Auditório Rainha
dos Apóstolos
Bondoso Pai, pelo teu
amado Filho Jesus, dá-nos o Espírito Santo, para
guardar no coração e gritar com a vida o evangelho do
Bom Pastor - Jo 10, 11-16 .
A imagem do pastor, sem
dúvida alguma, é a mais adequada para entender a vida e
o ministério do presbítero e chegar ao núcleo
identificador da pessoa do presbítero. A proposta, lançada
pelo Vaticano II, foi-se clareando e solidificando no decurso dos
últimos anos. O Pe Alberto Antoniazzi ao descrever os vários
modelos de padre no Brasil hoje, afirma que o primeiro modelo, o que
mais freqüentemente se encontra nos Encontros Nacionais de
Presbíteros é o padre pastor.
A “Pastores dabo
Vobis”, finalmente, apresenta-nos uma elaboração
amadurecida e acompanhada de sólida fundamentação
bíblico-teológica da nova configuração do
presbítero. O título e as palavras iniciais extraídas
do profeta Jeremias indicam a centralidade da imagem do pastor:
“Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração”(Jr
3,15). Embora ainda empregue muitas vezes a terminologia sacerdotal,
que o Concílio não conseguiu superar, a imagem que se
impõe e perpassa todo documento é a do pastor. Trata-se
de um símbolo inspirador mais sugestivo que as descrições
anteriores.
A identidade específica
do presbítero encontra-se, portanto, condensada e expressa na
caridade pastoral. “Os presbíteros são chamados a
prolongar a presença de Cristo, único e sumo Pastor,
atualizando o seu estilo de vida e tornando-se como que a sua
transparência no meio do rebanho a eles confiado” (PDV 15).
Esta tônica perpassa toda a “Pastores dabo Vobis” e se
traduz com uma imagem viva e real na conclusão: “Vós,
caríssimos presbíteros, fazeis isto porque o próprio
Senhor, com a força do seu Espírito, vos chamou para
levar, nos vasos de barro de vossa vida simples o tesouro inestimável
de seu amor de bom Pastor” (PDV 82).
Ser epifania,
transparência, ícone e sacramento do Cristo Pastor
constitui o cerne da identidade e espiritualidade presbiteral (cf.
PDV 15, 21, 25, 49, 72). É este o tesouro que carregamos em
vasos de barro. Por isso nunca é demais alertar que o
representante não ocupa o lugar do representado, na ausência
visível dele. Cristo é quem se faz presente na pessoa e
no ministério do presbítero.
Quem dele se aproxima
deve encontrar o rosto, o coração, as atitudes, e os
gestos do Bom Pastor. Ajuda-nos aqui um fato contado pelo o Pe José
Comblin. Certo dia, visitando uma comunidade do sertão, Dom
Helder viu uma velhinha que carregava com muito carinho uma imagem do
Pe Cícero e perguntou-lhe: “O que significa o Pe Cícero
para você? Para responder-lhe, colocou uma condição:
“E se eu lhe disser, o senhor não vai contar ao meu
vigário?” Do Helder assegurou-lhe: “Não minha
senhora, diga aqui no meu ouvido”. Ela respondeu: “O Pe Cícero
é o próprio Sagrado Coração de Jesus”.
Diante desta aparente heresia, Dom Helder comentou: “Para aquela
velhinha não existe nada de mais sublime que o Coração
de Jesus. O próprio Deus nos amando com o coração
humano! Porém, ele está invisível e se manifesta
no Pe Cícero que ama, acolhe, perdoa, ajuda as pessoas a se
reconciliarem e junto com o povo busca saídas para superar a
fome e a miséria”.
Segue uma síntese
da riqueza que a PDV (21 – 23) apresenta sobre a identidade do
presbítero sob o prisma da caridade pastoral:
1. Referência
primeira: Jesus Bom Pastor
A identidade do
presbítero fica assinalada e plasmada por aquelas atitudes e
comportamentos que são próprios de Cristo, Pastor e
Servo da Igreja e se expressam através da caridade pastoral. A
imagem do Pastor perpassa toda a Bíblia e traduz elementos da
experiência de Deus feita pelo povo de Israel.
Pastor é
autoridade e solicitude, firmeza e carinho, ternura e vigor. Javé
é aquele que caminha à frente do seu povo, guia,
conduz, providencia alimentos, vigia, defende, liberta do perigo, faz
aliança. A alegoria do pastor chega ao ponto mais alto em
Ezequiel 34 e no Salmo 23. Jesus se insere nesta tradição,
mas nos reserva uma surpresa. Ele próprio se proclamou “o
Bom Pastor”(ho poimên ho kalós: o “belo Pastor” Jo
10,11), não só de Israel, mas de todos os povos (Jo
10,16). Pedro declara Cristo o “Pastor e supervisor (épíscopon)”
de nossas almas (1Pd 2,25).
Mais: ele é o
“Pastor Supremo” (archipóimenos) de todos os presbíteros
pastores (1 Pd 5,4). A carta aos hebreus chama Cristo de “o Grande
Pastor das ovelhas”( Hb 13,20).
Os textos do N T
explicitam com clareza que, assim como só há um Senhor
e uma Cabeça, na Igreja só há um Pastor: Cristo.
Os presbíteros são escolhidos para tomarem parte do
pastoreio de Jesus. Esses são pastores apenas por delegação
e, portanto, por participação. Assim Pedro, a quem
Jesus ordena: “Apascenta os meus cordeiros...apascenta as minhas
ovelhas” (Jo 21,15-17).
Assim também os
presbíteros do NT em geral, segundo as palavras que lhes
dirige o Apóstolo Paulo: “Cuidai de vós mesmos e de
todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos estabeleceu
como guardiães, como pastores da Igreja de Deus que ele
adquiriu com o seu sangue” (At 20,28).
Isso tudo faz ver que o
presbítero é um homem todo relativo a Cristo. Está
a seu serviço e à sua disposição. Sua
vida é toda subordinada a Cristo-Pastor e voltada à
imitação do Bom Pastor.
Imbuído do mesmo
espírito da Cristo, com quem vive numa ralação
profunda de amizade, o presbítero deve traduzir os
sentimentos, as atitudes, os gestos e as palavras de Jesus, através
de sua vida e ministério.
- Fonte última: a Santíssima Trindade
O presbítero é
“sacramento” e “epifania” do Bom Pastor. Mas, justamente por
causa do mesmo Cristo, devemos remontar mais para o alto, e buscar a
fonte última dessa identidade no Mistério Trinitário.
Pois o próprio Cristo só encontra sua identidade no
contexto da Trindade. E é para dentro desse Mistério
que Ele nos leva como a nosso destino ultimíssimo.
É, com efeito, o
amor do Pai que envia seu Filho ao mundo e esse, por sua vez, envia
os Apóstolos: “Como o Pai me enviou, eu também vos
envio” (Jo 20,21). Ora, esse envio salvífico se prolonga na
ordenação presbiteral. O presbítero é um
enviado do Pai, como Cristo, na força do Espírito Santo
(cf. PDV 12; 18,5; 82,3).
Portanto, antes ainda
de o presbítero olhar para Cristo, ele é “olhado”
pelo Pai e por seu Filho Jesus Cristo. Efetivamente, os relatos de
vocação têm esta estrutura: Jesus “viu” e
então chamou (cf. Mc 1,16.19; 2,14), especialmente em relação
ao rico: “Fitando-o, Jesus o amou...” (Mc 10,21).Tudo isso
significa que o presbítero é um “apóstolo do
Pai”, um “servo de Cristo”, um “consagrado do Espírito
Santo”.
“É no interior
do mistério da Igreja como comunhão trinitária
em tensão missionária, que se revela a identidade
cristã de cada um e, portanto, a específica identidade
do presbítero e do seu ministério. O presbítero,
de fato, em virtude da consagração que recebe do
sacramento da Ordem, é enviado pelo Pai, através de
Jesus Cristo, ao qual como pastor do seu povo é configurado,
de modo especial para viver e atuar, na força do Espírito
Santo, ao serviço da Igreja e para a salvação do
mundo”(PDV 12).
As comunidades que o
presbítero ajuda a construir carregam o selo da Trindade: elas
devem refletir o mistério de comunhão de vida, de amor
e de alegria que circula no seio da Trindade. Na Santíssima
Trindade a Igreja possui a sua fonte de origem, o seu modelo de vida
e organização, a sua meta final ou pátria
definitiva: é o povo reunido a partir da unidade do Pai, do
Filho e do Espírito Santo (cf LG 4). Não por uma
exigência sociológica ou para agradar os contemporâneos,
mas para se fiel à sua essência e à sua missão,
a Igreja deve – também em suas estruturas e práticas
– ser “casa e escola de comunhão” (Novo Millennio
Ineunte, 43).
- Fonte específica: Sacramento da Ordem
Em virtude de sua
consagração especial os presbíteros são
configurados a Cristo Pastor e são chamados a imitar e a
reviver sua própria caridade pastoral. Consagrados de modo
particular a Deus pela recepção da Ordem tornam-se
instrumentos vivos do sacerdócio de Cristo, a fim de
prosseguirem no tempo a sua obra admirável que restaurou com a
divina eficácia a humanidade inteira.
Em virtude do ligame
ontológico a Cristo Sacerdote e Pastor, os presbíteros
agem em nome e na pessoa do próprio Cristo: proclamam a sua
Palavra, repetem os seus gestos de perdão e oferta de
salvação, exercitam a sua admirável solicitude,
até o dom total de si mesmos por aqueles que lhes são
confiados, reúnem na unidade o povo de Deus e o conduzem ao
Pai, por meio de Cristo no Espírito (cf. PDV 15 e 20).
O Sacramento da Ordem
torna a existência presbiteral “ungida” pelo Espírito.
Desse modo, o presbítero não “administra”
simplesmente os sacramentos: ele os vive. Não faz pastoral,
mas é pastor. Não está presbítero; ele é
presbítero. A unção sacramental o atinge em seu
ser e não apenas em seu fazer. Por isso, tudo nele é
“sacerdotal”. A pastoral por inteiro adquire uma dimensão
como que litúrgica: é uma oferenda a Deus. Assim via
Paulo sua missão. Em seu próprio apostolado,
entendia-se como um “oficiante de Cristo Jesus, junto aos pagãos,
sacerdote do Evangelho de Deus, a fim de que os pagãos se
tornem uma oferenda agradável, santificada no Espírito”
(Rm 15,16).
O ministério
presbiteral por inteiro, também em suas expressões
aparentemente mais seculares, é em si mesmo um “ministério
do Espírito” (2Cor 3,8) na medida em que move os corações,
produz a vida da graça e revela o rosto glorioso de Deus (cf.
2Cor 3,6-11).
Por conseguinte, o
próprio trabalho sócio-libertador há de ser
realizado com a unção do Espírito, ou seja, com
sua marca espiritual. Assim foi com o Messias, que veio “para
anunciar o evangelho aos pobres e libertar os cativos”, sempre a
partir do Espírito. Como Jesus mesmo testemunhou:
“o Espírito
está sobre mim, me ungiu e me enviou” (cf. Lc 4,18).
Portanto, também no serviço aos pobres e nas atividades
que abarcam a dimensão sócio-transformadora, o
presbítero é um homem “espiritual”