quarta-feira, 11 de março de 2020

3- VIVER SÓ PARA DEUS

TERCEIRA ETAPA – VIVER SOMENTE PARA DEUS, NO SEGUIMENTO DE JESUS DE NAZARÉ. 
Não sabemos se o Pe. Huvelin aconselhou o Irmão Carlos a ler muitos livros, mas sabemos que ele sugeriu uma viagem à Terra Santa, e essa peregrinação marcou-o muito e foi para ele o choque diante do realismo da Encarnação. Ele sabia que Jesus tinha se colocado no último lugar, mas chegando nos lugares onde se deu a Encarnação, foi como se O visse com seus próprios olhos, como se O tocasse com suas próprias mãos. 

Chega à Terra Santa num momento em que o país, os cristãos, estão marcados em todos os planos por uma grande pobreza. Nazaré era, realmente, uma aldeiazinha perdida, abandonada, em todos os pontos de vista. Descobre, então, a que ponto Deus nos amou. 

O Irmão Carlos é alguém que precisa sempre expressar na vida o que descobre e o que sente. A partir desse momento, seguir Jesus e viver somente para Deus, será algo extremamente concreto para ele: nessa aldeiazinha Jesus viveu durante trinta anos. Segui-Lo será, portanto, partilhar concretamente a mesma vida e viver somente para Deus. Será escolher esta vida escondida em Nazaré, numa condição de pobre. 

Haverá etapas, buscas, mas o essencial já está aí, em germe: é realmente Jesus presente na pessoa do pobre, na banalidade de Nazaré que ele quer encontrar na condição social que escolheu. 

Não há dúvida que o choque data desse tempo, pois sete anos mais tarde escreverá: 

“Tenho sede de levar, enfim, a vida que procuro há sete anos, a vida que entrevi, adivinhei, andando nas ruas de Nazaré, ruas que os pés de Nosso Senhor percorreram, como um artesão pobre, perdido na abjeção e na obscuridade”. 

É muito importante situar bem esta intuição fundamental do Irmão Carlos porque, se nós estamos na Fraternidade, é porque, de alguma maneira, fomos seduzidas (os) por Deus na pessoa de Jesus de Nazaré. 

Nazaré é o lugar de nossa contemplação é na partilha concreta de uma vida de pobre que podemos ser configuradas a Jesus pobre e servidor. 

Ser configurado é, de algum modo, adquirir o mesmo rosto, é assemelhar-se profundamente. Esta configuração é como a luz da inserção. Se não houvesse mais esse desejo, seríamos lâmpadas cuja luz estivesse apagada. 

E este “lugar” onde encontrarmos Jesus não é somente a capela da Fraternidade; é tudo o que está contido na partilha da condição de pobre: aguentar o trabalho cotidiano com todas as suas exigências, alegrias e durezas. Nossa oração deve brotar dessa comunidade de destino porque é neste cotidiano que Deus se esconde e nos espera. Não devemos procurá-lo em outro lugar. 

Para bem compreender isto devemos voltar à vida do Irmão Carlos. Foi provavelmente em Nazaré, no eremitério das Clarissas que ele teve mais tempo para rezar e condições exteriores que favoreciam o recolhimento e o silêncio. É desta época, aliás, que datam quase todos os seus escritos sobre a a oração. 

“Estou fixado em Nazaré. Moro numa cabana de madeira… Abracei aqui a existência humilde e obscura de Deus, Operário de Nazaré” (12/04/1897), carta a L. de Foucauld. 

Como ele, temos necessidade de enraizar-nos fortemente na oração. Temos que dar prioridade ao tempo para oração, nos começos da vida de fé. E será preciso saber, durante o resto da vida, retirar-se de vez em quando junto de Deus, ir com Ele ao deserto. 

Mas por que o eremitério das Clarissas em Nazaré não foi para o Irmão Carlos a realização de sua vocação contemplativa? 

“É o amor que deve recolher-te em Mim e não o afastamento de meus filhos. Vê-Me neles – e como Eu em Nazaré – vive perto deles, perdido em Deus”. - Escreve ele quando está pensando em instalar-se no Hoggar. 

É o amor que está no centro de todo chamado à contemplação e é este amor que vai levar o Irmão Carlos a deixar o silêncio do seu eremitério para ir a um “Nazaré” mais misturado com todos, mais perdido no meio dos homens! Beni-Abbés e finalmente Tamanrasset, onde vive só, sem a menor clausura, Tuaregue no meio dos Tuaregues. 

É a última etapa e uma grande pobreza marca nesse momento a sua vida: fisicamente sente-se “gasto”. Moralmente, tem a impressão de um fracasso, vai morrer sem companheiros...não somente não escreve mais muita coisa sobre a oração, mas parece não ter mais muitas palavras nem sentimentos na oração. E, no entanto, os testemunhos daqueles que se aproximam dele nessa época são unânimes: ele irradia uma presença, sua vida expressa uma ternura. É constantemente “devorado” pelos outros, mas seu coração permanece unido a Jesus. Tem certamente menos tempo para rezar do que em Nazaré, mas pela transparência revela a Jesus de Nazaré, o pobre, o servo, acolhendo todo sofrimento, atento a cada pessoa. É este amor apaixonado de Jesus que unifica toda a sua vida. 

O Evangelho sempre foi para ele um dos lugares privilegiados de encontro com Jesus: o Evangelho acolhido na simplicidade do coração. Mesmo se hoje em dia, com a renovação bíblica dispomos de melhores instrumentos de trabalho que o Irmão Carlos, seria pena não nos colocarmos à sua escola para acolhermos a Palavra na simplicidade de coração. 

O Irmão Carlos recebe o Evangelho realmente como uma criança. Assim que ouve a Palavra, prefere-a a tudo e tenta colocá-la em prática, fazê-la passar em sua vida. 

“Temos que nos deixar impregnar (“impregnar” faz pensar numa esponja que absorve a água) do Espírito de Jesus, lendo, relendo, meditando e meditando novamente sem cessar suas palavras e seus exemplos. Que sua ação sobre nossas almas seja como a da gota d’água que cai e recai sobre uma pedra, sempre no mesmo lugar”. 

Não se trata de uma meditação abstrata, mas de um olhar cheio de amor que precisa traduzir-se em atos, expressar-se na vida cotidiana. 

Assim, na vida de cada dia, o Evangelho é, para o Irmão Carlos, a luz que mantém acesa sua lâmpada, que lhe dá a capacidade de amor, não em palavras, mas em atos. Ele chega, então, àquele laço indispensável entre o conhecimento de Deus e a vivência do amor, de que São João falava com tanta força. 

É importante ajudar os (as) mais jovens a descobrirem que o fruto de uma oração autêntica, de uma verdadeira comunhão com Deus, é o amor fraterno, uma certa qualidade de amor que nos dá a capacidade de acolher todo ser humano com respeito, mansidão e humildade como Jesus acolhe. Podemos reler em São mateus o retrato de Jesus manso e humilde (11,28-30) e o do servo que não apaga a mecha que ainda fumega (12,18-21). 

“Vós tendes um só Pai que está nos céus”. “Deus criou o homem à sua imagem”. “Tudo o que fizerdes a um desses pequeninos é a mim que o fazeis”. Essas três palavras são suficientes para mostrar aos Irmãozinhos seu dever de imensa e universal caridade para com os homens, todos “filhos de Deus”, “Imagens de Deus” e “membros de Jesus”. (Antologia, pág. 453). 

Nesta perspectiva, contemplação e compromisso se encontram. Se não há verdadeira oração sem conversão do coração, esta conversão do coração, no caminho de Nazaré, comporta sempre uma dimensão social. Viver somente para Deus no seguimento de Jesus de Nazaré é ter realmente um olhar novo para cada pessoa, é amá-la como Ele a ama e é, ao mesmo tempo, como Jesus, contestar ela nossa maneira de ser e agir, certos comportamentos impostos pela sociedade, certos sistemas políticos que não respeitam os direitos das pessoas e principalmente os direitos dos mais pobres. 

O Irmão Paul Marnay tinha escrito certa vez: “O realismo do amor em contato com as realidades humanas, individuais e coletivas, nos convida a um olhar crítico e construtivo sobre a sociedade e nos impele a viver as suas consequências. 

Para resumir podemos dizer que: 

A contemplação de Deus Encarnado nos leva a descobrir em cada homem o rosto de um irmão. Esse rosto do irmão – principalmente se o sofrimento e a pobreza criam nele uma misteriosa transparência – nos revela o Rosto de Deus: Jesus de Nazaré. Esta convicção é indispensável para viver sem tensões no contexto conflitivo de Nazaré, porque é aí que se fundamenta a unidade de nossa vida.