domingo, 23 de abril de 2023

D. EDSON-O PRESBÍTERO-05


  1. Âmbito imediato: Igreja Local

É no interior da comunidade eclesial, confiada ao seu ministério e em comunhão profunda com o presbitério unido ao bispo que o presbítero vive concretamente a caridade pastoral.
O Vaticano II assim explicitou: “A caridade pastoral exige que os presbíteros, para que não corram em vão, trabalhem sempre em união com os bispos e os outros irmãos no sacerdócio”(PO 14).

O Concílio recuperou o valor da Igreja local. A Igreja universal “subsiste nas Igrejas particulares e a partir delas existe a una e única Igreja Católica (LG 23). A Igreja Católica universal é todo o Povo de Deus, comungando entre si sob a guia do Papa e do Colégio dos Bispos, e se estende por toda a terra, ao passo que a Igreja local é uma porção do povo de Deus confiada ao pastoreio de um Bispo, com a cooperação do presbitério. Na Igreja local convocada
pela Palavra de Deus, santificada pelos Sacramentos, conduzida pelo Espírito, presidida pelo
Bispo e seu presbitério está verdadeiramente presente e operante a una, santa, católica e apostólica Igreja de Cristo (CD 11).

Com a Igreja local o Concílio recuperou a colegialidade. O cargo de bispo e de presbítero é sempre colegial: ninguém é bispo sozinho, mas num colégio episcopal; ninguém é presbítero sozinho, mas num presbitério. Todo presbítero é um “com-presbítero”.

O colégio dos presbíteros ou o presbitério é mais que um órgão meramente instrumental. É uma realidade que pertence à ontologia da graça sacramental, precisamente ao sacramento da Ordem. Por isso, o presbítero, mais que “trabalhar em equipe”, é essencialmente um “homem de equipe”. Não está no presbitério; é ou constitui o presbitério. A “colegialidade sacramental” ou ontológica é a base da “colegialidade pastoral” ou operativa. Isso significa que toda pastoral tem uma essencial forma comunitária; é uma “obra coletiva” (PDV 17,1).A pastoral de conjunto não se impõe apenas por injunções do momento histórico e da busca de eficácia, mas por exigências intrínsecas do próprio ser Igreja (que é communio teologal) e da essência do presbiterado (que é uma ordo sacramental).

Numa eclesiologia de comunhão, os cristãos e seus pastores são irmãos iguais em dignidade (cf. Mt 23,8-12; Mc 3,31-35; LG 32); diferentes quanto aos carismas, serviços e ministérios, entre os quais e à frente dos quais está o ministério pastoral, responsável pela unidade, santidade, catolicidade e apostolicidade da Igreja; solidários na responsabilidade de evangelizar o mundo e de edificar a Igreja sobre o único fundamento que é Jesus Cristo (cf. 1 Cor 3,11).

Cabe aqui lembrar que o espírito colegial deverá levar o presbítero a valorizar as Coordenações, os Conselhos, as Assembléias e todas as outras “estruturas de comunhão e participação”, onde a presença dos Leigos, Consagrados e de Vida Apostólica, ao lado dos Religiosas e Religiosos, se faz sentir como parte integrante da Ekklesia de Deus, reunida em assembléia, inclusive deliberante.

Esta 42ª Assembléia acolheu o testemunho da teóloga Maria Clara L.Bingemer que nos fez vários questionamentos: “Gostaria de fazer um destaque para a questão da relação do presbítero com a mulher... Temos que admitir que a presença da mulher ainda é, em certos meios clericais, um elemento perturbador. Trata-se da tentação presente, provocadora e ameaçadora da castidade do clero e da pureza do culto. Trata-se de algo ou melhor de alguém cuja sintonia com o sagrado ainda é parcial e defeituosa, não podendo jamais ser total. Isso acarreta que o tratamento por alguns presbíteros dispensado à mulher muitas vezes seja de suspeita, distância que fere e magoa. Ou então de uso e abuso – perdoem a franqueza – como mão de obra barata, simpática e sempre disponível para todas as tarefas. sobretudo as mais modestas, que ninguém quer assumir.

Creio que aqui está um grave desafio à vida e ministério do presbítero. O desafio de abrir as portas do coração a suas irmãs e companheiras mulheres e ajudá-las a tomar consciência da unção que também receberam no seu Batismo e que lhes dá o direito de participar no anúncio do Evangelho e no serviço alegre e disponível, carinhoso e amoroso, de todo o povo de Deus.

Se Deus criou a humanidade homem e mulher, excluir a mulher de tantos setores da vida da Igreja é cruel com a própria humanidade, além de profundamente desumanizador. A fraternidade eclesial, pela qual o presbítero é grandemente responsável, não se fará sem a presença desta que, com seu cuidado e jeito de ser, certamente abrirá para muitos as portas do Evangelho, e poderá chegar ali onde outros que não têm sua intuição, seu coração, sua experiência vital, não conseguem chegar”.

O Vaticano II, privilegiando a imagem de Igreja–Povo de Deus, não coloca o presbítero acima ao além do povo cristão. Embora revestido de uma missão específica, ele está dentro, faz parte do povo e com ele caminha na história. Antes de ser presbítero, ele é cristão, conforme nos ensina Santo Agostinho: “Atemoriza-me o que sou para vós; consola-me o que sou conosco. Pois para vós sou bispo (presbítero), convosco sou cristão. Aquilo é um dever, isto uma graça. O primeiro é um perigo, o segundo salvação” (Sermo 340, 1:Pl 38,1483; LG 32).

Destinação: doação de si à Igreja e à Humanidade A caridade pastoral é a virtude pela qual imitamos Cristo na entrega de si mesmo e no serviço do Reino. Não é apenas aquilo que fazemos, mas o dom de nós mesmos que manifesta o amor de Cristo pela humanidade. O ministério presbiteral é “amoris officium”, doação de si mesmo à Igreja como Cristo que “amou a sua Igreja e se entregou por ela” (Ef 5,25). A caridade pastoral determina nosso modo de pensar e de agir, o modo de nos relacionar com as pessoas. O dom de si mesmo não tem fronteira, porque é marcado pelo mesmo dinamismo apostólico e missionário do Bom Pastor que disse: “Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil: devo conduzi-las também; elas ouvirão a minha voz; então haverá um só rebanho e um só Pastor” (Jo 10, 16).

O presbítero, como Cristo, não pode reduzir seu raio de ação à Igreja apenas. Tem um olhar para fora, para o mundo. A esse o envia o Espírito, para levar-lhe a Palavra do evangelho da graça e da salvação. O presbítero, portanto, não é somente “homem de Deus” e “homem da Igreja”, mas é também “homem do mundo”, no sentido de que está a serviço de todos os homens e mulheres de hoje. Ora, para o presbítero, o mundo de hoje se apresenta como imenso campo de trabalho, trabalho de evangelização.

O Vaticano II, na constituição “Gaudium et Spes”, o primeiro documento conciliar a fazer uma ampla reflexão sobre a presença da Igreja no mundo, levou a sério a advertência de Jesus:

Quando vedes uma nuvem vinda do ocidente, logo dizeis que vem chuva. E assim acontece. Quando sentis soprar o vento sul, logo dizeis que vai fazer calor. E assim acontece. Hipócritas! Sabeis avaliar o aspecto da terra e do céu. Como é que não sabeis avaliar o tempo presente?Por que não julgais por vós mesmos o que é justo?” (Lc 12, 54-57).

Para desempenhar sua missão, a Igreja, a todo momento, tem o dever de perscrutar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho; para que assim possa responder, de modo adaptado a cada geração, às eternas perguntas dos homens a cerca do sentido da vida presente e futura, e da relação entre ambas. É, por isso, necessário conhecer e compreender o mundo em que vivemos, as suas esperanças e aspirações, e o seu caráter tantas vezes dramático” (GS 4 a)

Para por fim a todas as espécies de dualismos reducionistas, segue um dos textos mais lúcidos da GS: “Afastam-se da verdade os que , sabendo que não temos aqui na terra uma cidade permanente, mas que vamos em demanda da futura, pensam que podem por isso descuidar de seus deveres terrenos, sem atentarem a que a própria fé os obriga ainda mais a cumpri-los, segundo a vocação própria de cada um.(...) Não se oponham, pois, infundadamente, as atividades profissionais e sociais, por um lado, e a vida religiosa, por outro. O cristão que descuida os seus deveres temporais, falta aos seus deveres para com o próximo e até para com o próprio Deus, e põe em risco a sua salvação eterna”(GS 43) Vale a pena lembrar o que nos disse o Pe Alberto Antoniazzi nesta assembléia:

As pesquisas recentes sobre os presbíteros e a observação ao redor de nós nos mostram que um grande número de padres presta pouca ou nenhuma atenção aos “sinais dos tempos”, ou seja, aos acontecimentos históricos e à realidade da vida cotidiana, que são - para os cristãos – sinais da presença atuante de Deus na história. Entre as causas deste descuido, está a sobrecarga de trabalho pastoral, mas muitas vezes está também uma visão essencialista, quase atemporal, da realidade (o presbítero “fora do tempo”). É paradoxal que isto aconteça hoje, na sociedade atual, marcada pela “reflexividade”, ou seja, pela produção de sempre novos eventos, conhecimentos e informações, que induzem as pessoas e instituições a repensar continuamente suas decisões e seus rumos, para levar em consideração o dinamismo da sociedade ou... ficar atrasadas e desaparecer.

Traduzido em termos positivos, isto significa a necessidade de envolver efetivamente os presbíteros num processo de “formação permanente”, que o mantenha sintonizado com sua época, torne-o mais atento e capaz de ouvir e compreender os anseios do povo e de sua comunidade, torne mais agudo seu espírito crítico e mais pertinente a formulação de sua pregação da palavra evangélica”.