sábado, 14 de março de 2020

MARIANO PUGA - FALECIMENTO

MARIANO CHEGOU AO PAI


MARIANO PUGA CONCHA
Santiago de Chile
* 25 ABRIL 1931
+ 14 MARÇO 2020




MARIANO PUGA 

Mariano está ficando… porque quando uma pessoa como ele morre fica definitivamente entre nós, em nossos corações e em nossa história… 

Mariano, como todos nós, tem muitos defeitos, mas suas virtudes são tão pouco comuns que eclipsam totalmente tudo o que poderia nos desgostar nele. 

Destaca-se a fortaleza de sua austeridade honesta e consistente, além da humildade de sua bondosa disposição, especialmente atenta aos mais pobres e sofridos. E agradecemos por sua inteligência não ser irônica... e por saber cantar bem e tocar o acordeão. 

Recordo-me que uma noite meu xará, o padre Roberto Mosher, descendo a rua Los Baqueanos, em Peñalolén, com as luzes de Santiago aos nossos pés e rodeados pelas vozes do bairro, ele me disse: 

"Eu não sei se nós cuidamos do povo ou é o povo que cuida de nós". 

E eu creio que Mariano Puga é um padre que tem sido cuidado pelo povo. O povo reconheceu neste "cuico" de nascimento (que nasceu na classe nobre) um homem profunda e verdadeiramente apaixonado pelo caminho dos pobres. 

As pessoas o têm acompanhado em todos os bairros onde ele esteve, e ele sempre acompanhou de perto a vida e os caminhos de todos com quem ele se encontrou durante a vida, sem se importar absolutamente se era crente ou não. 

Seu coração largo e generoso tem memória muito boa. Ouvi falar de Mariano Puga em 1979 e o conheci no inverno de 86, quando Rufino me convidou a tomar um café da tarde na Penélope, na casinha (meia-água) onde vivia Mariano no bairro Digna Rosa. 

Ali moravam também, nesse tempo, Juan Barraza, o Ticho e mais dois ou três. Eram os tempos difíceis da ditadura e comentavam sobre a repressão naquela região. 

Mariano liderava o Movimento contra a Tortura Sebastião Azevedo, de que fazia parte minha avó Josefina. Mariano me impressionou. Pela pobreza de seu estilo e pelas notícias que minha avó contava sobre ele nas ações de rua; quando, por exemplo, pôs-se de pé em frente a um policial e indicando-lhe o cassetete disse-lhe: "Você veio aqui para castigar o povo; bata em mim, pois aqui estou eu, bata em mim"! Minha avó me disse que o policial lhe deu as costas e coreu. 

Eu sou filho de um "cuico" (burguês, pessoa da classe alta) que se fez marxista e do MIR (Movimento de Esquerda Revolucionária) e sei que enamorar-se pelo caminho dos pobres e apostar por defendê-los frente à injusta agressão do Senhor Dinheiro, não é fácil nem gratuito. Entretanto, para Mariano, o ideal não era uma dinâmica social, mas apenas uma pessoa: Jesus de Nazaré e seu Evangelho, quando nos diz que o Deusinho (o próprio Deus mesmo! O Criador da criação!) estava com os pobres.

É preciso dizer que nos anos 60 e 70 houve muitos padres e freiras que optaram claramente pelos pobres e se uniram a eles cúmplices na amizade (dom Enrique Alvear, Alfonso Baeza, don Fernando Ariztía, Roberto Bolton, Pablo Richard, Blanca Rengifo, Ronaldo Muñoz, Meche e Elena Chaín, Esteban Gumucio, Karoline Meyer, Pepe Aldunate, Anita Gossens, Ignacio Vergara…). 

Mariano nunca foi um solitário. Mariano foi muito motivado a seguir Jesus no estilo do francês Carlos de Foucauld, um visconde que se fez pobre e "irmão de todos", seguindo Jesus. 

Puga se fez operário com uma equipe de pintores de edifícios, trabalhando todas as manhãs até a hora do almoço e reservar a tarde para atender as comunidades. Certa vez, indo à casa de minha mãe à rua Lastarria, ouvi: “Robeeeertoooo…!!!” Era o Mariano, de cima de um andaime, com seu cone de papelão cheio de tinta que me fazia gestos de saudações. Ele estava sempre atento ao seu redor. Agora ele está morrendo em La Minga, sua casa em Villa Francia, sempre cercada por nomes.

Pelo ano 90 ou 91 alguém disse: " Mariano Puga está presente na consciência de todos os padres do Chile" e eu creio que é verdade e isso irrita a quase todos os bispos e a muitos padres que fazem atendimento com horários e 'condições respeitáveis'. E isso lhe custou. Mariano, algumas vezes, me falou de Nestor Paz Zamora e me deu seu blog. Nestor Paz foi um ex-seminarista boliviano (irmão do Jaime que foi presidente da Bolívia), que se uniu à guerrilha deixando após sua morte uma mensagem de amor e luta por um mundo melhor. Mariano deseja constantemente ser radical. Visitou-me em 2013 na África, meses depois do funeral de Pierre Dubois, que depois de uma entrevista, a revista "The Clinic" a intitulara "Os bispos não acertam uma".

Isso lhe trouxe problemas com os mencionados(ainda que agora é patente -e referendado pelo Papa - que o padre tinha toda razão) e Mariano desceu mais. Não lhe agrada ter inimizade com ninguém. Embora não seja baseado nos critérios do evangelho, é amigável mesmo com aqueles que pensam diametralmente opostos a ele.

Ele foi cadete nos tempos do tenente Augusto Pinochet na Escola Militar, mas duvido que lhe tivesse dado comunhão em alguma Missa após o golpe de 1973. Esteve preso na Villa Grimaldi e nos contou que um agente da DINA (Direção da Inteligência Nacional) acercou-se dele perguntando-lhe: "Padre, como posso fazer para batizar o meu filho"? Anos depois Mariano presidiu a Liturgia com a qual se abriu o Parque da Paz no mesmo lugar em que havia o horroroso quartel Terranova, onde desapareceram muitas pessoas.

Neste padre querido qualquer um(a) de nós se pode encontrar acolhido(a), muito especialmente nas dores que sofrem. É por isso que Mariano vai continuar por muitos anos na memória deste Chile que precisa gritar para consolar tantas feridas que a ganância deixa todos os dias em nossas populações e que arranca olhos violentamente, tentando em vão esconder seu pecado.

Roberto Guzmán 

La Bandera, 9 de março de 2020