Preferidos: Os pobres e
os excluídos
Cristo veio evangelizar
a todos e, por isso, teve como preferência específica:
evangelizar os pobres.
“Os primeiros destinatários da missão são os pobres, sendo a sua evangelização sinal e prova, por excelência, da missão de Jesus” (DP 1142). A opção pelos pobres impulsiona a Igreja a descobrir, sempre de novo, a exigência radical do Evangelho, libertando-a da acomodação e do conformismo aos “esquemas deste mundo” (cf. Rm 12,2).
“Os primeiros destinatários da missão são os pobres, sendo a sua evangelização sinal e prova, por excelência, da missão de Jesus” (DP 1142). A opção pelos pobres impulsiona a Igreja a descobrir, sempre de novo, a exigência radical do Evangelho, libertando-a da acomodação e do conformismo aos “esquemas deste mundo” (cf. Rm 12,2).
A evangélica
opção pelos pobres precisa ser assumida como valor
inquestionável da espiritualidade cristã, assim como é
a Palavra, a Eucaristia, a veneração a Maria. Por isso,
esta opção
deve ser elemento
integrador e unificador de toda a ação evangelizadora e
pastoral da Igreja.
A solidária
opção pelos pobres, que se constitui na grande diretriz
pastoral, não vem a se outra coisa que uma opção
pela vida do povo. A mudança do lugar social torna-se uma
exigência para a nossa espiritualidade e ação de
presbíteros. O nosso problema não é o ateísmo,
mas a negação que se faz do plano de Deus e do direito
que a Igreja possui de anunciá-lo, denunciando todas as formas
de injustiças e violação dos direitos humanos de
que são vítimas milhares de excluídos.
Misericórdia e
justiça são os dois fios condutores sempre presentes na
pregação e na prática de Jesus, manifestações
da sua caridade pastoral. A “terna misericórdia do coração
de nosso Deus” (Lc 1,78), o “amor materno” de Javé
revelam-se de modo pleno e definitivo naquele que se auto-intitulou
Bom Pastor e devem iluminar a prática daqueles que são
chamados a apascentar, em seu nome, as multidões que vagueiam
errantes pelos vales e montanhas, periferias miseráveis das
cidades e sertões esquecidos da nossa terra.
A relação
de Jesus com as multidões, que concretamente são as
maiorias empobrecidas e esvaziadas de sua memória e de suas
utopias, testemunha a fome e a sede de justiça que Ele mesmo
experimenta na medida em que se aproxima, comove-se e se compadece
(cf Mc 6,36).
Não são
duas realidades distintas, a misericórdia e a fome e sede de
justiça. Antes, a ambas o Senhor vai chamar de
bem-aventuranças, isto é, qualidades precípuas e
inseparáveis dos discípulos do Reino. Nesta chave, o
amor pastoral aparece cheio de afeto, ternura, comunhão
interpessoal ao mesmo que pleno de solidariedade, e compromisso
social e político na direção dos marginalizados
e excluídos, abandonados à própria sorte pelas
elites egoístas, avarentas e insaciáveis de ontem e de
hoje.
- Suprema expressão e alimento: A Eucaristia
A caridade pastoral
encontra a sua plena expressão e supremo alimento na
Eucaristia. “Esta caridade pastoral, diz-nos o Concílio,
brota sobretudo do sacrifício eucarístico, o qual
constitui o centro e a raiz da vida do presbítero, de modo que
a alma sacerdotal se esforçará por espelhar o que é
realizado sobre o altar do sacrifício”(PO 14).
“Na Eucaristia é
representado, ou seja, de novo tornado presente o sacrifício
da Cruz, o dom total de Cristo à sua Igreja, o dom do seu
Corpo entregue e do seu Sangue derramado, testemunho supremo do seu
ser Cabeça e Pastor, Servo e Esposo da Igreja”(PDV 23). O
rito da Ordenação Presbiteral expressa esta profunda
verdade em forma de compromisso que o ordinando assume: “Recebe a
oferenda do povo para apresentá-la a Deus. Toma consciência
do que fazes e põe em prática o que vais celebrar,
conformando tua vida ao mistério da cruz do Senhor”.
Precisamente por isso,
a caridade pastoral do presbítero não brota apenas da
Eucaristia, mas encontra na celebração desta a sua mais
alta realização. Da mesma forma que recebe dela a graça
e a responsabilidade de tornar eucarística a sua vida inteira
e o exercício do seu ministério.
Como não lembrar
agradecidos o que nos escreveu Papa na última Quinta-feira
Santa?
“Nós nascemos
da Eucaristia. O que dizemos de toda a Igreja, ou seja, que «de
Eucharistia vivit», como quis reiterar na recente Encíclica,
podemos perfeitamente afirmá-lo do sacerdócio
ministerial: este tem origem, vive, opera e frutifica « de
Eucharistia ». Não existe Eucaristia sem sacerdócio,
como não existe sacerdócio sem Eucaristia” (n.2).
« Mysterium
fidei: » proclama o sacerdote depois da consagração.
Mistério da fé é a Eucaristia, mas,
conseqüentemente, é-o também o próprio
sacerdócio (cf. Dom e Mistério, ob. Cit. pg. 89). O
mesmo mistério de santificação e de amor, obra
do Espírito Santo, pelo qual o pão e o vinho se tornam
o Corpo e o Sangue de Cristo, age na pessoa do ministro no momento da
Ordenação Sacerdotal. Há, portanto, uma
específica reciprocidade entre a Eucaristia e o sacerdócio,
reciprocidade que tem origem no Cenáculo: trata-se de dois
sacramentos que nasceram juntos e cujas sortes estão
indissoluvelmente ligadas até ao fim do mundo”(n.3).
Contra toda tentação
de pensar a liturgia eucarística como evasão ou fuga do
mundo, o Papa reafirma “com força” o empenho nas
realidades terrestres: “Desejo reafirmá-lo com vigor ao
início do novo milênio, para que os cristãos se
sintam ainda mais decididos a não descuidar dos seus deveres
de cidadãos da terra. (...) Muitos são os problemas que
obscurecem o horizonte do nosso tempo. Basta pensar quanto seja
urgente trabalhar pela paz, colocar sólidas premissas de
justiça e solidariedade nas relações entre os
povos, defender a vida humana desde a concepção até
ao seu termo natural. E também que dizer das mil contradições
dum mundo « globalizado », onde parece que os mais
débeis, os mais pequenos e os mais pobres pouco podem esperar?
É neste mundo que tem de brilhar a esperança cristã!
Foi também para isto que o Senhor quis ficar conosco na
Eucaristia, inserindo nesta sua presença sacrificial e
comensal a promessa duma humanidade renovada pelo seu amor. É
significativo que, no lugar onde os Sinóticos narram a
instituição da Eucaristia, o evangelho de João
proponha, ilustrando assim o seu profundo significado, a narração
do « lava-pés », gesto este que faz de Jesus
mestre de comunhão e de serviço (cf. Jo 13, 1-20). O
apóstolo Paulo, por sua vez, qualifica como « indigna »
duma comunidade cristã a participação na Ceia do
Senhor que se verifique num contexto de discórdia e de
indiferença pelos pobres (cf. 1 Cor 11, 17-22.27-34). Anunciar
a morte do Senhor « até que Ele venha » (1 Cor 11,
26) inclui, para os que participam na Eucaristia, o compromisso de
transformarem a vida, de tal forma que esta se torne, de certo modo,
toda « eucarística » (n.20).
- Caridade Pastoral: eixo integrador da vida e do ministério
Todo o exposto até
aqui demonstra que a caridade pastoral é o princípio
interior e dinâmico capaz de unificar as múltiplas e
diversas atividades do presbítero. É o eixo integrador
da sua espiritualidade, o cerne que unifica a vida e o ministério
presbiteral. “A unidade de vida, recorda o Concilio, pode ser
conseguida pelos presbíteros seguindo, no desempenho do
próprio ministério, o exemplo do Cristo Senhor, cujo
alimento era o cumprimento da vontade daquele que o tinha enviado a
realizar sua obra (...) Assim, representando o Bom Pastor, no próprio
exercício pastoral da caridade, encontrará o vínculo
da perfeição sacerdotal que tornará efetiva a
unidade entre a sua vida e atividade”(PO 14).
Trata-se aqui de
aprender a beber no poço do nosso ministério como nos
ensina o Vaticano II: “Caminho de santificação para o
presbítero é o próprio exercício do seu
ministério, de modo a tirar dele todo proveito espiritual”
(PO 13). Colocando em prática essa lúcida intuição
superaremos falsos dualismos que opõem contemplação
e ação, oração e pastoral, pois
ensinando, o presbítero também escuta e aprende com os
fiéis; pregando a Palavra é também evangelizado;
celebrando e santificando, o presbítero também ora e se
santifica; servindo e coordenando a comunidade, torna-se epifania e
sacramento do Bom Pastor.
Vivido desse modo, o
ministério torna-se fonte de espiritualidade, já que
seu centro é o amor ao Deus do Reino e a caridade pastoral
para os irmãos. Assim, a santidade do presbítero
irradia sem dúvida sobre a comunidade e ele se torna para o
povo o que João XXIII queria ser: uma “fonte na praça”.
O testemunho e a
fidelidade dos bispos e presbíteros, pastores-mártires
do passado e do presente, incentivam-nos a sermos autênticos
continuadores, epifania e sacramento da caridade pastoral de Jesus
que irrompeu no discurso inaugural da sinagoga de Nazaré,
concretizou-se em todos os seus gestos, atitudes, palavras, e
alcançou a plenitude na hora da Paixão. Presbíteros
consagrados e enviados pelo mesmo Espírito que ungiu e
conduziu o Bom Pastor, viveremos nossa espiritualidade e ministério
a serviço da libertação integral dos irmãos
que ele confia à nossa caridade pastoral.
“Anunciar a Boa Nova
aos pobres”, é a caridade evangelizadora. “Proclamar a
libertação aos presos”, é a caridade social.
“Recuperar a vista aos cegos”, é a caridade existencial.
“Restituir a liberdade aos oprimidos”, é a caridade
política (cf Lc 4,16s).
Nenhuma necessidade
humana pode passar descuidada pelo zelo do presbítero,
discípulo e testemunha do Bom Pastor Ressuscitado no serviço
à Igreja e aos homens e mulheres de hoje.