domingo, 23 de abril de 2023

D. EDSON-O PRESBÍTERO-03




O servo não é maior que o seu Senhor. Se me perseguiram, também vos perseguirão” (Jo 15, 18-20).
Neste contexto, seria pecaminoso tentar esquecer ou esconder o testemunho dos mártires e confessores da Igreja latino-americana que, nas últimas décadas, deram a vida em defesa dos direitos humanos e da justiça aos oprimidos. Três bispos (Mons Angelelli, Mons Oscar Romero e Mons Juan Gerardi), numerosos presbíteros (Pe Antônio Henrique Pereira Neto, Pe João Bosco Penido Burnier, Pe Rodolfo Lukembein, Pe Ezequiel Ramin, Pe Josimo Morais Tavares), religiosos de ambos os sexos e uma multidão de leigos/as anônimos ou conhecidos somente em nível mais local, constitui uma novidade inaudita na história da Igreja recente. Como não lembrar aqui a pobre, perseguida e pascal
Igreja de Roraima? Porque assume a defesa dos direitos dos Povos Indígenas recaem sobre ela os mesmos preconceitos, desprezo e perseguições de que os Índios são vítimas desde o descobrimento.

· Sobre a base dessa experiência pessoal de amor a Deus e ao próximo, o presbítero será alguém consciente de suas fragilidades e de suas potencialidades. Ao entregar-se a Deus e aos irmãos
ousará consagrar-se por inteiro ao serviço do Reino, tornando o celibato uma opção pessoal e livre. Por experiência própria ele descobrirá que a caridade pastoral (em sua dupla face: paixão por Jesus e compaixão pelo povo) pode preencher suas necessidades e carências enquanto ser humano que precisa amar e ser amado.

· O padre de amanhã aprenderá a melhor “cuidar de si” (cf At 20.28), a amar-se e respeitar-se, a confiar em si e nos outros, a ter tempo para o lazer, de modo a sentir-se equilibrado em todas as dimensões que nos realizam como seres humanos. Assim ele será e se sentirá um homem adulto realizado e feliz, capaz de ser ele mesmo no trato pessoal com as mulheres. Vale lembrar o testemunho de irmãos queridos que nos entusiasmam porque souberam ser profundamente humanos porque radicalmente cristãos. Quem mais alegre que o humaníssimo Francisco de Assis, meigo para com todas as criaturas, suas irmãs queridas? Não foi por acaso que uma comissão internacional o escolheu como o
homem que mais marcou o segundo milênio! Quem mais feliz que o bom Papa João, que a terna e misericordiosa Madre Teresa de Calcutá, que o suave e ao mesmo tempo vigoroso Dom Helder Câmara?

· O presbítero do futuro cultivará o senso crítico em relação à cultura, e à sua participação ativa no campo propriamente social e político. Sabendo que numa sociedade desigual e pluralista como a do Brasil ele não tem o direito de renunciar ao exercício da cidadania, buscará viver sua responsabilidade sociopolítica na perspectiva de seu serviço específico à comunidade e em comunhão com seus irmãos presbíteros.

· A tentação do autoritarismo e do poder continuará sendo uma ameaça permanente se não existir uma ativa fraternidade presbiteral e sólidas amizades com os leigos e leigas. Estas relações são o melhor antídoto à tentação do poder, do isolamento e do individualismo clericais. Devem ser cobradas por nós mesmos durante a formação e ao longo de toda a vida, incluídos os anos de aposentadoria. A amizade, a reciprocidade e a co-responsabilidade fazem parte de uma vivência plena do sacramento recebido (“intima fraternidade sacramental” PO 8).

· Persistem na Igreja certas estruturas que são inadequadas à proposta de evangelização que o povo espera dos presbíteros no limiar do novo milênio. Além disso, é flagrante a contradição entre
a clareza dos documentos eclesiais e o arcaísmo de estruturas que os inviabilizam. Também em relação a certos hábitos sedimentados, zelos ou receios devemos exercer uma critica paciente, objetiva e contínua, para rejuvenescer a Igreja e as comunidades que o Senhor confia ao nosso amor pastoral.

Mantenhamo-nos firmes no testemunho do amor de Deus e na esperança confiante de que, um dia, seja-nos dado ver concretizado o sonho que os bispos latino-americanos expressaram em Medellin: “Que se apresente cada vez mais nítido o rosto de uma Igreja autenticamente pobre, missionária e pascal, despojada do poder e corajosamente comprometida com a libertação do homem todo e de todos os homens” (Medellin 5,15).

· Nossa cultura é uma cultura da imagem e da comunicação rápida e extensiva. Somos envolvidos de todos os lados pelos meios de comunicação. Não podemos ignorar essa realidade, sem dúvida, ambígua. Mas, da mesma forma, não se pode reduzir a Igreja a uma realidade virtual, centrada em algumas figuras midiáticas. A atuação pessoal e direta do padre em comunidades de pessoas é ainda mais indispensável numa sociedade e cultura domesticadas pela informação massificada. Os presbíteros “de mídia” e “na mídia” – expressões do Pe. Zezinho – necessitam do acompanhamento e do discernimento do conjunto da Igreja e de cada presbitério. A mídia pode ser uma via válida para a evangelização, contanto que não a vejamos ingenuamente, ou como publicidade religiosa no contexto de disputa de um mercado em expansão. Educar à leitura crítica da mídia é outra tarefa que se faz prioritária.

-O padre do século XXI será um aprendiz, em permanente processo de atualização e formação. Precisará adquirir o hábito do estudo e da reflexão, como condição para o preenchimento digno de suas funções. O que um presbitério pode oferecer de melhor ao povo – ao lado da caridade pastoral – é a competência de seus membros e o saber especializado posto a serviço do bem de todos.

Para fechar este “perfil emergente” lembremos uma frase do Pe. Josimo, nosso irmão-mártir. Pouco antes de ser assassinado, ao falar de seu compromisso de presbítero no meio do povo abandonado do Bico do Papagaio, ele escreveu assim: “Desistir da justiça? Não!... Amedrontar a esperança? Jamais! Não abaixarei os olhos da linha do horizonte!”.

Josimo relembra aqui e aplica a si mesmo algo essencial na vida do presbítero, ontem como amanhã. Nessa frase pode-se reconhecer a mesma
diretriz irrenunciável contida em uma palavra eminentemente pessoal de Jesus: “Não há maior amor do que dar a vida pelos irmãos” (Jo15,13). Oxalá os presbíteros do século XXI tenhamos a graça de viver essa palavra do Amado Irmão e Senhor, confirmada pela entrega radical de tantos e selada pelo martírio de muitos irmãos no ministério do amor pastoral. O que esperamos de nosso Mestre e Senhor é a graça da gratuidade benfazeja, isto é, depois de termos feito tudo o que deveríamos fazer, consideramo-nos como “simples servos” (Lc 17,10).

Sonhamos muito alto? Tudo isto será apenas uma utopia? Temos “longo caminho a percorrer” (1 Rs 19,7), mas é preciso “avançar para águas mais profundas” (Lc 5, 4). Mais do que saber onde estamos, importante é ter clareza de onde queremos chegar. E ter a coragem de buscar e dar passos novos. Somos conduzidos pelo Espírito do Ressuscitado que “faz novas todas as coisas!” (Ap 21,5).

RETRATO DO PRESBÍTERO

(de um manuscrito medieval)

O presbítero deve ser, ao mesmo tempo:

pequeno e grande,
de espírito nobre, como de sangue real,
simples e espontâneo como um lavrador,
herói no domínio de si, homem que lutou com Deus, fonte de santificação, pecador que Deus perdoou,
senhor de seus desejos,
servidor humilde para os tímidos e fracos,
que não se rebaixa diante dos poderosos
mas se curva diante dos pobres,
discípulo de seu Senhor, chefe de seu rebanho,
mendigo de mãos largamente abertas,
portador de inumeráveis dons,
homem no campo de batalha,
mãe para confortar os doentes,
com a sabedoria da idade e a confiança de um menino,
voltado para o alto, os pés na terra,
feito para a alegria, experimentado no sofrimento,
imune a toda a inveja, que vê longe, que fala com franqueza,
um inimigo da preguiça,
uma pessoa que se mantém sempre fiel.
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Cf Pe Edênio Valle, “Carta a Teófilo – Um relato do 8° Encontro Nacional de Presbíteros”,
in Vida Pastoral 213, julho/agosto 2000, p 29-30. Os acréscimos foram introduzidos pelos
participantes do Encontro de Presbíteros do Regional 1, em Manaus, de 11 a 15 de setembro
de 2000.