quarta-feira, 11 de março de 2020

1- UM POBRE QUE PROCURA DEUS

PRIMEIRA ETAPA: UM POBRE QUE PROCURA DEUS 
Antes mesmo da conversão, o Irmão Carlos já tinha pressentido que Deus não se prova, mas se encontra… e que, para encontrá-lo, é preciso buscá-lo, sentir uma certa fome, precisar dele como um pobre. 

Poder-se-ia dizer que o Irmão Carlos rezou antes de crer: “Meu Deus, se Vós existis, fazei com que eu Vos conheça”… 

Adolescente, tinha rejeitado uma certa imagem de Deus e pensava ter perdido definitivamente a fé. Mas depois que esteve no Marrocos, sacudido pelo poder de testemunho de oração dos muçulmanos, pressentiu que Deus está além das possibilidades do conhecimento humano e que, por isso, não podemos fazer outra coisa senão chamá-lo para que venha ao nosso encontro, desejando esse encontro de coração. 

Afinal, o que ele pede, sem ter consciência disso, é o dom de Deu: o Espírito Santo. Aquele que nos ensina a dizer a Deus: “Pai”! (Rom. 8,15). 

Sem este Espírito, nada podemos fazer: “Só ele poderá fazê-las penetrar no mistério de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, modelando nelas um coração filial com o qual, como Jesus, poderão dizer em verdade: Abba, Pai...” (Constituições das Irmãzinhas de Jesus, cap. 11, art. 65). 

Seria bom começar por aí, porque o Espírito Santo é o “grande esquecido” na oração… invocar este Espírito que criou o primeiro homem (Gn 2,7) e que tem o poder de nos recriar, de nos dar um espírito novo, um coração novo (Ex.36,26-27) capaz de acolher a Deus. A vida toda do Irmão Carlos foi marcada por uma grande docilidade ao Espírito Santo: 

“Vamos deixar que a graça nos conduza… Vamos deixar que o Espírito Santo nos dirija e só tomemos as rédeas de nossa oração quando ele as colocar em nossas mãos”. 

O Irmão Carlos rezava fielmente três vezes ao dia, e muitas vezes no meio da noite, o hino “Veni Creator Spiritus”, Vinde Espírito Criador, oração que nos legou. É um meio muito simples, mas que não devemos abandonar. É preciso que essa oração não se torne uma rotina, mas que permaneça realmente um grito, um pedido de socorro, porque sentimos nossa incapacidade radical. 

Talvez seja bom reler a conversa de Jesus com Nicodemos, em João 3,1-21. Este, consciente de ser um “professor de religião”, se dirige a Jesus dizendo: “Nós sabemos”… e durante a conversa, Jesus se esforça para provar-lhe que justamente ele não sabe… por que, “para ver o Reino de Deus, é preciso nascer de novo, é preciso nascer do Espírito” (João 3,1-21). Podemos aproximar essa passagem de uma outra: “Se vocês não se tornarem como criancinhas, não entrarão no Reino dos Céus (Mt 18,3-4). Reencontramos, assim, a infância espiritual como fundamento da oração. 

O Irmão Carlos, procurando a Luz, tem uma consciência profunda de que não sabe. Procura como um pobe, como uma criança… e nós? É como um pobre, ou como um sábio que procuramos a Deus? (Mt 11,25-26). 

Creio que aí tocamos num ponto fundamental: ninguém pode chegar a Deus com suas próprias forças. Temos que acolhê-lo, como pobres e como pecadores que somos, na conversão do coração. 

Nisso o Evangelho é muito claro: 

o filho pródigo (Lc 15,11-32). 

a oração do publicano (Lc 18,9-14). 

a mulher perdoada aos pés de Jesus, em casa de Simão, o fariseu (Lc 7,36-50). 

e muitas outras passagens… 

O que também chama a tenção no Evangelho é que, muitas vezes, Jesus envia aqueles que acabou de curar ou perdoar para anunciar a Boa Nova:? O possesso geraseno e principalmente Pedro, que também precisou encontrar-se com Deus, sentir-se um pecador perdoado, antes de poder confirmar seus irmãos na fé (Mt 22,31-34). 

É importante que cada um de nós possa reler a história de sua própria vida, sua história humana, e talvez seja bom fazê-lo a esta luz: a luz de um Deus que perdoa, que abre os braços para nós, de um Deus que sempre acolhe quem se reconhece pobre e pecador e lhe dá um coração novo. 

É tão importante descobrir nas nossas vidas que Deus vem a nós o mais das vezes pelas “brechas” das nossas fraquezas e misérias… Nossa miséria nunca poderá impedir Deus de vir a nós, mas a nossa suficiência, sim. Ele não vem a nós por causa daquilo que nos orgulha, mas por causa daquilo que nos falta, pois “Ele veio para os doentes e não para os sadios, não veio chamar os justos, mas os pecadores”. (Mt 9, 12-13). 

É bom reler o Evangelho fazendo-nos este questionamento: “Onde nos colocamos para que Jesus possa encontrar-nos”? 

Não podemos sentir-nos assim tão seguras(os) de estarmos num bom lugar para que Jesus nos encontre e nos cure… Estamos do lado dos doentes ou dos sadios? No caminho daqueles que estão bem instalados em suas casas, ou com aquela pobre mulher que precisou esgueirar-se por entre o desprezo dos convidados até a sala do festim? 

Estamos do lado do filho pródigo ou do filho mais velho?