quarta-feira, 28 de novembro de 2018

A VISITAÇÃO EM CH. FOUCAULD


A Visitação: uma cena emblemática para Charles de Foucauld. Alain FOURNIER 


Podemos dizer que o Irmão Charles não parou de se referir a essa cena do Evangelho segundo São Lucas (1,39-56) desde que
os contornos de sua vocação começaram a ser esclarecidos. Isso pode ser visto através da redação de vários estatutos para as congregações, como em sua meditação das Escrituras ou nas várias reflexões que ele faz sobre sua própria vocação. Podemos dizer que esta cena da Visitação serve-lhe para encontrar as palavras para expressar a originalidade da sua missão. 

CONSTITUIÇÕES, REGULAMENTOS E ESTATUTOS 

Durante a sua estada em Nazaré, em 1899, ele começou a escrever o que se tornaria as Constituições e as Regras dos Irmãozinhos do Sagrado Coração de Jesus e, a partir de 1902, as das Irmãzinhas do Sagrado Coração de Jesus; finalmente, a partir de 1909, ele escreveu em termos bastante semelhantes os Estatutos e o Diretório da Associação de Irmãos e Irmãs do Sagrado Coração de Jesus. Nestes três documentos, no artigo "Festas em Feriados", o Irmão Carlos fixou com veemência a festa da Visitação como uma festa principal e, no Diretório, no artigo "Devoções e penitências", ele procurou esclarecer o motivo desta escolha: "A associação dos irmãos e irmãs do Sagrado Coração é dedicada ao Sagrado Coração de Jesus e tem como padroeira a Santíssima Virgem Maria no mistério da Visitação; nossa Mãe celeste é, neste mistério, nosso modelo; como ela santificou a casa de João carregando Jesus consigo, assim também devemos levar Jesus ao nosso redor, revelando Sua presença eucarística e deixando-o viver em nossas almas. Nós devemos, sobretudo, levá-lo conosco por entre os povos infiéis; "Quando se está pleno de Jesus, se está pleno de caridade": como Maria, temos “pressa” de compartilhar nosso tesouro Jesus com nossos irmãos infiéis que não o têm ". 

Através destes diversos documentos normativos sobre o modo de proceder, o irmão Carlos encontrou, às vezes inconscientemente, o prisma da Visitação para expressar seu projeto e dois verbos sempre aparecem sob sua pena: “levar consigo” e “santificar”. Ele escreveu em seu regulamento para os Irmãozinhos: “Ao levar ao seio das nações infiéis seu altar e seu tabernáculo, eles santificam silenciosamente esses povos, como Jesus em Nazaré santificou em silêncio o mundo durante 30 anos. Suas fraternidades, dedicadas ao Sagrado Coração de Jesus, devem, como ele, irradiar-se sobre a terra e ‘a ela levar o fogo’”. 

Mais explicitamente, a propósito da adoração perpétua do Santíssimo Sacramento prescrito para as Fraternidades, ele observa: “Por esta presença de Nosso Senhor sempre exposto na Sagrada Hóstia, as pessoas ao redor são maravilhosamente santificadas: desse modo foi santificada a casa de São João (Batista), por Nosso Senhor, ainda no seio da Santa Virgem”. 

Justificando o estabelecimento das Fraternidades em terra de missão e sua escolha de uma presença ”silenciosa”, ele se refere à Visitação: “Não tendo recebido de Deus a vocação da palavra, nós santificamos e pregamos às pessoas em silêncio, como a Santíssima Virgem, que em silêncio santificou a casa de São João e em silêncio ali pregou, levando dentro de si Nosso Senhor e praticando Suas virtudes”. 

Um sinal do lugar especial que o Irmão Carlos faz à cena da Visitação, ele próprio a desenhou sobre um grande painel instalado por ele mesmo na capela de Beni-Abbés, ladeando o painel central do Sagrado Coração e com o painel de modo pendente, representando a Sagrada Família de Nazaré. 

MEDITAÇÃO DAS ESCRITURAS 

Escrito em Nazaré em 1898, a sua meditação sobre o evangelho segundo São Lucas dedica duas páginas à cena da Visitação e detém-se primeiramente na caminhada de Jesus que, passo a passo, santifica cada vez mais o mundo: “pela Visitação Vós ireis santificar São João e Sua família”. É Ele, Jesus, que tem a iniciativa, que toma a dianteira, e o irmão Carlos, de maravilhar-se por outra Maria (Maria de Bondy?). Jesus veio até ele e o escolheu, vencendo todos os obstáculos. 

O Irmão Carlos tira de sua leitura uma exortação para imitar Jesus que “vai ao encontro das almas” e se torna um de seus instrumentos como o foi Maria: “Jesus se faz levar por ela ao meio desses que ele quer santificar e a faz permanecer entre eles, estando nela e levando, nessa família, uma vida toda perfumada por todas as virtudes evangélicas... Levar o Santíssimo Sacramento no meio dos povos infiéis e aí viver à sombra do Tabernáculo, dando a esses povos, além do infinito benefício da presença de Jesus, o benefício da prática das virtudes evangélicas, que é o bem que pode ser feito às almas do próximo... esses que se consagram à vida escondida”. 

Em suas Considerações sobre as festas do ano, um de seus primeiros escritos espirituais, o Irmão Carlos aborda com outras palavras o conteúdo desta cena evangélica no centro da festa da Visitação celebrada naquele tempo em 2 de julho. Ele reitera, primeiramente, que, através da visita de Maria, é Jesus e sua caridade que estão na iniciativa: “É Jesus que, assim que entra em você, tem sede de fazer outros santos e outros bem-aventurados”, depois ele retorna – de modo que o julgarão deliberadamente parcial – sobre o propósito da visita de Maria: ela não é nem uma visita para sua prima “para se consolarem e se edificarem mutuamente” e “menos ainda uma visita de caridade material”; Maria parte para “evangelizar e santificar São João, não por meio de palavras, mas em silêncio levando Jesus para ele, no meio de sua morada”. Para o Irmão Carlos, a Visitação é verdadeiramente sua festa, como às dos religiosos e religiosas contemplativos nos países de missão, que vão para “evangelizar e santificar os povos infiéis, sem palavras, levando Jesus ao meio deles em silêncio; levando a eles a santa Eucaristia... numa vida evangélica, por meio da qual eles dão o exemplo e por meio da qual eles são imagens vivas”. 

A Visitação é festa de todos os que comungam e, desse modo, levam, como Maria, Jesus neles. Ela é, enfim, a festa dos viajantes chamados, a exemplo de Maria, “para caminhar, nas viagens que nós faremos sobre a terra e na viagem da vida, os olhos fixados sem cessar em Jesus, que ilumina nossa alma como uma tocha (um feixe de fogo)”. 

RETIROS 

Levando consigo esta página do evangelho, Carlos de Foucauld nela descobre que sua vocação à vida escondida de Nazaré não exclui o apostolado. Em seu retiro de oito dias durante sua estadia em Nazaré (chamado “retiro em Efrém”), em1898, enquanto se traça uma virada que o orienta ao sacerdócio, ele observa em sua meditação de Lucas 1,39, pondo estas palavras na boca de Cristo: “Eu falo para as pessoas sobre o silêncio, sobre a vida escondida: todos vós, trabalhai para a santificação do mundo, trabalhai nisso como a minha mãe... ide fazer vosso piedosos retiros entre esses que me ignoram... levai para eles o Evangelho... pregando a eles com o exemplo; levai-me ao mundo como Maria me levou a João”. 

No retiro que ele fez para preparar-se para a ordenação sacerdotal, em 1901, entre as 18 citações do evangelho de Lucas que ele copiou, o irmão Carlos não deixa de sublinhar uma frase do relato da Visitação: “Maria, levantando-se, saiu às pressas”; frase que ele retoma como escolha conclusiva deste retiro, com este comentário: “Quando se está pleno de Jesus, se está pleno de caridade”. E é “cum festinatione”, quer dizer, “às pressas”, como Maria, que o Irmão Carlos planeja partir para onde o Espírito Santo o impelir. 

CONCLUSÃO 

Nós vemos, pois, que Carlos de Foucauld tem um ponto de vista particular sobre esta cena da Visitação; ele não se atém na alegria de Maria em seu Magníficat, nem prioriza sua explosão de caridade com relação à sua prima idosa, nem mesmo na simplicidade e na espontaneidade plenamente humana de sua atitude: ele se detém na dimensão missionária, na atitude profunda que inspira essa que leva dentro de si o Salvador, essa que permite a este de permanecer diante dos homens . Podemos pensar que a meditação desta narrativa, nos seus anos em Nazaré, ajudou terminantemente Carlos de Foucauld a determinar sua vocação. Como sublinha Andrea Mandonico, no capítulo de seu livro “Testimoni dell”Emmanuele”(Testemunhas de Emanuel) intitulado “Nazaré: Visitação. A intuição nazarena da missão: “O mistério da Visitação lhe permitiu de unificar a vida escondida com o apostolado: ele entendeu que foi chamado a colaborar na obra da redenção à maneira da Virgem no mistério da Visitação” (pág. 85). 

Pode-se concluir, com Michel Lafon: “Plenamente convencidos que Jesus, vivendo em nós, age por nós através de todos os nossos relacionamentos humanos, vamos ao encontro de nossos irmãos” (Orar 15 dias com Carlos de Foucauld, pág 57). 

Alain FOURNIER-BIDOZ 

Obras de Charles de Foucauld citadas neste artigo (publicado pela Nouvelle Cité) 

Considerações sobre as festas do ano 

A bondade de Deus. Meditações sobre os Santos Evangelhos (1) 

Gritar o Evangelho. Retiro de oito dias de retiro em Ephrem (1898). Decisão feita em Nazaré (1900) 

Sozinho com Deus. Retiros em Nossa Senhora das Neves e no Saara 

Regulamento e Diretório


Traduzido do francês pelo administrador do blog.