A pedagogia do anúncio no episódio de Emaús (Lc 24, 13-35)
Pe. Nelito Dornelas
E diziam um ao outro: Não ardia nosso coração enquanto ele nos falava no caminho e quando nos explicava as Escrituras?
Abrir os olhos e arder o coração estão ligados a campo simbólico de ressignificar a fé a partir de dentro do coração humano. O a partir de dentro tem a ver com a afetividade, com a corporeidade, com a memória histórica, com a tradição espiritual e com as utopias que nos movem, bem como com toda a complexidade cultural de um povo. A pedagogia do anúncio em Emaús passa necessariamente por aquilo que conhecemos hoje como inculturação da fé.
E levantando-se, na mesma hora, voltaram a Jerusalém, e falaram aos onze reunidos, e aos que estavam com eles, que diziam: O Senhor ressuscitou verdadeiramente e apareceu a Simão.
A força espiritual do reconhecimento de Jesus ressuscitado redireciona a comunidade para seu centro existencial. A saída missionária refletida é transformada em regresso. A caminhada deixa de ser um retrocesso para transformar-se em um desafiante avanço. Há uma nova mobilização, desta vez para frente, até ao centro mesmo do anti-projeto do Reino, ao centro do projeto de morte, neste caso, Jerusalém, porém, agora assumido como raiz simbólica de resistência e esperança dos excluídos. É uma ressurreição, um levantamento coletivo convocante que dinamiza as energias vitais do Reino de Deus que está dentro das pessoas. A partir deste foco de entusiasmo se reconstitui uma estrutura cultural e eclesial de vida e de esperança.
Então eles contavam as coisas que lhes haviam acontecido no caminho, e como lhe haviam reconhecido ao partir o pão.
A experiência de ressignificação e de conversão é comunicada horizontalmente. A ação comunicativa fortalece a incipiente rede comunitária. A proclamação da Boa Nova de Jesus de Nazaré é produzida em sintonia espiritual e afetiva e é anunciada com ressonância dentro de quem a recebe. A circularidade comunitária é, em si mesma, uma Boa Noticia. Assim o confirma o partir o pão, sinal evidente da instauração do Reino de Deus. Narrar os acontecimentos, mesmo os relatos assombrosos, nos quais enxergamos a presença salvadora de Deus é a linguagem espiritual e teológica que surge da nova experiência de fé em Cristo ressuscitado.
Emaús para nós é um paradigma pedagógico para fundamentar e dinamizar uma evangelização que pretenda ser realmente nova, que nos conduzirá a uma profunda revisão de nossas práticas religiosas, nossos projetos, nossos sentidos e estruturas pastorais e educativas a partir de nossas relações familiares e comunitárias, dando visibilidade aos sujeitos sociais e eclesiais, muitas vezes, excluídos e marginalizados, aquelas pessoas que vivem a fé na simplicidade e pureza de coração.
Que seja esta quarentena uma oportunidade que agora se nos é oferecida como um brinde da graça divina para nos deixarmos alcançar e questionar por tantos caminhantes anônimos e silenciosos que cruzam nossos caminhos, muitas vezes os próprios membros de nossas famílias, os quais já não mais os enxergávamos. Não nos venha acontecer como aos despercebidos peregrinos de Emaús que absortos em seus problemas e cabisbaixos não perceberam à primeira vista a vida que nascia entre aquele cansado caminhante e hóspede de sua habitação.
Sejamos, pois, discípulos e discípulas, missionários e missionárias de Jesus Cristo, para que nele, nossos povos tenham vida.