sábado, 30 de março de 2013

RETIRO 2013 - INTRODUÇÃO



RETIRO DE DOM EDSON DAMIAN 

CONTEÚDO DAS MEDITAÇÕES

INTRODUÇÃO AO RETIRO

CARO VISITANTE

Desligue o carro

Abaixe os vidros

Acenda as luzes internas

Identifique-se na portaria

Esta placa encontra-se na entrada de uma grande fábrica em Manaus.

A palavra “Visitante”, em primeiro lugar, não parece indicar apenas um ser ocasional e provisório no ambiente. Somos amigos, companheiros de caminhada e de buscas. Visitante desperta a curiosidade no que diz respeito à relação, ao imprevisível escondido em cada encontro. A visita remete ao outro, isto é, àquela dimensão que ainda não conheço e num ambiente que pode reservar gratas e extraordinárias surpresas devido aos sinais e aos laços tecidos, escondidamente e misteriosamente pelo Espírito dentro da experiência forte e envolvente do convívio fraterno. 


Visitante, relembra, neste retiro, a visita do Anjo à Maria, de Maria à Isabel, dos Pastores ao Menino recém nascido, dos Magos à Família em Belém, de Jesus a Nazaré, dos discípulos a Cafarnaum, da Samaritana a Jesus ao poço de Jacó, dos amigos de Betânia. Visitante recorda também todas as passagens do Evangelho que nos falam de visitas inesperadas e de encontros intensos que transformaram radicalmente a vida de muitas pessoas. Lembremos a visita de Charles de Foucauld ao Abbé Huvelin, início de uma conversão que o fez exceder-se em generosidade até o fim de sua vida.

Um visitante nunca vivencia sozinho e individualmente a realidade da visita. Sempre se supõe coparticipação e cumplicidade de quem o acolhe, de quem o espera, de quem o aguarda, para ir ao encontro dele e atender com esmero suas expectativas.


Quais as expectativas de tua vinda a este retiro da Fraternidade? 


A motivação que te trouxe aqui é de um visitante apressado, furtivo, interesseiro? Ou de um amigo-irmão inteiramente livre, despojado, disponível que deseja encontrar Jesus de Nazaré que há tempo está à tua espera para acolher tuas perguntas, teus pedidos, teus desejos e tuas buscas? Vieste livremente e aqui não és escravo da agenda carregada de compromissos. Aqui és dono do teu tempo e desejas entregá-lo gratuitamente ao Senhor.


Para entrares na condição de visitante, todavia, deves desligar o carro. 


A corrida aqui é diferente. É preciso estacionar o carro e andar a pé fim de não ser condicionado pela pressa, pela sofreguidão, pela impaciência. Um simples corredor pode reservar a beleza de um encontro, de um diálogo franco com outros que andam por aqui na mesma busca e aonde se pode vislumbrar e experimentar com intensidade o calor da fraternidade, do companheirismo, da amizade verdadeira que podem preparar para futuras ajudas mútuas e colaborações.


Desligar o carro significa silenciar profundamente para te predispores à escuta do outro, para permitir ao porteiro que te identifique e te prepare para o encontro demorado e profundo. Jesus disse que Ele mesmo, “é a porta, o porteiro e o pastor” (Cf Jo 10,1-9). “Tal é encargo que recebi de meu Pai”, assim conclui Jo 10.

O carro da vida que te conduz ao longo do caminho, precisa de vistoria e, deves lembrar-te que aqui não se corre como lá fora. Aqui não há nenhuma competição. No momento da chegada não importa a potência da cilindrada nem a marca do teu carro. Precisas desligar o motor para assumires um novo estilo, uma nova consciência. Desligar é silenciar o barulho que impede um dialogo franco com Aquele que te acolhe e que está à tua espera. “O silêncio é a medida do amor. Só quem ama sabe curtir o silêncio a dois. É ruidoso o mundo em que vivemos. Há demasiadas máquinas de fazer barulho: telefone, fax, rádio, TV, veículos, campainhas. Nosso cérebro habitua-se tanto à sonoridade excessiva que custamos a desligá-lo. Uns preferem remédios que façam dormir. Outros a bebida, as drogas. Assusta-nos a hipótese de manter a casa em silêncio. Decretar o jejum dos ruídos; deligar rádio, TV e telefone. Isso pode levar ao pânico.


A “louca da casa”, a imaginação, entra em rebuliço, supondo que há uma notícia importante a ser ouvida ou um telefonema de urgência a ser recebido. Ou experimenta-se o medo de si mesmo. Sentir-se ameaçado por si mesmo é uma forma de loucura frequente em quem, súbito vê-se privado de sons exteriores. Como alguém preso no elevador. Não é claustrofobia que amedronta. É o peso de suportar a si mesmo, entregue aos próprios ruídos interiores. É terrível o espectro de uma parcela dessa geração que se nutre de ruídos desconexos. Comunica-se por um código ilógico; balbucia letras musicais sem sentido; entope de sons os ouvidos, na ânsia de preencher o vazio do coração. São seres transcendentes, porém cegos. Trafegam por veredas perdidas, sem consciência de que procuram fora o que só pode ser encontrado dentro” (Frei Betto).


Como segunda condição, pede-se que abaixes o vidro. O vidro te limita à tua moradia, te enclausura em teu pequeno mundo. O vidro é sinal de barreira que defende e delimita o teu espaço. Na verdade, és  convidado a te abrires e te dispores ao encanto da escuta e do diálogo.

Quem abaixa ou abre o vidro, se entrega ao encanto de uma natureza e de uma realidade sem subterfúgios e sem máscaras que impedem o contato direto. Baixar o vidro vai possibilitar-te a visão de novos horizontes, o respiro refrescante, e ao mesmo tempo, proporcionar-te que entres em contato com o outro sem barreiras nem preconceitos. A realidade que vemos e encontramos precisa ser purificada por esta atitude: baixar nossa defesa e teimosa armação e silenciar com encanto diante da alteridade.

Vieste ao retiro para te encontrares com o Senhor e com teus irmãos e não para ficares separado. Comunitariamente vamos baixar o vidro de qualquer isolamento e de qualquer solitária separação. Baixar o vidro é gesto que mostra a vontade de romper com qualquer situação individualista, narcisista. A fraternidade presbiteral nasce do Sacramento da Ordem e nos ajuda a acolher no coração a afirmação profética do papa João Paulo II: “O ministério ordenado tem uma radical forma comunitária e apenas pode ser assumido como obra coletiva” (PDV 17).

Baixar o vidro é tecer laços visando colaboração, simpatia, cumplicidade, empatia e amizade de acordo com o que Deus vai providenciar e aos poucos te doar ao longo desta aventura.


Neste contexto de vida fraterna e de abertura para uma pastoral cada vez mais missionária e comprometida com os pobres, é que se pede como terceiro passo que acendas as luzes internas. No caso sublinhado pela placa, acender as luzes internas, permite a quem está no exterior localizar e reconhecer melhor o morador do veículo. 


Em linguagem figurativa, significa que é preciso ser iluminado ou deixar-se iluminar para ser identificado com facilidade. “Não se acende uma lamparina para colocá-la de baixo de uma caixa, mas para colocá-la num candelabro a fim de que ilumine a todos os que estão em casa” (Mt 5,15), ou seja, para que todo mundo possa enxergar. Acender as luzes internas é ação delicada que requer a decisão de romper com as trevas. É uma enérgica e consistente decisão de inevitável ruptura com uma situação estática e, talvez, reveladora do caos no qual persistem realidades obscuras que resistem à luz. É preciso coragem para romper o esconderijo de nossos egoísmos e de nossas visões parciais e deformadoras que nos dão a ilusão de que o pequeno mundo que nos rodeia já expressa “o novo céu e a nova terra” (Ap 21).


Com a criação da luz, no início de sua obra, Deus deu um basta à indefinição envolta inexoravelmente nas trevas. Essa é, na verdade, a primeira palavra que celebra o despontar da vida, o aparecer da vida com todas as suas maravilhas, com suas infinitas cores e a fantasia de suas exuberantes formas.


Em seguida, nas poucas e incisivas linhas da placa, não se requer apenas que o visitante se mostre, mas que revele prontamente a sua identidade, o seu ser, a sua interioridade.


“Vós sois a luz do mundo” (Mt 5,14) diz-nos Jesus, convidando - nos não apenas a acender a luz para ver a exterioridade e sim, a sermos luz e a fazê-la resplandecer a partir de nossa própria interioridade. Socorre- nos neste momento a certeza de que é a luz do Espírito que nos habita, nos alimenta e nos impulsiona, arde em nós tornando-nos chama, fogo, faísca que rapidamente determinam nosso testemunho. “Brilhe a vossa luz diante dos homens para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o Pai que está nos céu” (Mt 5,16).Acender as luzes internas é assim tomar consciência, cada vez mais, da iniciativa do Espírito que nos antecede e que só precisa ser acolhido, ser escutado e ser amado para configurar nossa vida à vida do Bem Amado, para dar peso e força à nossa fiel e comprometida “martiría” em nome de Jesus. Na Igreja primitiva, o Batismo era também chamado de iluminação.


É notória cientificamente a velocidade da luz. Ela depende, porém, da intensidade da fonte. Uma coisa é a luz de uma estrela e outra a luz de um planeta. A primeira perfura as trevas com a rapidez proveniente de sua fonte a segunda só se dá como reflexo. Uma clareia e define os contornos aquecendo e queimando, a outra apenas oferece uma pálida amostra. Acender as luzes internas é arrancar-te da escuridão, da treva, do esconderijo secreto fazendo resplandecer a luz que já está no teu âmago, fruto de um dom que te antecedeu amando-te e iluminando-te por primeiro.


Meus irmãs e irmãs, de lugares diferentes e distantes, no início deste retiro somos convidados a: parar da correria desligando o motor, abaixar os vidros para uma autêntica comunicação, acender as luzes internas para fazer aflorar o arco-íris escondido no porão! Estas atitudes favorecerão um encontro na plenitude de tua identidade profunda, através da íntima comunhão com o Bem Amado Irmão e Senhor e da convivência fraterna sob a luz e orientação do Espírito Santo.


Por fim, os agentes do retiro, colocados na devida hierarquia, são os seguintes:

O Espírito Santo é o protagonista da ação santificadora dos cristãos e da missão evangelizadora da Igreja. “Técnicas e instrumentos podem ajudar, porém, jamais substituem a “ação discreta” do Espírito Santo que faz arder o coração do discípulo e da discípula de Jesus e o/a coloca no caminho dos irmãos para expressar a sua experiência” (DGAE, 108). “Não entristeçais o Espírito Santo com o qual Deus vos marcou como com um selo para o dia da libertação” (Ef 4,30).E não esqueçamos que o Espírito

Santo chega sempre primeiro que o missionário.

Cada retirante, com suas angústias e esperanças, com seus êxitos e fracassos, com a disposição de dar o melhor de si para acolher e escutar o Senhor que quer lhe falar ao coração: “Oxalá ouvísseis hoje a sua voz: não endureçais os vossos corações como em Meribá, como em Massa, no deserto, em que outrora vossos pais me provocaram apesar de terem visto as minhas obras” (Sl 94,8-9). O caminho mais difícil é o que conduz para dentro de nós mesmos.

Os irmãos participantes podem nos ajudar e também atrapalhar. Solidários na vocação e na missão, sintamo-nos também corresponsáveis uns pelos outros na busca de Deus, colaborando para criar o ambiente e as condições favoráveis aos nossos irmãos para que possamos colher os melhores frutos do nosso retiro: no silêncio fecundo, na leitura orante, na adoração, nas celebrações, nas conversas a dois.


O orientador é um irmão que sugere em voz alta as reflexões, dá pistas, sugestões. É um companheiro de viagem, um copiloto, que se parece um pouco com a “burrinha de Balaão”, que chuta algumas coisas.


Não direi novidades. Tentarei ajudá-los a fazer emergir os valores que já estão dentro de vocês, no coração do povo, no meio das comunidades que o Senhor confia ao amor missionário de vocês, pois “o Reino de Deus já está no meio de nós” (Lc 17,21).


Canto: “Em silêncio abandona-te ao Senhor” e Oração do Abandono.