sábado, 30 de março de 2013

RETIRO 2013 - 3ª MEDITAÇÃO



TERCEIRA MEDITAÇÃO

ENCONTROS COM CRISTO

Na história das origens do cristianismo, o encontro de Paulo deve ser colocado entre os fatos mais importantes. A vigorosa figura do apóstolo sobressai entre outros apóstolos e discípulos. Suas palavras e testemunho brilham como verdadeira luz (Mt 5,14-16) no sinuoso caminho dos homens e mulheres de todas as épocas. Tudo nele produz fascínio: o evento de Damasco, o amor apaixonado por Jesus e o ardente desejo de viver nele e para ele, o caminhar indefeso pelo mundo tangido e consumido pela irresistível missão de evangelizar (1Cor 9,16), a incansável e febril paixão pela Igreja, o ímpeto de sua ternura pelos irmãos e irmãs (Fl 1,7-8; 2,1-5).


1. Paulo persegue a Igreja

Os versículos iniciais de At 9 (ler 1-9) retomam o fio narrativo da presença de Saulo na morte de Estevão e sua posterior perseguição à Igreja de Jerusalém. O movimento de Jesus é identificado como “os discípulos do Senhor” (9,1), “os do Caminho” (9,2). Os discípulos são “homens e mulheres” (essa linguagem inclusiva aparece frequentemente nos Atos: 5,14; 8,3.12; 9,2; 22,4). Saulo pretende trazê-los amarrados para Jerusalém a fim de reintegrá-los à institucionalidade judaica, colocá- los novamente nos eixos.


O livro dos Atos lembra de modo expresso, doze vezes, o Saulo perseguidor: No episódio do apedrejamento de Estêvão (At 7,58); duas vezes no pequeno sumário sobre a perseguição da Igreja (At 8,1-3); quatro vezes na primeira narrativa da conversão de Saulo (At 9,1.5.13-14.21); três vezes ao falar ao povo no templo (At 22,4-5.8.19-20); e mais duas vezes no processo diante de Agripa (At 26,9-11.15).


Por que Saulo persegue a Igreja? Porque é um judeu autêntico, foi educado no zelo pelas coisas de sua religião, cumpre e defende com ardor os mandamentos da Torá. Zeloso que é, Saulo não aceita qualquer relativização da Lei. Também não pode concordar com aquelas ideias messiânicas sobre Jesus. Ele pertence ao grupo daqueles judeus que esperavam um Messias poderoso que, inclusive, livraria a nação judaica da dominação romana. Como poderia chamar de Messias a alguém que terminou sua vida numa cruz? Um escândalo, para Saulo! Loucura para os pagãos!


2. Mas, Jesus laçou Saulo no caminho de Damasco


Paulo se encontra com Cristo ressuscitado em suas vítimas. Jesus está vivo e corporalmente presente nos cristãos que Paulo persegue. Paulo vê Jesus Ressuscitado. Isso está explicitado em 9,17 e 27: testemunho de Ananias e Barnabé. O próprio Paulo dirá em suas cartas: “Por acaso não vi Jesus, nosso Senhor?” (1Cor 9,1; cf. também 15,8). Paulo cai por terra e fica cego: “Embora tivesse os olhos abertos, não via nada”. Ele ainda não entende nada e resiste a crer; eis porque passou três dias sem ver, nem comer, nem beber. Paulo, depois de ver Jesus, fica cego, prostrado por terra como morto. Não conseguiu chegar aonde desejava ir e ingressou no “Caminho” que rejeitava, onde jamais imagina entrar.


O livro dos Atos narra três vezes a conversão de Paulo (9, 1-19; 22, 1-21; 26, 1-23). Para Lucas, este é o maior de todos os acontecimentos da Igreja dos primeiros tempos. Quando quer falar do sucesso que o anúncio cristão está alcançando por toda parte, Lucas refere-se às conversões em termos quantitativos: 3 mil convertidos (cf. At 2,41), 5 mil (cf. At 4,4), muitas aldeias (cf. At 8,25), todos os habitantes de uma cidade (cf. At 9,35). 

Quando o convertido é alguém ilustre ou especial, Lucas dá um pouco mais de destaque ao episódio: o mago Simão (cf. At 8,9-24), um alto funcionário da rainha da Etiópia (cf. At 8,26-40), Cornélio, comandante romano em Cesareia (cf. At 10), o procônsul da ilha de Chipre (cf. At 13,6-12). Quando o convertido é muito especial mesmo, Lucas conta e reconta o episódio - é o caso de Paulo. De perseguidor obstinado e feroz, Paulo se torna o maior dos evangelizadores. Isto realmente merece destaque especial.

Algumas imagens bíblicas ajudam a compreender a radical transformação da vida de Paulo.

a) Queda: “Tu me seduziste, Senhor, e eu me deixei seduzir. Foste mais forte que eu e me venceste” (Jr 20,15). Jesus não pediu licença: entrou sem mais e o derrubou. Caído no chão ele se entrega.

b) Luz: “Vi em volta dele uma luz de brilho faiscante, parecendo fogo...Esse brilho em torno dele parecia o arco-íris, que surge nas nuvens em dia de chuva. Era a aparência visível da glória de Javé. Quando vi, caí imediatamente com o rosto no chão, e ouvi a voz de alguém que falava comigo” (Ez 1, 27-28). No caminho de Damasco Saulo é envolvido por uma grande luz – em pleno meio-dia, sol a pino, luz intensa; no entanto, a luz que Paulo vê é mais brilhante que o sol; ele cai por terra e fica cego. Luz e queda simbolizam um momento de lucidez total.

Paulo revê toda a sua vida e faz a experiência de Deus presente nos discípulos/as de Jesus. Ressuscita quando é acolhido na comunidade como irmão. Morre o perseguidor, ressuscita o profeta.

c) Aborto: “Em último lugar apareceu também a mim, que sou um aborto” (1Cor 15,8). O Senhor arrancou Paulo da vida que levava como uma criança extraída a força (com forceps) do ventre materno.

d) Laço: “Não que eu já tenha conquistado o prêmio ou que já tenha chegado à perfeição; apenas continuo correndo para conquistá-lo, porque eu também foi conquistado por Jesus Cristo” (Fl 3,12). Paulo foi apanhado, laçado. Imaginamos alguém correndo atrás dele com um laço na mão, tentando apanhá-lo e segurá-lo.

3. Onde estavas, Saulo, quando Jesus te conquistou?


A resposta encontra-se no texto autobiográfico da carta aos Filipenses 3,4-6 e também em Gálatas 1, 11-24. Paulo afirma que Cristo o surpreendeu quando estava em plena posse de valores que lhe eram muito caros, recebidos de seu povo, de sua história e também conquistados a alto preço com seu esforço pessoal, com empenho de fariseu:


a) “circuncidado no oitavo dia”: não como os pagãos, chamados com desprezo de incircuncisos, tratados como amaldiçoados, abandonados por Deus.


b) “israelita de nascimento, da tribo de Benjamim, hebreu filho de hebreus”: membro do povo eleito, conhece seu passado e a gloriosa geração que o entrelaça ao filho de Jacó.

c) “quanto à lei judaica, fariseu”: adepto da estrita observância da lei, do rigor moral absoluto, que vive as tensões espirituais profundas do judaísmo. Fariseu era nome glorioso que revestia os seguidores de alto conceito moral e espiritual e angariava a simpatia de muitos. Além disso, é bom lembrar que o farisaísmo é uma tendência que acompanha pessoas boas e esforçadas.

d) “quanto ao zelo, perseguidor da Igreja: os cristãos eram vistos como uma excrescência dentro do judaísmo, um câncer que deveria ser extirpado antes que se alastrasse.

e) “quanto à justiça que se alcança pela observância da lei, irrepreensível”: qualifica-se a si mesmo como “homem justo”. 

É a mesma palavra de louvor aplicada a José. Assim também são descritos os pais de João Batista, Zacarias e Isabel; ambos eram justos. O louvor máximo que se pode dar do ponto de vista bíblico, Paulo o aplica a si: irrepreensível, sem reprovação.

Poderia ter dito: “Quem de vós poderá me acusar de um pecado?” ou “nada havia em mim que se pudesse censurar do ponto de vista da lei”. Sabemos como eram minuciosas as leis e complicadas as prescrições rituais. Havia 613 leis que correspondiam aos 365 dias do ano e aos 248 ossos do corpo humano.

Portanto, Paulo é encontrado numa situação privilegiada em que possui ricas tradições herdadas e adquiridas: um conjunto de grandes bens que lhe são imensamente caros, descritos por ele com intensa emoção. Se reparamos bem, Paulo enumera sete atributos pessoais, descritos como vantagens, superioridade, méritos, motivos de glória.

Quem conhece um autêntico hebreu sabe com que convicção confessa sua estirpe e eleição. O ser hebreu é algo que lhe penetra na carne como uma segunda natureza, um modo de ser irrenunciável. Um caso típico é o de Simone Weil. Ela intuiu com lucidez os mistérios do batismo, da eucaristia, da oração e escreveu páginas, talvez entre as mais belas, sobre a vida cristã, o trabalho, e a contemplação, mas nunca chegou a ser batizada. Embora tendo uma intuição da verdade e da beleza do cristianismo, morrendo de vontade de alimentar-se da eucaristia na qual descortinava o ápice da história e da criação, sentiu-se até o fim bloqueada pela plenitude da crença judaica e também pela necessidade de solidariedade com seu povo martirizado pelo holocausto do nazismo.

4. Para que direção o Senhor te conduziu?

Jesus aparece a um discípulo chamado Ananias e lhe ordena que vá visitar Paulo. Ananias resiste: “Senhor, já ouvi muita gente falar mal deste homem e do mal que fez aos teus fiéis em Jerusalém. E aqui em Damasco ele tem plenos poderes para prender todos os que invocam o teu nome” (9,13). O Senhor insiste: “Vá, porque esse homem é um instrumento que eu escolhi para anunciar o meu nome aos pagãos” (9,14).

Então Ananias entra na casa onde Paulo se encontra, acolhe-o como irmão (esta palavra aparece setenta vezes nos Atos) e lhe impõe as mãos. Paulo que se julgava um mestre sábio e considerava as comunidades cristãs um câncer dentro de judaísmo, sente-se curado pela comunidade.

Recupera a vista através do ensino dos apóstolos, é batizado e fica cheio do Espírito Santo. Depois se levanta (verbo que significa ressuscitar!), se alimenta e recupera as forças. Assim, Paulo ressuscita física e espiritualmente.


O próprio Paulo nas cartas aos Filipenses e Gálatas revela que o Senhor o conduziu a um total desapego daquilo que antes, sob qualquer hipótese, lhe parecia irrenunciável. “Por causa de Cristo, porém, tudo o que eu considerava como lucro, agora considero como perda. E mais ainda: considero tudo uma perda, diante do bem supremo que é o conhecimento do meu Senhor Jesus Cristo. Por causa dele perdi tudo e considero tudo como lixo, a fim de ganhar Cristo e estar com ele” (Fl 3,7-8).


Não se trata de um conhecimento puramente intelectual, mas de um conhecimento-encontro. É por isso que Paulo afirma ter sido alcançado (capturado, laçado) por Cristo (Fl 3,12). Aos Gálatas, Paulo apresenta o seu conhecimento de Cristo como resultado de uma revelação: “O Evangelho anunciado por mim... eu não o recebi nem aprendi de homem algum, mas por revelação (apocalipse) de Jesus Cristo” (Gl 1,11-12).

Em nenhuma das duas passagens, trata-se propriamente de uma “conversão” de Paulo, mas de um encontro-conhecimento-revelação que o fez descobrir a justiça de Deus de uma forma diferente da que ele procurava antes. Antes, Paulo procurava a justiça na Lei, diante da qual ele se considerava irrepreensível (Fl 3,6). Agora, ele procura a justiça de Deus, que vem por meio do conhecimento de Cristo (Fl 3,9).


Paulo não diz se Jesus revelou tudo de uma vez ou em várias etapas. O que é evidente é que ele recebeu uma iluminação tão forte que o levou a uma mudança radical de rumo na existência. De um golpe, rejeitou tudo o que para ele era valor absoluto, para entrar no caminho que mais odiava.


Será que depois dessa conversão houve outras de tamanha radicalidade?

Quando Jesus lhe pergunta: “Por que me persegues?”, Paulo compreende, de repente, que confundiu miseravelmente a verdade. Foi um terrível choque, não através de um raciocínio, mas de um encontro-revelação, dar-se conta de que era preciso refazer tudo. Paulo não era um pecador antes de sua “conversão”, mas um homem justo, correto segundo a Lei. Depois do seu encontro com Cristo, Paulo continua procurando ser justo, porém de um modo totalmente diferente: não na lei, mas em Cristo. Esse encontro com Cristo é a raiz de sua vocação e também da escolha em função da evangelização dos gentios. “Deus, porém, me escolheu desde o seio materno e me chamou por sua graça.


Ele houve por bem revelar em mim o seu Filho para que eu o enunciasse entre os gentios” (Gl 1,15). É surpreendente que os dois fatos, conversão e vocação, aconteçam juntos: no mesmo instante em que Jesus o faz compreender que errou redondamente, confia-lhe uma exigente missão.


Toda sua vida, teologia e missão estarão marcadas por esse encontro-iluminação-revelação pessoal de Jesus.


Paulo deixou para trás a vida na lei, segundo a carne, para seguir a vida em Cristo, segundo o Espírito. Despoja-se de tudo o que era vantagem e glória na prática do judaísmo para seguir o Cristo Crucificado e anunciá-lo aos gentios.

O encontro de Paulo no texto dos Atos, iluminada pelos textos das cartas acima citados, desafia-nos a refletirmos sobre nossa própria conversão, como pessoas ou como Igreja. Estamos realmente convertidos? Encontramos o Cristo Crucificado-Ressuscitado? De que maneira, como e quando? Encontramos realmente o Cristo nos pobres e excluídos? E, nesse encontro pessoal com Cristo, dá-se um conhecimento ou uma revelação com a profundidade semelhante a de Paulo? Esse conhecimento me leva a considerar os privilégios e seguranças religiosas como perda e lixo? Cristo não será para muitos católicos apenas uma doutrina ou uma mera figura histórica do passado?

Há pessoas na Igreja que são como Saulo antes do encontro com Cristo, perfeitas segundo a lei. São pessoas boas que buscam a Deus no fiel cumprimento da lei, na observância do direito canônico. Muitas dessas pessoas encontram-se em movimentos eclesiais, preferencialmente conservadores. Elas são boas e perfeitas segundo a lei; mas, será que se encontraram pessoalmente com Cristo? O relato do jovem rico (Mc 10, 17-31) possibilita-nos fazer um paralelo entre quem é simplesmente “correto” e quem é discípulo de Jesus. 

O exemplo de Dom Oscar Romero ajuda-nos a ilustrar esta comparação. Um biógrafo que o conhecia, descreve-o como alguém que foi “correto” durante 60 anos. Quando foi transferido de Esteli para San Salvador, os comandantes da ditadura militar e as elites dominadoras do país saudaram-no como um deles. E de fato, durante algum tempo, Dom Romero procurou permanecer em cima do muro, procurando ser pastor de todos. Até o dia em que assassinaram o Pe Rutílio Grande, seu amigo pessoal e confidente. 


A partir deste martírio, colocou-se definitivamente ao lado dos pobres massacrados, vítimas da cruel ditadura. Autêntico discípulo do Mestre! Bastaram-lhe apenas três anos para ser morto violentamente como o próprio Jesus.


Leitura Orante:

Três relatos do encontro de Paulo At 9, 1-30; 22,1-21; 26,1-23; Mc 10,17-31

Meu itinerário espiritual:

Lembrar acontecimentos, pessoas, encontros marcantes em minha conversão.

O que ainda falta, em minha conversão, para me tornar autêntico discípulo missionário de Jesus?