domingo, 23 de abril de 2023

D. EDSON-O PRESBÍTERO-06


Preferidos: Os pobres e os excluídos

Cristo veio evangelizar a todos e, por isso, teve como preferência específica: evangelizar os pobres.
“Os primeiros destinatários da missão são os pobres, sendo a sua evangelização sinal e prova, por excelência, da missão de Jesus” (DP 1142). A opção pelos pobres impulsiona a Igreja a descobrir, sempre de novo, a exigência radical do Evangelho, libertando-a da acomodação e do conformismo aos “esquemas deste mundo” (cf. Rm 12,2).

A evangélica opção pelos pobres precisa ser assumida como valor inquestionável da espiritualidade cristã, assim como é a Palavra, a Eucaristia, a veneração a Maria. Por isso, esta opção
deve ser elemento integrador e unificador de toda a ação evangelizadora e pastoral da Igreja.

A solidária opção pelos pobres, que se constitui na grande diretriz pastoral, não vem a se outra coisa que uma opção pela vida do povo. A mudança do lugar social torna-se uma exigência para a nossa espiritualidade e ação de presbíteros. O nosso problema não é o ateísmo, mas a negação que se faz do plano de Deus e do direito que a Igreja possui de anunciá-lo, denunciando todas as formas de injustiças e violação dos direitos humanos de que são vítimas milhares de excluídos.

Misericórdia e justiça são os dois fios condutores sempre presentes na pregação e na prática de Jesus, manifestações da sua caridade pastoral. A “terna misericórdia do coração de nosso Deus” (Lc 1,78), o “amor materno” de Javé revelam-se de modo pleno e definitivo naquele que se auto-intitulou Bom Pastor e devem iluminar a prática daqueles que são chamados a apascentar, em seu nome, as multidões que vagueiam errantes pelos vales e montanhas, periferias miseráveis das cidades e sertões esquecidos da nossa terra.

A relação de Jesus com as multidões, que concretamente são as maiorias empobrecidas e esvaziadas de sua memória e de suas utopias, testemunha a fome e a sede de justiça que Ele mesmo experimenta na medida em que se aproxima, comove-se e se compadece (cf Mc 6,36).

Não são duas realidades distintas, a misericórdia e a fome e sede de justiça. Antes, a ambas o Senhor vai chamar de bem-aventuranças, isto é, qualidades precípuas e inseparáveis dos discípulos do Reino. Nesta chave, o amor pastoral aparece cheio de afeto, ternura, comunhão interpessoal ao mesmo que pleno de solidariedade, e compromisso social e político na direção dos marginalizados e excluídos, abandonados à própria sorte pelas elites egoístas, avarentas e insaciáveis de ontem e de hoje.

  1. Suprema expressão e alimento: A Eucaristia
A caridade pastoral encontra a sua plena expressão e supremo alimento na Eucaristia. “Esta caridade pastoral, diz-nos o Concílio, brota sobretudo do sacrifício eucarístico, o qual constitui o centro e a raiz da vida do presbítero, de modo que a alma sacerdotal se esforçará por espelhar o que é realizado sobre o altar do sacrifício”(PO 14).

Na Eucaristia é representado, ou seja, de novo tornado presente o sacrifício da Cruz, o dom total de Cristo à sua Igreja, o dom do seu Corpo entregue e do seu Sangue derramado, testemunho supremo do seu ser Cabeça e Pastor, Servo e Esposo da Igreja”(PDV 23). O rito da Ordenação Presbiteral expressa esta profunda verdade em forma de compromisso que o ordinando assume: “Recebe a oferenda do povo para apresentá-la a Deus. Toma consciência do que fazes e põe em prática o que vais celebrar, conformando tua vida ao mistério da cruz do Senhor”.

Precisamente por isso, a caridade pastoral do presbítero não brota apenas da Eucaristia, mas encontra na celebração desta a sua mais alta realização. Da mesma forma que recebe dela a graça e a responsabilidade de tornar eucarística a sua vida inteira e o exercício do seu ministério.

Como não lembrar agradecidos o que nos escreveu Papa na última Quinta-feira Santa?

Nós nascemos da Eucaristia. O que dizemos de toda a Igreja, ou seja, que «de Eucharistia vivit», como quis reiterar na recente Encíclica, podemos perfeitamente afirmá-lo do sacerdócio ministerial: este tem origem, vive, opera e frutifica « de Eucharistia ». Não existe Eucaristia sem sacerdócio, como não existe sacerdócio sem Eucaristia” (n.2).

« Mysterium fidei: » proclama o sacerdote depois da consagração. Mistério da fé é a Eucaristia, mas, conseqüentemente, é-o também o próprio sacerdócio (cf. Dom e Mistério, ob. Cit. pg. 89). O mesmo mistério de santificação e de amor, obra do Espírito Santo, pelo qual o pão e o vinho se tornam o Corpo e o Sangue de Cristo, age na pessoa do ministro no momento da Ordenação Sacerdotal. Há, portanto, uma específica reciprocidade entre a Eucaristia e o sacerdócio, reciprocidade que tem origem no Cenáculo: trata-se de dois sacramentos que nasceram juntos e cujas sortes estão indissoluvelmente ligadas até ao fim do mundo”(n.3).

Contra toda tentação de pensar a liturgia eucarística como evasão ou fuga do mundo, o Papa reafirma “com força” o empenho nas realidades terrestres: “Desejo reafirmá-lo com vigor ao início do novo milênio, para que os cristãos se sintam ainda mais decididos a não descuidar dos seus deveres de cidadãos da terra. (...) Muitos são os problemas que obscurecem o horizonte do nosso tempo. Basta pensar quanto seja urgente trabalhar pela paz, colocar sólidas premissas de justiça e solidariedade nas relações entre os povos, defender a vida humana desde a concepção até ao seu termo natural. E também que dizer das mil contradições dum mundo « globalizado », onde parece que os mais débeis, os mais pequenos e os mais pobres pouco podem esperar? É neste mundo que tem de brilhar a esperança cristã! Foi também para isto que o Senhor quis ficar conosco na Eucaristia, inserindo nesta sua presença sacrificial e comensal a promessa duma humanidade renovada pelo seu amor. É significativo que, no lugar onde os Sinóticos narram a instituição da Eucaristia, o evangelho de João proponha, ilustrando assim o seu profundo significado, a narração do « lava-pés », gesto este que faz de Jesus mestre de comunhão e de serviço (cf. Jo 13, 1-20). O apóstolo Paulo, por sua vez, qualifica como « indigna » duma comunidade cristã a participação na Ceia do Senhor que se verifique num contexto de discórdia e de indiferença pelos pobres (cf. 1 Cor 11, 17-22.27-34). Anunciar a morte do Senhor « até que Ele venha » (1 Cor 11, 26) inclui, para os que participam na Eucaristia, o compromisso de transformarem a vida, de tal forma que esta se torne, de certo modo, toda « eucarística » (n.20).

  1. Caridade Pastoral: eixo integrador da vida e do ministério

Todo o exposto até aqui demonstra que a caridade pastoral é o princípio interior e dinâmico capaz de unificar as múltiplas e diversas atividades do presbítero. É o eixo integrador da sua espiritualidade, o cerne que unifica a vida e o ministério presbiteral. “A unidade de vida, recorda o Concilio, pode ser conseguida pelos presbíteros seguindo, no desempenho do próprio ministério, o exemplo do Cristo Senhor, cujo alimento era o cumprimento da vontade daquele que o tinha enviado a realizar sua obra (...) Assim, representando o Bom Pastor, no próprio exercício pastoral da caridade, encontrará o vínculo da perfeição sacerdotal que tornará efetiva a unidade entre a sua vida e atividade”(PO 14).

Trata-se aqui de aprender a beber no poço do nosso ministério como nos ensina o Vaticano II: “Caminho de santificação para o presbítero é o próprio exercício do seu ministério, de modo a tirar dele todo proveito espiritual” (PO 13). Colocando em prática essa lúcida intuição superaremos falsos dualismos que opõem contemplação e ação, oração e pastoral, pois ensinando, o presbítero também escuta e aprende com os fiéis; pregando a Palavra é também evangelizado; celebrando e santificando, o presbítero também ora e se santifica; servindo e coordenando a comunidade, torna-se epifania e sacramento do Bom Pastor.

Vivido desse modo, o ministério torna-se fonte de espiritualidade, já que seu centro é o amor ao Deus do Reino e a caridade pastoral para os irmãos. Assim, a santidade do presbítero irradia sem dúvida sobre a comunidade e ele se torna para o povo o que João XXIII queria ser: uma “fonte na praça”.

O testemunho e a fidelidade dos bispos e presbíteros, pastores-mártires do passado e do presente, incentivam-nos a sermos autênticos continuadores, epifania e sacramento da caridade pastoral de Jesus que irrompeu no discurso inaugural da sinagoga de Nazaré, concretizou-se em todos os seus gestos, atitudes, palavras, e alcançou a plenitude na hora da Paixão. Presbíteros consagrados e enviados pelo mesmo Espírito que ungiu e conduziu o Bom Pastor, viveremos nossa espiritualidade e ministério a serviço da libertação integral dos irmãos que ele confia à nossa caridade pastoral.

Anunciar a Boa Nova aos pobres”, é a caridade evangelizadora. “Proclamar a libertação aos presos”, é a caridade social. “Recuperar a vista aos cegos”, é a caridade existencial. “Restituir a liberdade aos oprimidos”, é a caridade política (cf Lc 4,16s).

Nenhuma necessidade humana pode passar descuidada pelo zelo do presbítero, discípulo e testemunha do Bom Pastor Ressuscitado no serviço à Igreja e aos homens e mulheres de hoje.