quarta-feira, 11 de março de 2020

6- VIDA QUE SE TORNA ORAÇÃO

SEXTA ETAPA: UMA VIDA QUE SE TORNA ORAÇÃO, A ORAÇÃO DE UM POBRE 


Nossas Constituições dizem: “As irmãzinhas se esforçarão por viver com olhar e o coração voltados para Jesus”. Contemplação no meio do mundo. Talvez seja uma definição da oração contínua? Sentimos bem no fundo do coração que nossa vida só poderá unificar-se quando chegarmos a viver assim, simplesmente, sob o olhar de Deus, em tudo o que fizermos. O que devemos fazer para chegar a isso? 

Nos seus escritos, o Irmão Carlos fala muitas vezes da atenção ao momento presente, porque, para ele, rezar é fundamentalmente acolher a vontade de Deus, fazer essa Vontade. Ora, o único lugar em que nossa vontade pode encontrar-se com a vontade de Deus é o momento presente. É nele que temos a possibilidade de dizer sim ou não à Sua vontade. 

Então, “rezar sem cessar” não é certamente ficar tenso para conseguir pensar em Deus o tempo inteiro. Ao contrário! Será ser habitada (o) por sua Palavra, estar atenta(o) o dia inteiro àquilo que Ele nos diz. O Pe. Voillaume disse uma vez: “Sabemos que a Palavra de Deus está viva dentro de nós quando ela incomoda. Uma palavra morta não incomoda, mas uma palavra viva nos desperta, nos queima na hora exata. É muito importante compreender que viver sob o olhar de Deus é tentar acolher sua vontade no momento presente, é ter uma consciência profunda dessa possibilidade tão simples de encontrá-Lo a cada instante, nos acontecimentos. 

Quando Jesus diz: “Aquele que me enviou está comigo e não me deixa só porque sempre faço o que Lhe agrada” (Jo 8,29), percebe-se bem que não está só porque “seu alimento é a vontade do Pai” (Jo 4,34). 

Muitas vezes no Evangelho, falando da vontade do Pai, Jesus diz: “é preciso”, mas não se trata da obrigação imposta de fora. É uma necessidade de amor, como ele diz a Zaqueu: “desce depressa! Hoje é preciso que eu fique em tua casa”. Isso quer dizer que o amor que arde em seu coração e que é seu próprio ser – Deus é Amor – o arrasta irresistivelmente a buscar e a salvar Zaqueu (Lc 19,1-10). 

Nos últimos anos de vida em Tamanrasset, o Irmão Carlos escreve: “É preciso rezar nossas fraquezas e nossa pobreza, porque elas são a ocasião de dizermos e de provarmos a Deus o nosso amor”. Nessa ocasião ele vive uma etapa muito rude em todos os planos. Tem muitas vezes o sentimento do fracasso, a oração é árida. Então, é toda a vida que ele oferece a Deus, uma vida de pobre. Seu amigo Moussa dirá, depois de sua morte: “Ele vivia aqui no nosso meio como pobre”. 

E nessa situação de extrema pobreza e incapacidade, tudo o que poderia parecer obstáculo a uma vida contemplativa torna-se oração: a falta de tempo, de lugar, a disponibilidade constante e sua consequência, a dispersão, o cansaço, a doença, o desânimo. Ele oferece tudo com um coração humilde. 

Nessa simplicidade extrema há uma orientação fundamental para nossa oração. Não é assim que os pobres rezam espontaneamente? 

Basta pensar no Santuário da Virgem de Guadalupe, no México, onde tantos pobres vêm rezar trazendo “sua vida nas mãos”: o bebê que acaba de escapar de uma doença grave, uma deficiência física que e coloca sob o olhar da Virgem, um sofrimento moral que se confia a ela, ou também a alegria de viver que se dança diante dela. 

Aqueles para quem Deus é o único recurso na tristeza e no sofrimento são os que podem ensinar-nos a rezar, porque Deus nunca fecha os ouvidos aos seus apelos: “um pobre clama, o Senhor o escuta e o atende”. 

Uma tradição hebraica diz que, quando todas as portas da oração parecem fechadas, há sempre uma que nos dá acesso a Deus: a do sangue e a das lágrimas. 

É importante familiarizar-se devagarinho com a oração dos pobres na Bíblia. Temos a bela oração de Ana, no começo do livro de Samuel, modelo de confiança daquela que conheceu a humilhação, e que Deus não pode decepcionar. Temos os salmos, os quais ecoam os gritos de sofrimento da humanidade, o lamento de Jó, e, enfim, a Virgem Maria, em quem Deus acumula a espera e a esperança de todos os pobres: o Magníficat anuncia as bem-aventuranças. 

O terço faz parte da oração dos pobres e seria pena não habituar-se a olhar os mistérios da vida de Jesus com os olhos de nossa Senhora, que viveu tão Profundamente o mistério de Nazaré e que foi associada, de um modo tão próximo, ao destino do Servo Sofredor. 

Não devemos também rejeitar ou desprezar certas devoções populares, que muitas vezes brotaram da vida e do coração dos pobres e, por isso mesmo, chegam até o Coração de Deus.