domingo, 23 de abril de 2023

D. EDSON-O PRESBÍTERO-04



Auditório Rainha dos Apóstolos

Bondoso Pai, pelo teu amado Filho Jesus, dá-nos o Espírito Santo, para guardar no coração e gritar com a vida o evangelho do Bom Pastor - Jo 10, 11-16 .

A imagem do pastor, sem dúvida alguma, é a mais adequada para entender a vida e o ministério do presbítero e chegar ao núcleo identificador da pessoa do presbítero. A proposta, lançada pelo Vaticano II, foi-se clareando e solidificando no decurso dos últimos anos. O Pe Alberto Antoniazzi ao descrever os vários modelos de padre no Brasil hoje, afirma que o primeiro modelo, o que mais freqüentemente se encontra nos Encontros Nacionais de Presbíteros é o padre pastor.

A “Pastores dabo Vobis”, finalmente, apresenta-nos uma elaboração amadurecida e acompanhada de sólida fundamentação bíblico-teológica da nova configuração do presbítero. O título e as palavras iniciais extraídas do profeta Jeremias indicam a centralidade da imagem do pastor: “Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração”(Jr 3,15). Embora ainda empregue muitas vezes a terminologia sacerdotal, que o Concílio não conseguiu superar, a imagem que se impõe e perpassa todo documento é a do pastor. Trata-se de um símbolo inspirador mais sugestivo que as descrições anteriores.

A identidade específica do presbítero encontra-se, portanto, condensada e expressa na caridade pastoral. “Os presbíteros são chamados a prolongar a presença de Cristo, único e sumo Pastor, atualizando o seu estilo de vida e tornando-se como que a sua transparência no meio do rebanho a eles confiado” (PDV 15). Esta tônica perpassa toda a “Pastores dabo Vobis” e se traduz com uma imagem viva e real na conclusão: “Vós, caríssimos presbíteros, fazeis isto porque o próprio Senhor, com a força do seu Espírito, vos chamou para levar, nos vasos de barro de vossa vida simples o tesouro inestimável de seu amor de bom Pastor” (PDV 82).

Ser epifania, transparência, ícone e sacramento do Cristo Pastor constitui o cerne da identidade e espiritualidade presbiteral (cf. PDV 15, 21, 25, 49, 72). É este o tesouro que carregamos em vasos de barro. Por isso nunca é demais alertar que o representante não ocupa o lugar do representado, na ausência visível dele. Cristo é quem se faz presente na pessoa e no ministério do presbítero.

Quem dele se aproxima deve encontrar o rosto, o coração, as atitudes, e os gestos do Bom Pastor. Ajuda-nos aqui um fato contado pelo o Pe José Comblin. Certo dia, visitando uma comunidade do sertão, Dom Helder viu uma velhinha que carregava com muito carinho uma imagem do Pe Cícero e perguntou-lhe: “O que significa o Pe Cícero para você? Para responder-lhe, colocou uma condição: “E se eu lhe disser, o senhor não vai contar ao meu vigário?” Do Helder assegurou-lhe: “Não minha senhora, diga aqui no meu ouvido”. Ela respondeu: “O Pe Cícero é o próprio Sagrado Coração de Jesus”. Diante desta aparente heresia, Dom Helder comentou: “Para aquela velhinha não existe nada de mais sublime que o Coração de Jesus. O próprio Deus nos amando com o coração humano! Porém, ele está invisível e se manifesta no Pe Cícero que ama, acolhe, perdoa, ajuda as pessoas a se reconciliarem e junto com o povo busca saídas para superar a fome e a miséria”.

Segue uma síntese da riqueza que a PDV (21 – 23) apresenta sobre a identidade do presbítero sob o prisma da caridade pastoral:

1. Referência primeira: Jesus Bom Pastor

A identidade do presbítero fica assinalada e plasmada por aquelas atitudes e comportamentos que são próprios de Cristo, Pastor e Servo da Igreja e se expressam através da caridade pastoral. A imagem do Pastor perpassa toda a Bíblia e traduz elementos da experiência de Deus feita pelo povo de Israel.

Pastor é autoridade e solicitude, firmeza e carinho, ternura e vigor. Javé é aquele que caminha à frente do seu povo, guia, conduz, providencia alimentos, vigia, defende, liberta do perigo, faz aliança. A alegoria do pastor chega ao ponto mais alto em Ezequiel 34 e no Salmo 23. Jesus se insere nesta tradição, mas nos reserva uma surpresa. Ele próprio se proclamou “o Bom Pastor”(ho poimên ho kalós: o “belo Pastor” Jo 10,11), não só de Israel, mas de todos os povos (Jo 10,16). Pedro declara Cristo o “Pastor e supervisor (épíscopon)” de nossas almas (1Pd 2,25).

Mais: ele é o “Pastor Supremo” (archipóimenos) de todos os presbíteros pastores (1 Pd 5,4). A carta aos hebreus chama Cristo de “o Grande Pastor das ovelhas”( Hb 13,20).

Os textos do N T explicitam com clareza que, assim como só há um Senhor e uma Cabeça, na Igreja só há um Pastor: Cristo. Os presbíteros são escolhidos para tomarem parte do pastoreio de Jesus. Esses são pastores apenas por delegação e, portanto, por participação. Assim Pedro, a quem Jesus ordena: “Apascenta os meus cordeiros...apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21,15-17).

Assim também os presbíteros do NT em geral, segundo as palavras que lhes dirige o Apóstolo Paulo: “Cuidai de vós mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos estabeleceu como guardiães, como pastores da Igreja de Deus que ele adquiriu com o seu sangue” (At 20,28).

Isso tudo faz ver que o presbítero é um homem todo relativo a Cristo. Está a seu serviço e à sua disposição. Sua vida é toda subordinada a Cristo-Pastor e voltada à imitação do Bom Pastor.

Imbuído do mesmo espírito da Cristo, com quem vive numa ralação profunda de amizade, o presbítero deve traduzir os sentimentos, as atitudes, os gestos e as palavras de Jesus, através de sua vida e ministério.

  1. Fonte última: a Santíssima Trindade

O presbítero é “sacramento” e “epifania” do Bom Pastor. Mas, justamente por causa do mesmo Cristo, devemos remontar mais para o alto, e buscar a fonte última dessa identidade no Mistério Trinitário. Pois o próprio Cristo só encontra sua identidade no contexto da Trindade. E é para dentro desse Mistério que Ele nos leva como a nosso destino ultimíssimo.

É, com efeito, o amor do Pai que envia seu Filho ao mundo e esse, por sua vez, envia os Apóstolos: “Como o Pai me enviou, eu também vos envio” (Jo 20,21). Ora, esse envio salvífico se prolonga na ordenação presbiteral. O presbítero é um enviado do Pai, como Cristo, na força do Espírito Santo (cf. PDV 12; 18,5; 82,3).

Portanto, antes ainda de o presbítero olhar para Cristo, ele é “olhado” pelo Pai e por seu Filho Jesus Cristo. Efetivamente, os relatos de vocação têm esta estrutura: Jesus “viu” e então chamou (cf. Mc 1,16.19; 2,14), especialmente em relação ao rico: “Fitando-o, Jesus o amou...” (Mc 10,21).Tudo isso significa que o presbítero é um “apóstolo do Pai”, um “servo de Cristo”, um “consagrado do Espírito Santo”.

É no interior do mistério da Igreja como comunhão trinitária em tensão missionária, que se revela a identidade cristã de cada um e, portanto, a específica identidade do presbítero e do seu ministério. O presbítero, de fato, em virtude da consagração que recebe do sacramento da Ordem, é enviado pelo Pai, através de Jesus Cristo, ao qual como pastor do seu povo é configurado, de modo especial para viver e atuar, na força do Espírito Santo, ao serviço da Igreja e para a salvação do mundo”(PDV 12).

As comunidades que o presbítero ajuda a construir carregam o selo da Trindade: elas devem refletir o mistério de comunhão de vida, de amor e de alegria que circula no seio da Trindade. Na Santíssima Trindade a Igreja possui a sua fonte de origem, o seu modelo de vida e organização, a sua meta final ou pátria definitiva: é o povo reunido a partir da unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo (cf LG 4). Não por uma exigência sociológica ou para agradar os contemporâneos, mas para se fiel à sua essência e à sua missão, a Igreja deve – também em suas estruturas e práticas – ser “casa e escola de comunhão” (Novo Millennio Ineunte, 43).

  1. Fonte específica: Sacramento da Ordem

Em virtude de sua consagração especial os presbíteros são configurados a Cristo Pastor e são chamados a imitar e a reviver sua própria caridade pastoral. Consagrados de modo particular a Deus pela recepção da Ordem tornam-se instrumentos vivos do sacerdócio de Cristo, a fim de prosseguirem no tempo a sua obra admirável que restaurou com a divina eficácia a humanidade inteira.

Em virtude do ligame ontológico a Cristo Sacerdote e Pastor, os presbíteros agem em nome e na pessoa do próprio Cristo: proclamam a sua Palavra, repetem os seus gestos de perdão e oferta de salvação, exercitam a sua admirável solicitude, até o dom total de si mesmos por aqueles que lhes são confiados, reúnem na unidade o povo de Deus e o conduzem ao Pai, por meio de Cristo no Espírito (cf. PDV 15 e 20).

O Sacramento da Ordem torna a existência presbiteral “ungida” pelo Espírito. Desse modo, o presbítero não “administra” simplesmente os sacramentos: ele os vive. Não faz pastoral, mas é pastor. Não está presbítero; ele é presbítero. A unção sacramental o atinge em seu ser e não apenas em seu fazer. Por isso, tudo nele é “sacerdotal”. A pastoral por inteiro adquire uma dimensão como que litúrgica: é uma oferenda a Deus. Assim via Paulo sua missão. Em seu próprio apostolado, entendia-se como um “oficiante de Cristo Jesus, junto aos pagãos, sacerdote do Evangelho de Deus, a fim de que os pagãos se tornem uma oferenda agradável, santificada no Espírito” (Rm 15,16).

O ministério presbiteral por inteiro, também em suas expressões aparentemente mais seculares, é em si mesmo um “ministério do Espírito” (2Cor 3,8) na medida em que move os corações, produz a vida da graça e revela o rosto glorioso de Deus (cf. 2Cor 3,6-11).

Por conseguinte, o próprio trabalho sócio-libertador há de ser realizado com a unção do Espírito, ou seja, com sua marca espiritual. Assim foi com o Messias, que veio “para anunciar o evangelho aos pobres e libertar os cativos”, sempre a partir do Espírito. Como Jesus mesmo testemunhou:

o Espírito está sobre mim, me ungiu e me enviou” (cf. Lc 4,18). Portanto, também no serviço aos pobres e nas atividades que abarcam a dimensão sócio-transformadora, o presbítero é um homem “espiritual”