domingo, 23 de abril de 2023

D. EDSON-O PRESBÍTERO-02



D. Edson Tasquetto Damian (Bispo de S. Gabriel da Cachoeira, AM

1. PERFIL EMERGENTE DO PRESBÍTERO DO NOVO MILÊNIO


Abertura do Dia de Espiritualidade

Com o tema “Novo Milênio: Novo Presbítero?!” e o sugestivo lema “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21,5), realizou-se de 02 a 06 de fevereiro de 2000, o 8° ENP. Acabamos de olhar o vídeo deste evento e certamente cada um está se perguntando: Afinal qual será o perfil do presbítero do novo milênio?

A “Pastores dabo Vobis” já nos alertava para este tema: “Há uma fisionomia essencial do presbítero que não muda: o padre de amanhã, não menos que o de hoje, deverá assemelhar-se a Cristo, que ofereceu em si mesmo o rosto definitivo do presbítero, realizando um sacerdócio ministerial do qual os apóstolos foram os primeiros a ser investidos; aquele é destinado a perdurar, a reproduzir-se incessantemente em todos os períodos
da história. O presbítero do terceiro milênio será, neste sentido, o continuador dos irmãos que, nos precedentes milênios, animaram a vida da Igreja (...), mas, é igualmente certo que a vida e o ministério do presbítero se deve adaptar a cada época e a cada ambiente de vida” (PDV 5).

Com muita sabedoria, Dom Helder nos diz: “Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para permanecer sempre o mesmo”.

O Pe Edênio Valle, lúcido articulador dos últimos ENPs, tentou esboçar o perfil emergente do novo presbítero numa reflexão publicada na Vida Pastoral: “embora bem consciente de que a figura do padre continuará sendo plural, resumirei nos seguintes pontos o novo modo-de-ser que está emergindo (ao menos idealmente), mas que precisa ser ainda cultivado”.

Num encontro de presbíteros do Norte 1 aprofundamos e completamos o perfil que partilho agora. Sonhamos alto com a consciência de que, como o Profeta Elias, “temos longo caminho a percorrer” (1 Rs 19,7).

· O presbítero do século XXI será alguém que (re)descobre e sente o apelo do Deus vivo. Somente sobre a base de uma experiência pessoal de seguimento de Jesus e de comunhão com Ele, com o
Pai e o Espírito, o padre será alguém capaz de entusiasmar homens e mulheres na mesma mística do seguimento e de ajudar o povo de Deus a viver a testemunhar a fé na plenitude de sua vocação. “O presbítero é um homem de Deus. Todavia, só lhe é dado ser profeta na medida em que tenha feito a experiência do Deus vivo. Só esta experiência o fará portador duma Palavra poderosa para transformar a vida pessoal e social das pessoas, de conformidade com o desígnio do Pai” (Puebla, 693).

· A caridade pastoral, vivida em sua dupla vertente: amor ao Bom Pastor e amor às pessoas que ele confia ao nosso ministério, será a marca da espiritualidade do presbítero e o eixo integrador entre vida interior e ação evangelizadora.

· Em meio a tantas solicitações e urgências, o presbítero precisa liberar-se para, nos termos de hoje, dedicar-se mais à oração e à pregação da Palavra (cf. At 6,4) como sendo as dimensões fundamentais de seu ministério. Ele precisa voltar a ser um mistagogo e um discípulo da Palavra. São traços que precisam atravessar todas as dimensões do serviço presbiteral: a celebração dos sacramentos, a coordenação da comunidade, o compromisso sócio-transformador.

· De maneira simples e direta, o presbítero será um “homem de oração”. Sem isso, não passará de um mero propagandista de doutrinas ou de um negociante de coisas sagradas. O encontro pessoal com Cristo e a prática do ministério pastoral com “os
olhos fixos n’Ele” (Lc 4,20) constituem a identidade profunda do presbítero. Ora, só à força de olhá-lo, é que se acaba amando a Jesus Cristo; mas só olhamos bem de joelhos.

Rezar é freqüentar Jesus” (Charles de Foucauld). “Só ao rezar, está o homem inteiro imediatamente presente diante de Deus. A fé do presbítero de hoje
é a fé de um presbítero que reza, de presbítero misticamente contemplativo, ou não é fé nenhuma.

O presbítero há de ser orante, se quiser ser crente e profeta da Boa Nova. Temos que ser presbíteros que rezam. Que suportam rezando as trevas da vida.

Mesmo se sua prece for participação na agonia do Horto ou no grito do Abandonado pelo Pai na cruz” (Karl Rahner).

· A mística do presbítero será sempre uma mística profundamente eucarística. Uma mística que tenha sua “fonte” e seu “cume” na Eucaristia celebrada com o povo e adorada em silêncio. Como ensina Tomás de Aquino, ela contém “todo o bem espiritual da Igreja”.

É efetivamente na Eucaristia que encontramos tudo:
Cristo com o Pai e o Espírito, a comunidade com os seus pastores, a oração da comunidade e toda a sua vida, trazida como matéria da oferenda, da intercessão e da ação de graças. A Eucaristia como sacramento da comunhão, realiza a síntese da Igreja e do Mundo, da ação e da contemplação, do ministério ordenado e dos leigos, de Deus e do gênero humano.

· Um traço cada vez mais imprescindível para a vida e o ministério do padre será o de uma efetiva comunhão-participação com seus irmãos presbíteros e com seu bispo. Os desafios e chances, as alegrias e tristezas, os fracassos e os êxitos de um padre pertencem ao presbitério do qual faz parte e no qual recebe seu mandato da Igreja. O trabalho pastoral em equipe, a revisão de vida, o senso eclesial, o apoio mútuo, o cultivo da amizade, as fraternidades de presbíteros são traços a serem permanentemente
trabalhados no futuro. Não se concebe mais um presbítero sem presbitério, assim como não se pode conceber um presbitério sem o povo de Deus.

· Numa Igreja missionária, ministerial e profética caberá ao presbítero ser o traço de união da comunidade e dos movimentos reunindo-os, para além de suas diferenças, em função de um só e mesmo compromisso com a pastoral de conjunto.

Até recentemente o padre concentrava em si “a síntese dos ministérios”. Compete-lhe agora “o ministério da síntese”. O presbítero de amanhã, mantendo sua função essencial de coordenação, deverá apoiar e suscitar os carismas, serviços e ministérios necessários à construção da comunidade em seu testemunho ao mundo. Para conseguir essas metas, o presbítero deve seriamente rever as prioridades de seu ministério, evitando a sobrecarga com tarefas burocráticas ou secundárias, descentralizando as atividades e confiando aos leigos e leigas os serviços, os ministérios que lhes convém, respeitando a iniciativa e a justa autonomia de todos os que se entregam ao serviço do Evangelho.

· A vizinhança do pobre e sua realidade é uma condição para manter o espírito evangélico numa sociedade narcisista, alienada e excludente como a nossa. “Assumimos nosso compromisso evangélico de honrar os pobres do Brasil inteiro, confirmando
nossa opção por eles: são a menina dos nossos olhos, o afeto de nossos corações! Voltamos a anunciar-lhes, com Jesus: “Felizes vocês que têm fome, porque serão saciados! Felizes vocês que agora choram, porque haverão de rir” (Lc 6,21-22 - Carta de Compromisso do 10º ENP 2004). “Os pobres nos evangelizam” (Puebla, 1147), quando assumimos sua ótica, fazendo nossas suas esperanças e comprometendo-nos com suas lutas e movimentos de libertação.

· O simples fato de colocar-se ao lado dos pobres, já provoca reações da parte dos opressores. Anunciar valores evangélicos que estão na contramão do capitalismo neoliberal, concentrador de bens e excludente da maioria do povo, inevitavelmente provocará conflitos e perseguições. “Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro, me odiou a mim. Se fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu...