sábado, 30 de março de 2013

O PACTO DAS CATACUMBAS



Dom Hélder Câmara

O PACTO DAS CATACUMBAS

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos
(disponível em www.unisinos.br/ihu/index.php)

No dia 16 de novembro de 1965, poucos dias antes da clausura do Concílio Vaticano II, cerca de 40 Padres Conciliares celebraram uma Eucaristia nas catacumbas de Domitila, em Roma, pedindo fidelidade ao Espírito de Jesus. Após essa celebração, firmaram o “Pacto das Catacumbas”.

O documento é um desafio aos “irmãos no Episcopado” a levarem uma “vida de pobreza”, uma Igreja “servidora e pobre”, como sugeriu o papa João XXIII. Os signatários - dentre eles, muitos brasileiros e latinoa-mericanos, sendo que mais tarde outros também se uniram ao pacto – se comprometiam a viver na pobreza, a rejeitar todos os símbolos ou os privilégios do poder e a colocar os pobres no centro do seu ministério pastoral. O texto teve forte influência sobre a Teologia da Libertação, que um dos signatários e propositores do Pacto foi Dom Hélder Câmara, cujo centenário de nascimento é celebrado neste sábado, dia 


PACTO DAS CATACUMBAS DA IGREJA SERVA E POBRE


(Publicado no livro “Concílio Vaticano II”, Vol. V, Quarta Sessão,Vozes, 1966, organizado por Boaventura Kloppenburg. p. 526-528).

Nós, Bispos, reunidos no Concílio Vaticano II, esclarecidos sobre as deficiências de nossa vida de pobreza segundo o Evangelho; incentivados uns pelos outros, numa iniciativa em que cada um de nós quereria evitar a singularidade e a presunção; unidos a todos os nossos Irmãos no Episcopado; contando sobretudo com a graça e a força de Nosso Senhor Jesus Cristo, com a oração dos fiéis e dos sacerdotes de nossas respectivas dioceses; colocando-nos, pelo pensamento e pela oração, diante da Trindade, diante da Igreja de Cristo e diante dos sacerdotes e dos fiéis de nossas dioceses, na humildade e na consciência de nossa fraqueza, mas também com toda a determinação e toda a força de que Deus nos quer dar a graça, comprometemo-nos ao que se segue:

1) Procuraremos viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo que daí se segue. Cf. Mt 5,3; 6,33s; 8,20.

2) Para sempre renunciamos à aparência e à realidade da riqueza, especialmente no traje (fazendas ricas, cores berrantes), nas insígnias de matéria preciosa (devem esses signos ser, com efeito, evangélicos). Cf. Mc 6,9; Mt 10,9s; At 3,6. Nem ouro nem prata.

3) Não possuiremos nem imóveis, nem móveis, nem conta em banco, etc., em nosso próprio nome; e, se for preciso possuir, poremos tudo no nome da diocese, ou das obras sociais ou caritativas. Cf. Mt 6,19- 21; Lc 12,33s.

4) Cada vez que for possível, confiaremos a gestão financeira e material em nossa diocese a uma comissão de leigos competentes e cônscios do seu papel apostólico, em mira a sermos menos administradores do que pastores e apóstolos. Cf. Mt 10,8; At. 6,1-7.

5) Recusamos ser chamados, oralmente ou por escrito, com nomes e títulos que signifiquem a grandeza e o poder (Eminência, Excelência, Monsenhor...). Preferimos ser chamados com o nome evangélico de Padre. Cf. Mt 20,25-28; 23,6-11; Jo 13,12-15. 

6) No nosso comportamento, nas nossas relações sociais, evitaremos aquilo que pode parecer conferir privilégios, prioridades ou mesmo uma preferência qualquer aos ricos e aos poderosos (ex.: banquetes oferecidos ou aceitos, classes nos serviços religiosos). Cf. Lc 13,12-14; 1Cor 9,14-19.

7) Do mesmo modo, evitaremos incentivar ou lisonjear a vaidade de quem quer que seja, com vistas a recompensar ou a solicitar dádivas, ou por qualquer outra razão. Convidaremos nossos fiéis a considerarem as suas dádivas como uma participação normal no culto, no apostolado e na ação social. Cf. Mt 6,2-4; Lc 15,9-13; 2Cor 12,4.


8) Daremos tudo o que for necessário de nosso tempo, reflexão, coração, meios, etc., ao serviço apostólico e pastoral das pessoas e dos grupos laboriosos e economicamente fracos e subdesenvolvidos, sem que isso prejudique as outras pessoas e grupos da diocese. Ampararemos os leigos, religiosos, diáconos ou sacerdotes que o Senhor chama a evangelizarem os pobres e os operários compartilhando a vida operária e o trabalho. Cf. Lc 4,18s; Mc 6,4; Mt 11,4s; At 18,3s; 20,33-35; 1Cor 4,12 e 9,1-27.

9) Cônscios das exigências da justiça e da caridade, e das suas relações mútuas, procuraremos transformar as obras de “beneficência” em obras sociais baseadas na caridade e na justiça, que levam em conta todos e todas as exigências, como um humilde serviço dos organismos públicos competentes. Cf. Mt 25,31-46; Lc 13,12-14 e 33s. 10) Poremos tudo em obra para que os responsáveis pelo nosso governo e pelos nossos serviços públicos decidam e ponham em prática as leis, as estruturas e as instituições sociais necessárias à justiça, à igualdade e ao desenvolvimento harmônico e total do homem todo em todos os homens, e, por aí, ao advento de uma outra ordem social, nova, digna dos filhos do homem e dos filhos de Deus. Cf.At. 2,44s; 4,32-35; 5,4; 2Cor 8 e 9 inteiros; 1Tim 5, 16.

11) Achando a colegialidade dos bispos sua realização a mais evangélica na assunção do encargo comum das massas humanas em estado de miséria física, cultural e moral - dois terços da humanidade - comprometemo-nos:


– a participarmos, conforme nossos meios, dos investimentos urgentes dos episcopados das nações pobres;

– a requerermos juntos ao plano dos organismos internacionais, mas testemunhando o Evangelho,como o fez o Papa Paulo VI na ONU, a adoção de estruturas econômicas e culturais que não mais fabriquem nações proletárias num mundo cada vez mais rico, mas sim permitam às massas pobres saírem de sua miséria.

12) Comprometemo-nos a partilhar, na caridade pastoral, nossa vida com nossos irmãos em Cristo, sacerdotes, religiosos e leigos, para que nosso ministério constitua um verdadeiro serviço; assim:

– esforçar-nos-emos para “revisar nossa vida” com eles;

– suscitaremos colaboradores para serem mais uns animadores segundo o espírito, do que uns chefes segundo o mundo;

– procuraremos ser o mais humanamente presentes, acolhedores...;

– mostrar-nos-emos abertos a todos, seja qual for a sua religião. Cf. Mc 8,34s; At 6,1-7; 1Tim 3,8-10.

13) Tornados às nossas dioceses respectivas, daremos a conhecer aos nossos diocesanos a nossa resolução, rogando-lhes ajudar-nos por sua compreensão, seu concurso e suas preces.

AJUDE-NOS DEUS A SERMOS FIÉIS.

Nota sobre os participantes da celebração do pacto das catacumbas, na catacumba de Santa Domitila - Roma - 16 de novembro de 1965, por José Oscar Beozzo - São Paulo, 26-06-2009.

Na verdade, tive acesso a duas listas de presença, em diferentes momentos do Concílio (1962 e 1964) dos bispos que participavam do Grupo “Igreja dos Pobres”. Essas listas encontravam-se entre os papéis do Cardeal Lercaro, depositados no Instituto per le Scienze Religose de Bologna.

Não tenho, porém, a lista daqueles 39 bispos que estiveram na celebração da missa na Catacumba de Santa Domitila no dia 16 de novembro de 1965, quando foi firmado entre eles o Pacto das Catacumbas.

Quiseram fazer uma celebração discreta, longe da imprensa, com poucos bispos (inicialmente devia ser para 20 apenas), para evitar que seu gesto de despojamento e compromisso pudesse ser interpretado como uma “lição” aos demais bispos. Tanto assim que a primeira notícia da celebração só apareceu numa nota de Henri Fesquet no Jornal Le Monde, mais de três semanas depois, no dia de encerramento do Concílio, a 8 de dezembro de 1965, sob o título “Un groupe d’évêquês anonymes s’engage à donner le témoignage extériieur d’une vie de stricte pauvreté”, (Henri Fesquet, in Journal du Concile. Forcalquier: Robert Morel Editeur, 1966, pp. 1110-1113). A notícia não citava nomes.


Existe a lista dos que participaram naquela celebração. Ela se encontra entre os papeis de Mgr. Charles Marie Himmer, bispo de Tournai na Bélgica, que presidiu a concelebração daquela manhã e pronunciou a homilia. Trata-se do documento 80 dos “Papiers Himmer” depositado no Arquivo do Vaticano II na Universidade de Louvain. Não tive acesso a esse documento, mas é possível solicitá-lo à universidade, se Jon Sobrino ou o site da PUC-Rio se interessam. M. Lamberigts, professor de História em Leuven e Claude Soetens, também historiador em Louvain-la-Neuve poderiam eventualmente localizar o documento.


Posso dizer que  do Brasil, participaram da celebração, Dom Antônio Fragoso de Crateús CE, Dom Francisco Austregésilo Mesquita Filho de Afogados da Ingazeira, PE, Dom João Batista da Mota e Albuquerque, arcebispo de Vitória, ES, o Pe. Luiz Gonzaga Fernandes que estava para ser sagrado bispo auxiliar de Vitória, dias depois, lá mesmo em Roma, Dom Jorge Marcos de Oliveira de Santo André, SP, Dom Helder Camara, Dom Henrique Golland Trindade, OFM, arcebispo de Botucatu, SP, Dom José Maria Pires, arcebispo da Paraíba, PB. 

De outros países,  Mgr. Georges Mercier, bispo de Laghouat no Sahara, Mgr. Hakim, bispo melquita de Nazaré, Mgr. Haddad, bispo melquita, auxiliar de Beirute, Mgr. Gérard Marie Coderre, bispo de Saint Jean de Quebec do Canadá, Mons. Rafael Gonzalez Moralejo, auxiliar de Valencia na Espanha, Mons. Julius Angerhausen, auxiliar de Essen na Alemanha; da França, Mgr. Guy Marie Riobé, bispo de Orleans, Mgr. Gérard Huyghe de Arras, Mgr.Adrien Gand, bispo auxiliar do Cardeal Liénart em Lille; da Itália, Mons. Luigi Betazzi, naquela época auxiliar do cardeal Lercaro emBologna; da África, Dom Bernard Yago, arcebispo de Abidjan na Costa do Marfim, Joseph Blomjous, bispo de Mwanza, na Tanzânia; da Ásia, Mons. Charles Joseph de Melckebeke, belga, mas bispo de Ningsia na China, expulso e morando em Singapura.


Havia também bispos do Vietnã e Indonésia. 

De outros países da América Latina, participavam do grupo Igreja dos Pobres, Mons. Manoel Larrain de Talca no Chile, Mons. Marco Gregorio Mc Grath do Panamá (diocese de Santiago de Veraguas), Mons. Leonidas Proaño de Riobamba, Equador; da Argentina, Mons. Alberto Devoto da diocese de Goya, Mons. Vicente Faustino Zazpe da diocese de Rafaela, Mons. Juan José Iriarte de Reconquista; do Uruguai, Mons. Alfredo Viola, bispo de Salto e seu auxiliar, Mons. Marcelo Mendiharat; da Colômbia, Mons. Tulio Botero Salazar, arcebispo de Medellín e seu auxiliar, Medina; Muñoz Duque de Pamplona, Raúl Zambrano de Facatativá e Mons. Angelo Cuniberti, vigário apostólico de Florencia.


Esses eram os mais fieis do grupo, mas para saer se estavam lá na Missa, é preciso verificar na lista daquele dia. Sei que também Paul Gauthier e Marie Thérèse Lescaze, os dois franceses, mas vivendo na Palestina e animadores da Fraternidade de Jesus Charpentier em Nazaré e do Grupo Igreja dos Pobres, no Concílio, participaram da celebração.

Um momento mais público do Grupo “Igreja dos Pobres” aconteceu na terceira sessão, em que dois documentos ali preparados, em novembro de 1964, recebeu a adesão de mais de 500 padres conciliares: Simplicitas et paupertas evangélica (Simplicidade e pobreza evangélica) e Ut in nostro ministério primus locus pauperum evangelizationi tribuatur (Para que em nosso ministério [episcopal], se dê o primeiro lugar DO RETIRO)