domingo, 23 de abril de 2023

D. EDSON-O PRESBÍTERO-09


Eucaristia do Dia de Espiritualidade

Nosso dia de espiritualidade ficaria incompleto sem a presença materna da Santa Maria de Nazaré – Nossa Senhora Aparecida do Brasil, a humilde serva do Senhor que entre nós quis aparecer pequenina, pobre e negra, com o rosto da maioria do povo brasileiro.

Nas bodas de Caná ela não se encontrava entre as damas de honra, mas entre os serventes. Percebeu logo quando serviram a última garrafa de vinho e recorreu a Jesus. Dirigindo-se aos serventes, deixou-nos o seu testamento porque também nós somos servidores do povo: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2,5).


A água transformada em vinho nos remete à Ceia do
Senhor como nos diz o Papa João Paulo II:


“Todas as vezes que repetimos o gesto de Cristo na Última Ceia, dando cumprimento ao seu mandato: “Fazei isto em memória de mim”, ao mesmo tempo acolhemos o convite que Maria nos faz para obedecermos a seu Filho sem hesitação: “Fazei tudo o que ele vos disser”. Com a solicitude materna manifestada nas bodas de Caná, ela parece dizer-nos: “Não hesitai,confiai na palavra do meu Filho. Se ele pôde mudar a água em vinho, também é capaz de fazer do pão e do vinho o seu corpo e sangue, memorial vivo da sua Páscoa” (EE, 54).


O primeiro sinal de Jesus aguça nossa expectativa para o melhor que ainda está por acontecer, pois vivendo de esperança em esperança acreditamos que o melhor sempre vem depois. “Vinho melhor foi guardado pra hora que já soou! Novo céu e nova terra, primavera já chegou!”, canta o poeta Zé Vicente.


Inspiro-me agora na Carta de Compromisso dos presbíteros que participaram do 10º ENP. Esta carta nos ajuda a identificar quais são os maiores desafios à ação evangelizadora de hoje e qual é o “vinho melhor” que os presbíteros somos convidados a servir através de nossa vida e ministério.


“Eles não têm mais vinho”


Como discípulos que procuram seguir Jesus hoje, vimos em sua companhia as multidões que nas cidades e nos campos, nos rios e matas de nosso país andam errantes, cansadas e abatidas como ovelhas sem pastor (Mt 9, 36). Ouvimos seu grito (Ex 3, 7), que clama desde todos os porões da exclusão social que caracteriza o atual processo de globalização da economia mundial. Atentos ao que nos pede a Mãe – “Fazei tudo o que ele vos disser”-
com Jesus, nossos corações encheram-se de compaixão. Na força de sua Palavra e na unção do Espírito (Mt 3, 16), anunciamos o Reino de Deus que
se aproxima (Mc 1, 15).


Atentos ao clamor dos pobres, comprometemos-nos a servir “o vinho melhor” das atuais Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil: promover a dignidade da pessoa, renovar a comunidade, e continuar contribuindo para a construção de uma sociedade solidária, onde Justiça e Paz possam abraçar-se (cf. Sl 84).


Promover a dignidade da pessoa


Afirmamos a grandeza do homem e da mulher, imagem e semelhança do Criador (Gn 1, 27; Sl 8, 5-7). A vocação humana está inscrita no horizonte de Deus, não no individualismo egocêntrico nem na liberdade que, sem Deus, desemboca em sua própria negação. Esta ameaça de frustração do humano, presente na sociedade pós-moderna, pode atingir também, por paradoxal que seja, nossa pessoa de presbíteros. A dimensão profética da vida cristã e do próprio ministério exigem uma palavra clara e corajosa sobre esta realidade.


Às vezes, por exemplo, pensamos e agimos como quem não conta realmente com Deus, fechando-nos num ativismo voluntarista e prometéico.


Ocorre, na prática, como se o secularismo da cultura ocidental fosse a referência de nossas vidas, sem refletirmos sobre as conseqüências do grande impasse de um mundo que se recusa a crer.


A frustração, o vazio que essa atitude acaba gerando, tem levado alguns à busca de segurança no status clerical ou nos sinais exteriores de autoridade. Não raro aparecem também, correlatas, atitudes narcisistas, disfarçadas na exagerada preocupação consigo mesmo, com a própria saúde, ou bem-estar.


Um presbítero assim torna-se incapaz de relações adultas e saudáveis, e por isso alterna subserviência, geralmente diante de autoridades, com prepotência, diante de colegas padres e/ou leigos e leigas com quem trabalha e a quem, não raro, atrapalha. Celibato, vida afetiva e o próprio ministério esvaziam-se, restando apenas o traço externo, contraditório e superficial do funcionário do sagrado.


Diante destes desafios, qual é o “vinho melhor” que desejamos oferecer?


Movidos pela caridade pastoral, centro de irradiação de nossa vida afetiva e espiritual, queremos oferecer ao Povo de Deus “o vinho melhor” do compromisso de buscar a sua felicidade e a nossa numa vivência profunda e adulta da Fé batismal que todos recebemos.


Esta Fé nos levará ao testemunho capaz de gritar o Evangelho com a vida, permanecendo abertos às pessoas e aos questionamentos e desafios de nosso tempo. Como presbíteros, fomos constituídos “administradores dos mistérios de Deus” (1Cor 4, 2). “Não nos apresentamos com o prestígio da palavra ou da sabedoria (...) Estamos no meio de nosso povo cheios de fraqueza, receio e tremor (1Cor 2, 1-3). É de dentro desta condição que “proclamamos a Cristo Jesus, não a nós mesmos” (2Cor 4,5).


Promovendo nossa própria dignidade em chave de serviço evangélico, no húmus de nossa verdadeira condição, ou seja, na humildade dos discípulos do Reino, acreditamos que estaremos sendo instrumentos de valor para a promoção da dignidade do povo brasileiro. O que esperamos de nosso Mestre e Senhor é a graça da gratuidade benfazeja, isto é, depois de termos feito tudo o que devíamos fazer, considerar-nos sinceramente como “simples servos” (Lc 17, 10).


Renovar a comunidade


Em meio aos grandes problemas e desafios de hoje, aparece um ponto luminoso e cheio de promessas em nossas reflexões e partilha de experiências: as comunidades de Igreja! Nelas, a participação generosa dos leigos e leigas que assumem sua vocação batismal brilha como um grande sinal e testemunho do Evangelho. Como não recordar com alegria, olhando nosso povo reunido e ativo, o ministério dos Apóstolos e seus colaboradores e colaboradoras, e as primeiras comunidades por eles fundadas, nos inícios do crescimento da Igreja? (cf. At 16,5; Cl 1, 3-8).


Vimos quanto é importante voltar às raízes do cristianismo, vivendo novas experiências de vida comunitária, de mútuo enriquecimento. É este o espaço propício para combinar o objetivo com o subjetivo, nossa preocupação com a sociedade e a promoção da pessoa.


O mercado não dá conta do amor, da paixão. Por isso, é preciso valorizar os aspectos de nossa identidade que nos levam à solidariedade, à partilha, à comunicação.


Face às demandas das comunidades que querem “ver Jesus, caminho, verdade e vida”, qual é o “vinho melhor” que pretendemos oferecer? Para oferecer “o vinho melhor”, assumimos o compromisso de renovar a comunidade, levando adiante o projeto missionário que visa maior presença da Igreja na Amazônia brasileira, ao mesmo tempo em que procuraremos suscitar vocações para o ministério ordenado, para a vida religiosa e para todos os serviços eclesiais nos centros urbanos e periferias.


Buscaremos incentivar nos seminários especial atenção às dimensões humano-afetiva, comunitária, espiritual e pastoral, ao lado da necessária qualidade da formação intelectual. A alegria da missão há de ser o sinal distintivo de nossas vidas, marcadas pela alegria do Evangelho!


Construir a sociedade solidária


Vimos as imensas possibilidades que o fenômeno da globalização abre para as pessoas em termos de acesso aos bens da cultura e da pesquisa científica, aos frutos do trabalho, à riqueza das nações, a formas cada vez mais perfeitas e imediatas de comunicação. Tudo aquilo, enfim, que proporcionaria mais liberdade, maior participação e autonomia ao ser humano nunca esteve tão perto de tantos, na história.


Vimos e ouvimos, porém, que o modelo econômico neo-liberal globaliza as desigualdades sociais em vez da solidariedade. Ao mesmo tempo em que cria empregos, oportunidades e salários fabulosos para poucos, gera desemprego e exclusão social de contingentes cada vez maiores de condenados à fome e a toda sorte de insegurança.


Enquanto exacerba o individualismo e o consumismo insaciável nas ilhas de prosperidade que inventa, condena à frustração verdadeiros continentes de miséria, obrigados a sobreviver abaixo da linha da pobreza.


Diante desta realidade injusta e geradora de violência, “o vinho melhor” que desejamos oferecer é o anúncio do Evangelho da Paz que é fruto da Justiça. Não podemos ser como cães mudos, ou sentinelas que dormem. Rejeitamos tanto o individualismo como o subjetivismo de uma pós-modernidade que leva à morte do homem. Por isso, assumimos o compromisso de apoiar as milhares de iniciativas populares, em toda a parte, que expressam a luta por um modelo de desenvolvimento sustentável, gerador de equilíbrio e justiça social, na consciência de que um outro mundo é possível.


Neste horizonte, queremos reassumir nosso compromisso evangélico de honrar os pobres do Brasil inteiro, confirmando nossa opção por eles: são
as meninas dos nossos olhos, o afeto de nossos corações! Voltamos a anunciar-lhes, com Jesus: “Felizes vocês que têm fome, porque serão saciados! Felizes vocês que agora choram, porque haverão de rir!” (Lc 6, 21- 22).


À Santa Mãe de Deus e nossa, que nos ensina a “fazer tudo o que o Filho nos disser”, permita-nos também entoar o Magnificat em sua amável companhia, em “atitude eucarística”:


“De fato, como o cântico de Maria, também a Eucaristia é primariamente louvor e ação de graças. Quando exclama: « A minha alma glorifica ao Senhor e o meu espírito exulta de alegria em Deus meu Salvador », Maria traz no seu ventre Jesus. Louva o Pai « por » Jesus, mas louva-O também « em » Jesus e « com » Jesus. É nisto precisamente que consiste a verdadeira« atitude eucarística ».


Ao mesmo tempo, Maria recorda as maravilhas operadas por Deus ao longo da história da salvação. Enfim, no Magnificat está presente a tensão escatológica da Eucaristia. Cada vez que o Filho de Deus Se torna presente entre nós na « pobreza » dos sinais sacramentais, pão e vinho, é lançado no mundo o germe daquela história nova, que verá os poderosos «derrubados dos seus tronos» e «exaltados os humildes» (cf. Lc 1, 52). Maria canta aquele «novo céu» e aquela «nova terra», cuja antecipação e em certa medida a síntese programática se encontram na Eucaristia.


Se o Magnificat exprime a espiritualidade de Maria, nada melhor do que esta espiritualidade nos pode ajudar a viver o mistério eucarístico. Recebemos o dom da Eucaristia, para que a nossa vida, à semelhança da de Maria, seja toda ela um magnificat! (EE, 58)


E agora, fiéis ao testamento da Mãe: “Fazei tudo o que Ele vos disser”, vamos celebrar com intenso júbilo e imensa gratidão o mandato do Filho amado do Pai, nosso divino e adorável Redentor: “Fazei isto em memória de mim”. Alimentados pelo “vinho melhor” prosseguiremos entregando nossa vida a serviço dos irmãos e irmãs que o Bom Pastor confia
ao nosso ministério diaconal, presbiteral e episcopal.