NOVO ESPÍRITO NA VIDA DA IGREJA
Pe. Daniel Higino Lopes de Menezes
No encerramento da semana de oração pela unidade dos cristãos, em 25 de janeiro de 1959, o papa João XXIII anuncia o Concílio Ecumênico do Vaticano II. Surpresa e perplexidade em todo o mundo. Realiza-se na Igreja um “novo pentecostes”. Em 500 anos de história havia ocorrido apenas 2 concílios e o papa, considerado de transição, agora convoca toda a Igreja para esse momento novo. Torna-se motivo de esperança, compromisso e realização. Duas guerras mundiais e várias crises políticas e econômicas marcam a primeira metade do século XX.
No meio desse contexto, fervilham no seio da Igreja Católica vários movimentos na expectativa de mudanças profundas. O anseio maior passava no intuito da Igreja responder, à luz da fé, aos principais desafios da modernidade em crise. Para isso, buscava-se a renovação litúrgica tornando-a mais acessível a participação dos fiéis; o espírito de pobreza entre seus ministros e o compromisso com os pobres; o diálogo com a modernidade, o ecumenismo, o diálogo inter-religioso e a inculturação; a missionariedade da Igreja numa perspectiva de anunciar a Boa Nova do Reino de modo testemunhal. Na catequese e na formação dos fiéis toma centralidade a Palavra de Deus, como fonte de toda educação cristã. Retoma-se na Igreja a relação fé e vida.
A abertura da Igreja no horizonte do Concílio Vaticano II vai para além da publicação de seus 16 documentos. Mais importante é o espírito que conduz a vitalidade desse novo momento. Tais movimentos renovadores contaram com aspectos da espiritualidade enraizados nas fontes originárias do cristianismo: o Novo Testamento, os santos padres, os primeiros Concílios.
Dentre esses sinais salienta-se a vida de Ir. Carlos de Foucauld e as diversas fraternidades formadas à partir do testemunho e dos numerosos escritos deixados por ele. Homem do vento, percorreu Nazaré em busca de Deus, descobriu o último lugar. Abandonou-se nas mãos do Absoluto e tornou-se irmão universal. Foi para o deserto e aprendeu a gritar o Evangelho com a Vida. No encontro com os tuaregues, aprendeu mais que o idioma, nos ensinou a dialogar com as culturas para descobrir a “semina verbi” presentes nelas. Na contemplação, nos deu lições de amor; na libertação de escravos, traduziu em vida o significado do amor e da compaixão pela humanidade. Enfim, aprendeu de Jesus o sentido do mistério da encarnação e da vida em Nazaré.
Extasiado pela espiritualidade e a oração dos irmãos muçulmanos fez disso o mergulho necessário para aprofundar nas águas mais profundas do cristianismo. Sua morte (1 de dezembro de 1916) representou o germinar da semente desse novo caminho apresentado à Igreja em profundo abandono nas mãos do Pai.
Este caminho de espiritualidade alimentou e iluminou a realização do maior Concílio da Igreja. Quando desejamos a Igreja como comunhão, Povo de Deus reunidos no mistério da trindade, como não lembrar do Ir. Carlos? Demorou ele aceitar a ordenação presbiteral, pois a força do seu ministério centrava-se no batismo e no seguimento da vida pobre e humilde de Jesus de Nazaré. Pensava Ir. Carlos, “a ordenação me distancia cada vez mais do ideal de viver o último lugar”. Levar a Eucaristia aos povos mais distantes o convenceu a aceitar a ordenação. Essa busca de tornar-se irmão universal, de propagar a fé nos lugares mais distantes, aos mais pobres, nos dá o sentido da missionariedade da Igreja no Concílio Vaticano
II. Evangelizar pelo testemunho, anunciar o Reino, ir ao encontro, representam a virada fundamental para a vida da Igreja. Charles de Foulcauld apresenta-se como precursor desse espírito novo na missão.
Além disso, destaca-se nessa jornada do Ir. Carlos a dimensão do diálogo inter-religioso. Essa dimensão afeta positivamente toda a reflexão da Igreja no Concílio em relação a busca da tolerância e da valorização da diversidade.
Além da vida do Ir. Carlos, as inúmeras fraternidades surgidas após sua morte trouxeram muitos frutos para o Concílio. Na Presbiterorum Ordinis destaca-se o tema da fraternidade presbiteral (PO 8 e 12). Tal vivência entre padres diocesanos, anterior à realização do concílio, constituiu-se um elemento importante a ser incentivado. Sem dúvida, experiências como as Fraternidades Jesus+Caritas e outras semelhantes constituem um novo impulso aos ministérios na vida da Igreja. Outro aspecto vivenciado nas fraternidades oriundo da Ação Católica, refere-se a revisão de vida. Utiliza-se o método Ver-Julgar-Agir de Cardjin na prática cotidiana das fraternidades. Entre os meios da Fraternidade, encontra-se a revisão de vida. Esta deve ocorrer no dia da Fraternidade, e, quando possível, após um dia de deserto.
Cabe perguntar: e hoje, como as Fraternidades podem manter vivo o espírito do Concílio Vaticano II no seio de nossa Igreja? Alguns aspectos destacam, sem dúvida. Manter firme o ideal e a vivência da evangélica opção preferencial pelos pobres de modo a preencher toda a existência do presbítero. Dar testemunho de partilha e solidariedade, não só entre os irmãos empobrecidos, mas buscar viver essa máxima cristã no presbitério. Isso exige intensificar a vida em fraternidade, indo ao encontro não apenas dos iguais, mas também dos diferentes. A partilha deverá incluir igualmente a partilha econômica. Não se tornar mero ativista pastoral, executor de tarefas, super-padre no clero, mas garantir a qualidade da ação evangelizadora com a vida de contemplação e oração.
Não se acomodar apenas à pregação sobre o valor do Concílio, mas tornar viva em nossas comunidades as orientações pastorais e o espírito: valorizar o protagonismo dos leigos/as, superar práticas autoritárias e clericais, viver de modo simples, trabalhar pelo empenho ecumênico e pelo diálogo inter-religioso, avançar na renovação litúrgica e na inculturação e não deixar morrer a profecia na Igreja.
Outro aspecto importante para manter vivo o espírito do Vaticano II refere-se à missão. Os presbíteros a cada dia são desafiados a ouvir o chamado do Senhor que clama a ir aos lugares mais distantes. Tornar-se irmão universal, eis o convite. Há razoável número de presbíteros na Igreja do Brasil, o que nos faltam são sim presbíteros missionários. Dispostos a sair de si e irem ao encontro dos afastados, dos excluídos.
Atravessar os rincões do egoísmo e das comodidades e se preciso for, atravessar fronteiras, ir ad gentes. É conhecido de todos, existe cada vez uma maior concentração de padres nos grandes centros econômicos e escassez de padres nos lugares mais pobres.
Cabe ressaltar a importância de várias testemunhas entre nós que perseveram no ideal do Ir. Carlos e praticam com convicção e amor o Espírito do Concílio nas comunidades. Dentre estes, estão as Irmãzinhas de Jesus, muitos presbíteros, alguns bispos e vários leigos/as dispostos/ as a viver com autenticidade o batismo e os diversos ministérios na Igreja.
Peçamos a Deus, ao bem amado Senhor Jesus, a perseverança para que continuem testemunhando com amor a graça de gritar o Evangelho com a Vida.