O INTERCESSOR
Ludmila Ferber
O que são estas marcas profundas no chão?
O intercessor já esteve aqui…
São as lágrimas vivas que descem do rosto do intercessor que semeia, incansável, na Terra das causas perdidas, no vale da sombra da morte, no vale dos ossos sequíssimos…
E, por que o lugar está cheio de vida, sonho e esperança?
É que o intercessor não respira, não pensa, não sente, não crê e não vive da mesma maneira que aqueles que param no meio da estrada ou desistem já quase no fim!
A oração e o clamor movem o íntimo do intercessor – ele é mesmo assim!
O intercessor é ligado na voltagem da eternidade:
Só pára pra ouvir o Senhor,
Só pára pra adorá-LO
Só pára pra se abastecer de unção, de amor, de compaixão.
Não pára, mesmo ao ver a vitória,
Não pára, mesmo ao ver o milagre,
Não pára, mesmo estando cansado,
E, se a sua angústia ou luta é grande… não pára.
Parece ingrato e injusto o fato de que os olhos da Terra, quase todos, não vêem a ação poderosa que advém do clamor de um intercessor.
Muitos não sabem que esta coluna é a espinha dorsal deste Corpo.
Mas quem disse que ele se importa?
Quem disse que a fama o atrai?
Quem disse que ele busca conforto e poder?
Descansa nos braços do Pai…
O poder de Deus o atrai…
Ele vive para Deus, e isso basta.
O intercessor tem a unção de profeta, a unção de guerreiro, a unção de adorador, a unção de sacerdote:
Deus toma sua boca emprestada…
Conta pra ele os Seus segredos...
Sua força e coragem sustentam seus braços como o valente no meio da guerra; o seu coração se desmancha de amor e paixão pelo Amado Senhor, e do Céu ele traz a palavra que cura e apascenta – e assim acontece.
Glória a Deus pela vida do intercessor!
Glória a Deus por gente como vocês!
Olhar pra vocês nos dá força.
A gente fica mais inspirada…
O próprio Senhor é quem cobre vocês, e guarda a vocês, e alegra vocês, e traz paz e desata os céus, e abre sobre vocês os tesouros escondidos.
É isso mesmo:
quem cuida do intercessor
é o INTERCESSOR em pessoa!
ORAÇÃO DO INTERCESSOR
Deus, estas pessoas merecem Seu juízo;
Tu tens todo direito de feri-las;
mas se as ferires,
terás de ferir a mim primeiro,
pois coloquei-me entre Ti e elas.
A longa travessia
Há tempos estou querendo escrever sobre Agnaldo, mas as ocupações do dia-a-dia me fizeram postergar essa tarefa. Buscava um título para esse texto, e acredito que a longa travessia, diz o que foi sua vida, que terminou no dia 21 de junho de 2013.
Conheci Agnaldo em outubro de 1980, lá pelas tantas da noite, quando meninos da Vila Mara, bairro de São Miguel Paulista, nos vieram chamar, assustados, dizendo que “o Boca (esse era seu apelido) tinha caído no telhado da Casa Branca” Este rompeu-se, quando tentava roubar o material do artesanato. Fomos imediatamente chamar o vigário da paróquia vizinha e que atendia nosso bairro, pois naquela época eram poucas as pessoas que tinham carro no bairro e, sobretudo, dificilmente íamos encontrar alguém para levar um menino àquela hora da noite e naquelas circunstâncias... Felizmente aquele padre espanhol foi bastante aberto e atencioso, levando-o ao Pronto Socorro. Tinha então 15 anos.
A Casa Branca era uma modesta casa, onde Paulo Ferreira (hoje deputado Paulo Teixeira), e Natalina de Jesus, estudante de Serviço Social, criaram um centro cultural, que acolhia a meninada excluída do bairro. Por isso mesmo era mal vista pela vizinhança. Graças à paciência e dedicação desses jovens e de outros voluntários, o trabalho foi se afirmando. Não se pode esquecer a importante ajuda dada por Willi Berg, da Fraternidade da Alemanha, que se sensibilizou com o trabalho, quando viveu quatro meses conosco.
O tempo passou e aos poucos Boca foi participando com os outros meninos da Vila Mara das atividades do centro. Em setembro de 1982, viajamos para Ubatuba, onde passamos uns dias em casa de Pedro Paulo que, no bairro de Ipiranguinho, morava com Irmã Sofia, Carlinhos e Alberto Alves. Acho que foi a primeira vez que ele fazia uma viagem para mais longe.
No ano seguinte, em outubro, já residindo em Brasília, recebi uma carta dele... do Presídio Carandiru. Começava a correspondência dizendo: “Olha, pai Dito, de onde eu estô escrevendo é um lugar muito ruim, eu estô na casa de detenção”. Fiquei apreensivo, embora não soubesse ainda o que significava aquele presídio. Mesmo assim, coloquei-o nas mãos de Deus, pedindo que lhe desse força e paciência para enfrentar aquela situação. Ele havia roubado uma Kombi com outro rapaz do bairro e os dois foram parar no Carandiru!.. Era assim em nosso país e, em muitos lugares, ainda continua essa lei... Penso que foi Alice, esposa do Paulo Teixeira, quem entrou com um pedido de soltura a seu favor, o que deve ter ocorrido após mais de um ano.
Fui localizá-lo em 1994, quando já estava casado, com quatro filhas e uma enteada, trabalhando numa chácara, no interior de São Paulo. Ao ser vendida a propriedade, no ano seguinte, teve que voltar para a capital. Em 1996 fui visitá-lo na Vila Ré, onde vivia. A esposa me pareceu batalhadora. Era irmã de um colega de prisão. Mas a vida lhes parecia bem difícil e logo depois, a última filha, com pouco mais de um ano e meio, morreu vítima de pneumonia.
Um dia me procurou, dizendo que continuava dependente da droga, mas que tentava se controlar. Foi quando o levei a Ribeirão Pires para conhecer a Casa Fraternidade de Jesus, época em que funcionava na Vila Suíça. Devia ser 2001. O pretexto era para ver uma possibilidade de trabalho como pedreiro, pois Vicente planejava mudar-se para um local maior, e talvez necessitasse de alguém para a manutenção. Na verdade era uma ocasião para que conhecesse um local de tratamento.
Isso só veio ocorrer quase dois anos depois, quando a mulher se separou dele. Estava morando numa chácara, na periferia de São Paulo. Procurou-me pedindo para se tratar, embora o real motivo fosse uma ameaça de morte que estava sofrendo.
Foi para a Casa Fraternidade, em 2003, quando ela já estava instalada numa chácara, em Mauá. Assim, depois de 23 anos de vida “livre”, começava sua trajetória de recuperação. Era o início também do que poderia chamar de “conversão”. Foi ali também que descobriu que estava com o HIV. Foi um momento muito difícil. Sentiu-se no fundo do poço. Graças a José Vicente e ao grupo dos internos, conseguiu superar essa terrível fase. Percebeu que sua vida poderia ter outro rumo. Passou a fazer depoimentos nas igrejas, quando os jovens da Casa eram convidados. Adquiriu auto estima e confiança, elementos importantes para uma recuperação.
A família estava fragilizada: a ex-esposa tinha falecido repentinamente, e as meninas viviam meio soltas, criadas pela enteada, que ficou no lugar da mãe. Porém uma delas engravidou-se aos 13 anos, passando a viver num ambiente difícil. Anos depois foi detida, envolvida com o tráfico.
Ao sair de alta, nova fase começou para ele. Decidiu morar em Ribeirão Pires. Pela limitação da saúde, foi trabalhar com sucata e artesanato. Nesse momento pessoas da diretoria da Casa da Fraternidade lhe deram muito apoio, sobretudo, Ana Paula. Ela foi uma segunda mãe para ele. É dessa época o depoimento que fez no vídeo da Fraternidade, Frutos do Deserto.
Um pouco depois passou a frequentar as reuniões de nosso grupo do centro. Foi importante essa participação, e ali conheceu Sylvie que se aproximava da Fraternidade. Dela foi o belo o depoimento transcrito no final.
Voltou a se aproximar dos evangélicos, quando passou a namorar uma moça da Igreja Brasil para Cristo. De fato, sua família sempre fora evangélica e havia sido criado nessa denominação. Certa vez lhe perguntei por que passara a frequentar essa igreja, e respondeu-me que lá conseguia realizar aquilo que não podia fazer na igreja católica. Certamente encontrava mais espaço como leigo, e com grande possibilidade de se tornar pastor.
Nessa época descobriu também que estava com hepatite C, doença talvez mais grave que o HIV. Infelizmente abandonou o tratamento, pois acreditava que o poder de Deus dispensaria os remédios.
Casou-se com outra moça da Assembleia de Deus. Ana Paula e eu fomos seus padrinhos de casamento no religioso. Sua convivência com a família de um pastor, tornaram-no mais próximo dessa Igreja, o que levou-o a frequentar o curso de teologia.
A partir daí distanciou-se um pouco, mas de vez em quando dizia que desejava participar da reunião do grupo do Centro para rever o pessoal. Infelizmente isso não ocorreu. Mantinha frequente contato com Ana Paula, mas agora vivendo em Rio Grande da Serra, ele se tornara mais distante.
Até que fomos surpreendidos pela notícia de que estava internado em estado grave na UTI da Santa Casa de Santo André. Naqueles dias, comprometido em vários cursos e encontros, não consegui vê-lo. Quando Ana Paula chegou ao hospital, foi informada de seu falecimento na noite de dia 21 de junho. Morreu sem ninguém a seu lado.
Mas todos nós, nesse último momento, estaremos sós, mesmo rodeados de várias pessoas. O encontro com o Senhor é único e pessoal, construído ao longo de nossa vida. Agnaldo fez essa trajetória de 53 anos, vividos com muita dificuldade e luta. Certamente não conseguiu realizar tudo que desejava, sobretudo em relação à sua família, mas deixou uma mensagem de vida a ser lembrada pelos seus amigos e pelo grupo da Fraternidade Secular Charles de Foucauld.
Benedito Prezia
ALGUMAS MENSAGENS SOBRE A PARTIDA DE AGNALDO
Paris, 25 de junho de 2013
Gostava tanto do Agnaldo, pessoa especial que conheci no meu primeiro encontro com a Fraternidade, na casa do Carlos, em São Paulo. Ele me tocou muito pelo seu testemunho de vida e por sua transformação depois de passagens de vida bem difíceis.
Quando eu dancei no salão da casa de Carlos, aí em São Paulo, ele me deu um quadro de Charles de Foucauld, em mosaico, que tinha feito. Esse quadro está até hoje na parede da cozinha da nossa Comunidade Tamanrasset, em Ribeirão Pires.
Obrigado Agnaldo por ter passando em nossa vida e ter encantado tantas pessoas. Apesar de muitos anos que a gente não se via e o pouco que a gente se viu, você ficou sempre ancorado em meu coração. Tenho certeza que Deus reservou um ótimo lugar para você no Céu. Que sua Alma e seu Espírito repouse numa Paz tão merecida.
Você é muito amado!!!
Desejo também que Deus abençoe sua família e a reconforta nesse momento difícil.
Com muito carinho,
Sylvie
Da nossa amiga e irmã teóloga Cecília Domezi:
Queridos amigos e queridas amigas, Meus sentimentos pela partida do Agnaldo. Lembro-me bem dele, um homem que nunca se acomodou e que sempre lutou com ideal. É claro que Deus acolheu essa vida com todo amor!
Abraços,
Cecilia Domezi
Da nossa amiga e irmã Custodia, da Fraternidade de São José dos Campos, esposa do Wilton Fernandes Alves, o Fernando:
À esposa de Agnaldo, os meus sinceros sentimentos. Com certeza ele esta lá no céu fazendo muitas obras de arte. Tenho um quadro de Irmão Carlos feito por ele, e o exponho com o maior carinho. Agnaldo esteve com meu irmão na Casa da Fraternidade, no tratamento de dependência, e foi um grande amigão. Foi lá que estreitamos relações e que ficou eternamente gravada em meu coração. Agnaldo sinta o meu amor, e que você alumie também de lá, junto de todos os irmãos e irmãs e do nosso querido santo irmão Carlos. Custódia
De Roberto Delgado de Carvalho, de São Paulo:
Que triste! Mas é a realidade da vida... Nós também admirávamos o Agnaldo, mas o seu depoimento sobre a convivência com ele no grupo do centro confirma a impressão que temos dele. Que luta pela saúde e para livrar-se da dependência. A última imagem que tenho dele é a de vê-lo, com a família, passando pela estrada que leva ao sítio da tia do Miguel. E foi um vitorioso, chegando a aspirar ao Pastoreio. Sugerimos que esta notícia, com seu depoimento sobre Agnaldo seja publicada no Boletim.
Roberto e Gislene