O que foi muito bonito no encontro do Irmão Carlos com o seu Deus foi, antes de tudo, a acolhida do Padre Huvelin. Não avaliamos o quanto, nessa época, esta acolhida tenha sido excepcional - … a piedade era marcada por uma certa distância de Deus e não era habitual ser jogado imediatamente nos braços da Misericórdia… esta bondade, esta intuição do Padre Huvelin, foi realmente providencial como também foi providencial a bondade de sua prima, Maria de Bondy, que, a vida toda, foi para ele uma presença materna. É importante notar o quanto a bondade daqueles que o rodeavam abriu o Irmão Carlos para o encontro do Deus-Amor.
Quando devemos ajudar alguém neste caminho, podemos tão facilmente desfigurar o Rosto de Deus se nossas palavras e nossos atos não testemunharem este amor com que Deus nos ama. Ajudar a(o) irmã(ão) a encontrar Deus não seria antes de tudo dar testemunho desta bondade de Deus?
O Pe. Huvelin compreendeu que o Irmão Carlos era u m pobre que tinha sede de Deus e por isso não lhe fez grandes discursos. Recusou-se a discutir religião com ele, mas mandou-o beber na fonte: reconciliar-se com Deus e comungar.
Houve realmente, então, um encontro c om o Deus Vivo, que marcou o Irmão Carlos para a vida inteira. Anos depois, ele falará de “paz infinita, de luz radiosa” que ele experimentou nessa hora. Fez ao mesmo tempo a experiência do filho pródigo (Lc 15,11-32) que, no perdão, encontrou o Pai, e a dos peregrinos de Emaús (Lc 24,13-33), que depois de uma longa caminhada, reconheceram o Filho no pão partilhado.
O Irmão Carlos é um órfão. O autor de um recente livro sobre ele insiste no fato de que a morte de seus pais e principalmente a do pai, feriu-o profundamente. Seu pai, de fato, morreu em consequência de uma doença dolorosa, que tentaram esconder da criança porque, atingindo as células do cérebro, o pai foi ficando cada vez menos ele mesmo, apagando-se da vida familiar numa certa atmosfera de mistério.
Sobre esse fundo de ausência, seu encontro com Deus, experimentado como Pai, deve ter sido algo extraordinário.
Encontrar o Pai foi, para ele, fazer a experiência da Ternura de Deus, do perdão que nos chama, não à penitência, mas à festa. Num tempo marcado por um certo desinteresse pelo sacramento de Penitência, a parábola do Filho Pródigo é importante para compreender o que é a reconciliação com Deus.
É tão difícil compreender o amor com que somos amados enquanto não fizermos a experiência do perdão de Deus, enquanto não formos acolhidos como aquele que estava perdido (Lc 7,47). Essa experiência da misericórdia de Deus é também indispensável para criar em nós um coração misericordioso que saiba perdoar por sua vez (Mt 18,33).
Encontrar o Filho é reconhecê-lo na fração do pão, isto é, reconhecê-lo como Aquele que vem para salvar-nos fazendo-se servo, servindo à vontade do Pai, entregando sua vida por nós.
Para o Irmão Carlos, a Eucaristia foi, desde o primeiro dia, o tesouro da presença e o centro de sua vida… uma vida que será também “comida”, entregue a seus irmãos ao longo dos dias.
O Irmão Carlos encontrou, portanto, o Deus-Amor, que perdoa incansavelmente, que procura a ovelha perdida e já pressente, em Jesus, Aquele que veio com um pobre ao encontro do homem e que, dessa maneira, como pobre, continua caminhando em nosso meio. Aquele que está sempre presente no rosto do pobre.
Realmente, se o homem só pode ir ao encontro de Deus como pobre, é porque o próprio Deus veio como um pobre ao seu encontro.
Uma frase do Padre Huvelin irá acentuar essa ideia: “Jesus fez tanta questão do último lugar, que ninguém pôde tirar dele esse lugar”. É o mistério de Jesus servo, realizando nele o destino do Servo Sofredor de Isaías, aquele que foi contado entre os criminosos, enquanto carregava o pecado de multidões e intercedia pelos pecadores” (Isaías 53,12 e Lucas 23,34).
Antes de refletir sobre a oração em si mesma, não seria oportuno perguntar-se se foi realmente este Deus que nós encontramos e se é a Ele que rezamos? Pois nossa oração é condicionada pela imagem que temos de deus. O Irmão Carlos pode ajudar-nos a descobrir este Rosto de Deus que falou ao seu coração.
Sete anos depois de sua conversão, quando deixa a Trapa para ir enfim ao encontro de Jesus no caminho de Nazaré, ele escreve: “Minha vocação é descer”. E, no fim da vida, comentando uma frase do Evangelho: “Ele desceu com eles para Nazaré”, escreve novamente: “A vida toda, Ele só fez descer. Descer encarnando-se. Descer fazendo-se criancinha, descer obedecendo, descer tornando-se pobre, abandonado, perseguido, torturado, colocando-se sempre no último lugar”.
É muito importante descobrir através do Evangelho a humildade de Deus, d’Aquele que vem a nós na pessoa de Jesus de Nazaré, Aquele que desce.
Em Belém, como uma criancinha sem defesa e um pobre sem abrigo
Em Nazaré, durante trinta anos, o tempo necessário para formar, com todas as suas reações, um homem simples e pobre, um homem dessa aldeia de onde não podia sair nada de bom (Mt 2,23-13, 54 a 58; João 1,46).
No Jordão, para ser batizado, colocando-se no meio dos pecadores, apesar dos protestos de João Batista (Mt3,13-16).
No deserto, para ser tentado: tentação de tomar um outro caminho, de não ser o servo (Mt 4,1-11).
À mesa de Zaqueu e à de Levi, ainda com os publicanos e pecadores (Mt 9,9-13; Lucas 19,1-10).
Aos pés dos discípulos, num gesto de escravo, quando chega sua Hora (João 13,1-20).
No meio dos condenados e excluídos, nas trevas de Getsêmani e do Gólgota (Mt 26,36-46; 27, 32-52) etc.
É preciso que cada uma (cada um) faça desses textos algo seu… Não se trata somente de lê-los, é preciso guardá-los no coração. É preciso chegar à convicção de que o Amor se torna pequeno diante daqueles a quem ama. É assim que, ao buscar os fundamentos da oração, somos sempre reconduzidos ao espírito de infância.
Para encontrar Deus é preciso tornar-se pequeno e pobre. Não há outro caminho…