sábado, 30 de março de 2013

CARTA DE PARIS - ASS. INT. FRAT.

A ASSEMBLEIA INTERNACIONAL DAS


FRATERNIDADES CARTA DE PARIS

Assembleia Internacional da Fraternidade sacerdotal Jesus Caritas (6 a 21 de novembro de 2012)

Na celebração do 50º aniversário da abertura do Concílio Vaticano II, no início do “ano da fé”, reuniram-se no Foyer de Charité de Poissy, perto de Paris, 47 irmãos originários de 28 países de 4 continentes, entre os quais Mariano Puga e Jacques Midy, membros da Fraternidade há mais de 5 decênios. O delegado da R.D.C. não recebeu o visto e o do Canadá perdeu seu irmão.


A escolha da França foi motivada pela memória do Bem-aventurado Carlos de Foucauld na igreja de Santo Agostinho com seu encontro com o Padre Huvelin e sua conversão em 1886, e a basílica de Montmartre onde passou uma noite em adoração com Massignon. A França é também o berço de nossa Fraternidade sacerdotal e de vários ramos da família foucauldiana como as Irmãzinhas de Jesus ou as Irmãzinhas do Evangelho, cujos testemunhos ouvimos.


Tivemos conferências de informações sobre a sociedade francesa e o lugar da Igreja. As imersões nas paróquias e em lugares particulares de missão permitiram-nos apreender a realidade de uma Igreja viva num meio secularizado. A oração litúrgica, a adoração diária, a Eucaristia, o dia de deserto deram à Assembleia uma coloração espiritual fraterna. Os tempos de convivência, os intercâmbios e as refeições partilhadas colaboraram para tal clima.


Agradecemos sinceramente aos membros das fraternidades da França, à equipe internacional que termina e a todos aqueles e aquelas que contribuíram para o êxito de nossa Assembleia.


Depois de ter ouvido os informes das diversas regiões do mundo, sentimos fortemente como a fé sempre em gestação acontece para construir a Igreja de maneira nova e fornecer apelos a orientações novas para nossas fraternidades.


1. Ecos das regiões do mundo

Os diversos relatórios dos vários países e continentes foram enriquecedores. Permitiram-nos criar laços profundos entre nós e nos fizeram tomar consciência de nossa complementariedade, no respeito sincero da diversidade das realidades e humilde reconhecimento dos múltiplos desafios com os quais nos confrontamos.

As fraternidades da África são marcadas pelo contexto de países politicamente instáveis, economicamente fracos e socialmente inseguros, nos quais nossa presença de padres que partilham a vida do povo é muitas vezes percebida como tranquilizadora, e renova a confiança. Para nossas fraternidades, as longas distâncias e as más estradas, assim como a falta de dinheiro e de meios materiais, tornam a comunicação e os encontros menos frequentes. Longe de ser fonte de desencorajamento, tais dificuldades dinamizam ainda mais nossas fraternidades, que não cessam de aprofundar sua identidade e de crescer em número pela acolhida de novos jovens padres.

A Europa e a América do Norte, gozando de certa prosperidade material, conhecem ao mesmo tempo uma crise econômica e financeira profunda que afeta de maneira contínua o equilíbrio de vida de muitas famílias e desenvolve um grande sentimento de insegurança. As fraternidades são numerosas, mas os membros envelhecem, à imagem do clero diocesano. Contudo, padres vindos de fora enriquecem os presbitérios e nossas fraternidades.


O continente latino-americano registra certo crescimento econômico, mas encontra-se em meio de uma insegurança social crescente, com numerosas vítimas dos narcotraficantes num universo religioso marcado por diversas correntes evangélicas. Em união com as diversas famílias foucauldianas, nossas fraternidades contam com numerosos simpatizantes que lhes fornecem regularmente novos membros.

Na Ásia, em pleno desenvolvimento econômico, continente das grandes religiões como o islam e o hinduísmo, a Igreja é em geral minoritária, mas as fraternidades acolhem muitos jovens padres. O diálogo com as outras religiões se desenvolve conservando a identidade da fé cristã.

2. Um anúncio da fé

Em cada lugar do mundo, na diversidade das situações vividas, a fé e o anúncio da fé aparecem diferentemente.

A fé toma em primeiro lugar a forma da coragem de viver, de existir. Nas diversas etapas da vida pessoal e coletiva, trata-se de crer que a vida mantém sua promessa. Esta forma elementar da fé encontra a universalidade do Evangelho, pois todos os seres humanos estão na mesma aventura, a de crer ou não que a vida vale a pena ser vivida.

Diante de todas as categorias do mal que atingem a humanidade, trata-se de anunciar uma Notícia de bondade radical. Associando a Jesus esta Notícia de bondade que é o Evangelho, cremos que o mal não terá a última palavra. É também uma condição que torna possíveis a fé e a liberdade de crer das pessoas, permitindo que a fé possa nascer nelas.


De fato, é em Jesus de Nazaré, em sua maneira de ser e de viver, que podemos ver como tornar o Evangelho presente a todos os seres humanos. Jesus sempre disse o que pensava e fez o que disse; sempre se pôs no lugar do outro, sem, porém, deixar o seu, nos atos que expressavam sua compaixão, levada ao extremo, diante de seus adversários.

Tornando o evangelho humanamente plausível, Jesus permaneceu livre até dar sua vida. Ouvimos aí o eco da vida e do destino do Irmão Carlos, que procurou imitar Jesus em sua vida e em sua morte.

Esta imitação da vida de Jesus na proximidade e na hospitalidade, na itinerância e na liberdade em relação a si mesmo faz da Igreja uma realidade sempre em gestação. A Igreja nasce onde a fé é gerada. Nos encontros elementares, na hospitalidade e nas atitudes de acolhida, realiza-se a figura do mediador. Relendo as Escrituras, o mediador, que  pode ser um de nós, dá uma dimensão visível à fé, ligando os sacramentos aos sinais messiânicos de Jesus. Uma comunidade, mesmo pobre e pequena, descobre então que a fraternidade por ela vivida ultrapassa as fronteiras de espaço e de tempo; quando ela passa o limiar da contemplação na liturgia e na adoração, é-lhe revelado que o Corpo de Cristo se constrói nela, e que ela se insere no imenso povo de Deus, a Igreja, a caminho de Deus.

Compreendemos melhor que as respostas aos mais vastos desafios do mundo se revelam nos gestos do cotidiano. Quando as comunidades cristãs se tornam transparentes ao evangelho, elas relativizam suas preocupações internas, e num movimento ligado à encarnação, arriscam-se testemunhando sua solidariedade com os mais frágeis dos humanos. Reconhecendo a singularidade de cada pessoa, por laços de amizade e de proximidade, elas vivem a alteridade sem medo e se abrem ao universal. A hospitalidade vivida torna-se o lugar da revelação de Deus que transparece no oculto dos encontros e especificamente no encontro do excluído.

Assim, a Igreja que pode por diversas razões desaparecer aqui ou ali, aparece em muitos lugares em figura de diáspora; ela não cessa de nascer lá onde a fé emerge de novo, colocando-a em posição de servir o bem comum e a união social. Encontramos então a expressão atual da Noticia da bondade do próprio Jesus, que nos atingiu em fraternidade e que queremos viver recebendo seus renovados apelos.

3. Apelos e orientações para nossa fraternidade

Nesta Assembleia internacional fizemos a experiência da diversidade, da diferença e da originalidade dos representantes das diversas fraternidades, segundo nossas próprias culturas. Vivemos a alegria da comunhão e da comunicação, no Espírito de Jesus de Nazaré.

Mas o que acontece com todos os que não conhecem Cristo Jesus? E se o conhecem ou ouviram falar dele, como o assumem em sua vida diária?

A atual globalização e as zonas de rupturas nos permitem experimentar a presença do outro diferente de nós, provocando reações de acolhida, de recusa, de medo. Então, como nos encontrar?

Hoje o debate de ordem ética em relação à injustiça encontra resistências em muitas pessoas. Para a construção de um mundo que seja um lar para todos, a partir de nossas originalidades e sem exclusão nem dominação de uns sobre os outros, qual é nossa contribuição enquanto Fraternidade?


Nosso ideal é viver o absoluto de Deus, o amor de Jesus Cristo, à maneira do Irmão Carlos, como fruto do Espírito, na proximidade, na presença e no respeito do outro, a partir da pequenez, do cotidiano, sempre a partir dos mais fracos, dos mais desprovidos e dos mais excluídos, que Deus ama e a partir dos quais nos interpela.

Como padres diocesanos devemos reconhecer a realidade que é a nossa em alguns países: somos pouco numerosos, envelhecemos, por vezes mal compreendidos em certos presbitérios. Mas vemos também muitos comprometimentos, dom de si e fidelidade em nossos irmãos, em tantos lugares do mundo. Por toda parte nós nos sentimos chamados a desenvolver a fraternidade com todos os nossos irmãos padres.

Isso exige de nós reforçar nossa vida comunitária, na revisão de vida, na escuta e na partilha da Palavra de Deus, unidos na adoração eucarística, no dia de deserto e no testemunho simples da vida cotidiana, onde a Igreja nos colocou e nos envia como padres diocesanos.

É importante que os padres mais jovens nos conheçam, não para buscar prestígio ou fama, mas como um serviço sincero prestado à vida espiritual da Igreja, na fidelidade a ela mesma e a nossos bispos. Isso nós o devemos aos pobres.

Os irmãos idosos são parte integrante de nossas fraternidades, são para nós testemunhas da missão que viveram. Temos necessidade de seu testemunho e de seu apoio na oração. Sabemos também que os irmãos que já nos deixaram estão em comunhão conosco.

Aumentar nossa solidariedade e nosso sentido missionário em nível local e internacional, como irmãos universais, sobretudo quando a cultura atual favorece e exalta o individualismo, provocando a solidão e o abandono de tantos de nossos irmãos.

Não nos habituar à realidade, mas nos deixar interpelar e interrogar, a partir do Evangelho e da sabedoria dos pobres. Tomar o caminho de Jesus exercendo a autoridade como serviço.

Ser sinais de acolhida gratuita e amorosa com os migrantes, os refugiados e os exilados que o sistema mundial atual gera, reconhecendo mais a contribuição que nos oferecem do que as dificuldades que suscitam. Reconhecer todas as novas formas de escravidão que se apresentam, que submetem e que alienam tantos de nossos irmãos, fazendo deles objetos engolidos pelo sistema dominante que privilegia somente alguns.

Nosso grande sofrimento e nossa vergonha em relação aos abusos sexuais cometidos por alguns padres tornaram-nos mais humildes e mais fiéis a Deus. “Permaneçam atentos!”

Amadurecer, crescer e viver na vida em fraternidade. O fato de se encontrar só ou isolado deve ser uma exceção, que é preciso ultrapassar com prontidão. Essa é a nossa força maior, que nos ajuda a discernir com outros o que Jesus Cristo nos diz hoje. É a ajuda mais eficaz para fortalecer nossa própria vocação no mundo, na Igreja e em nosso meio.

Testemunhar silenciosamente por uma presença real, por uma vida de oração que une a fé e a vida, na ação solidária cotidiana, mesmo simples, é a resposta mais apropriada a todo fundamentalismo que obscurece o amor de Deus Pai e impede o encontro real e eficaz, em relação com nossa própria identidade. É aí que nos encontramos Jesus Cristo ressuscitado. 

Preocupar-nos com a realização do Mês de Nazaré afim de que todos os irmãos de nossas fraternidades tenham a possibilidade de viver essa experiência, no espírito do Irmão Carlos, na intimidade do amor de Jesus Cristo, que determina nossa orientação e nossa ação enquanto vida fraterna a serviço dos pobres, deixando-nos conduzir pelo Espírito Santo a partir deles e com eles.

Enfim, é preciso aprofundar e realizar encontros regionais e continentais, a fim de nos conhecer e experimentar a comunhão, no serviço dos pobres, no caminho que nos propõe o Irmão Carlos, no amor e na fidelidade a Jesus Cristo que nos dá a vida, que nos restabelece em nossa dignidade de filhos de Deus, irmãos responsáveis uns pelos outros.

Elegemos Aurelio Sanz, da Espanha, como Responsável internacional e aprovamos sua equipe composta de Jean François Berjonneau (França), Mark Mertes (USA), Emmanuel Asi (Paquistão), Mauricio da Silva Jardim (Brasil), Félix Rajaonarivelo (Madagascar).

4. Conclusão

Nestes anos em que comemoramos o Concílio Vaticano II, lembremo-nos que há aspectos da espiritualidade do Bem-aventurado Carlos de Foucauld nos textos conciliares e que a família foucauldiana, da qual fazemos parte, contribui para o nascimento da Igreja de nosso tempo presente em todas as nações, para torná-la acessível a todos os homens. Testemunhas e portadores do Evangelho da bondade, em fraternidades sempre em gestação, com o lugar original de nosso carisma e de nossa vocação, tornamos presente aos homens esse Deus de amor que se fez irmão em Jesus de Nazaré.