja feita em mim, meu Deus, desde que Vossa vontade seja feita em todas as Vossas criaturas, em todos os Vossos filhos ..." 

Obedecer, para Charles de Foucauld é, então, amar... Quando ele escreveu para o jovem trapista Jerome sobre a obediência, ele evoca a escada do amor que Jacob viu em sonho e lhe disse: "a obediência é a última, é o mais elevado e o mais perfeito dos degraus do amor, aquela em que a pessoa deixa de existir em si mesma, onde ela se aniquila, onde se morre como Jesus morreu na cruz... Este degrau contém todos os outros, excede a todos, é transcendente, acima de tudo, excedendo a tudo. "(Ao Pe Jerome, 24 de janeiro, 1897) 

Obedecer, para Charles de Foucauld, é também adorar... Respondendo a um amigo que conhecia o Islã, expõe-lhe a atitude da adoração: "a mais completa expressão do perfeito amor, o ato por excelência do homem! Seu ato habitual e mesmo seu ato contínuo, se ele age de acordo com sua natureza e sua finalidade... Dar graças a Deus "de sua grande glória" com admiração, contemplação, adoração, respeito, amor sem fim, este é o fim para o qual fomos criados, esta será a nossa vida no céu, e é a nossa vida neste mundo se agirmos como seres racionais." (a H. de Castries, 15 de julho, 1901) 

"Obedecer. Amar. Adorar" - seria o essencial do testemunho de Charles de Foucauld na obediência, o essencial também da mensagem de Jesus, o Modelo Único... 

E, com isso, evidentemente, Charles de Foucauld se aproxima da fé e da obediência de seus amigos do Islã, que querem "ser submissos" ao Tão Grande! 

Pierre SOURISSEAU