O servo não é
maior que o seu Senhor. Se me perseguiram, também vos
perseguirão” (Jo 15, 18-20).
Neste contexto, seria pecaminoso tentar esquecer ou esconder o testemunho dos mártires e confessores da Igreja latino-americana que, nas últimas décadas, deram a vida em defesa dos direitos humanos e da justiça aos oprimidos. Três bispos (Mons Angelelli, Mons Oscar Romero e Mons Juan Gerardi), numerosos presbíteros (Pe Antônio Henrique Pereira Neto, Pe João Bosco Penido Burnier, Pe Rodolfo Lukembein, Pe Ezequiel Ramin, Pe Josimo Morais Tavares), religiosos de ambos os sexos e uma multidão de leigos/as anônimos ou conhecidos somente em nível mais local, constitui uma novidade inaudita na história da Igreja recente. Como não lembrar aqui a pobre, perseguida e pascal
Neste contexto, seria pecaminoso tentar esquecer ou esconder o testemunho dos mártires e confessores da Igreja latino-americana que, nas últimas décadas, deram a vida em defesa dos direitos humanos e da justiça aos oprimidos. Três bispos (Mons Angelelli, Mons Oscar Romero e Mons Juan Gerardi), numerosos presbíteros (Pe Antônio Henrique Pereira Neto, Pe João Bosco Penido Burnier, Pe Rodolfo Lukembein, Pe Ezequiel Ramin, Pe Josimo Morais Tavares), religiosos de ambos os sexos e uma multidão de leigos/as anônimos ou conhecidos somente em nível mais local, constitui uma novidade inaudita na história da Igreja recente. Como não lembrar aqui a pobre, perseguida e pascal
Igreja de Roraima?
Porque assume a defesa dos direitos dos Povos Indígenas recaem
sobre ela os mesmos preconceitos, desprezo e perseguições
de que os Índios são vítimas desde o
descobrimento.
· Sobre a base
dessa experiência pessoal de amor a Deus e ao próximo, o
presbítero será alguém consciente de suas
fragilidades e de suas potencialidades. Ao entregar-se a Deus e aos
irmãos
ousará
consagrar-se por inteiro ao serviço do Reino, tornando o
celibato uma opção pessoal e livre. Por experiência
própria ele descobrirá que a caridade pastoral (em sua
dupla face: paixão por Jesus e compaixão pelo povo)
pode preencher suas necessidades e carências enquanto ser
humano que precisa amar e ser amado.
· O padre de
amanhã aprenderá a melhor “cuidar de si” (cf At
20.28), a amar-se e respeitar-se, a confiar em si e nos outros, a ter
tempo para o lazer, de modo a sentir-se equilibrado em todas as
dimensões que nos realizam como seres humanos. Assim ele será
e se sentirá um homem adulto realizado e feliz, capaz de ser
ele mesmo no trato pessoal com as mulheres. Vale lembrar o testemunho
de irmãos queridos que nos entusiasmam porque souberam ser
profundamente humanos porque radicalmente cristãos. Quem mais
alegre que o humaníssimo Francisco de Assis, meigo para com
todas as criaturas, suas irmãs queridas? Não foi por
acaso que uma comissão internacional o escolheu como o
homem que mais marcou o
segundo milênio! Quem mais feliz que o bom Papa João,
que a terna e misericordiosa Madre Teresa de Calcutá, que o
suave e ao mesmo tempo vigoroso Dom Helder Câmara?
· O presbítero
do futuro cultivará o senso crítico em relação
à cultura, e à sua participação ativa no
campo propriamente social e político. Sabendo que numa
sociedade desigual e pluralista como a do Brasil ele não tem o
direito de renunciar ao exercício da cidadania, buscará
viver sua responsabilidade sociopolítica na perspectiva de seu
serviço específico à comunidade e em comunhão
com seus irmãos presbíteros.
· A tentação
do autoritarismo e do poder continuará sendo uma ameaça
permanente se não existir uma ativa fraternidade presbiteral e
sólidas amizades com os leigos e leigas. Estas relações
são o melhor antídoto à tentação
do poder, do isolamento e do individualismo clericais. Devem ser
cobradas por nós mesmos durante a formação e ao
longo de toda a vida, incluídos os anos de aposentadoria. A
amizade, a reciprocidade e a co-responsabilidade fazem parte de uma
vivência plena do sacramento recebido (“intima fraternidade
sacramental” PO 8).
· Persistem na
Igreja certas estruturas que são inadequadas à proposta
de evangelização que o povo espera dos presbíteros
no limiar do novo milênio. Além disso, é
flagrante a contradição entre
a clareza dos
documentos eclesiais e o arcaísmo de estruturas que os
inviabilizam. Também em relação a certos hábitos
sedimentados, zelos ou receios devemos exercer uma critica paciente,
objetiva e contínua, para rejuvenescer a Igreja e as
comunidades que o Senhor confia ao nosso amor pastoral.
Mantenhamo-nos firmes
no testemunho do amor de Deus e na esperança confiante de que,
um dia, seja-nos dado ver concretizado o sonho que os bispos
latino-americanos expressaram em Medellin: “Que se apresente cada
vez mais nítido o rosto de uma Igreja autenticamente pobre,
missionária e pascal, despojada do poder e corajosamente
comprometida com a libertação do homem todo e de todos
os homens” (Medellin 5,15).
· Nossa cultura
é uma cultura da imagem e da comunicação rápida
e extensiva. Somos envolvidos de todos os lados pelos meios de
comunicação. Não podemos ignorar essa realidade,
sem dúvida, ambígua. Mas, da mesma forma, não se
pode reduzir a Igreja a uma realidade virtual, centrada em algumas
figuras midiáticas. A atuação pessoal e direta
do padre em comunidades de pessoas é ainda mais indispensável
numa sociedade e cultura domesticadas pela informação
massificada. Os presbíteros “de mídia” e “na
mídia” – expressões do Pe. Zezinho – necessitam
do acompanhamento e do discernimento do conjunto da Igreja e de cada
presbitério. A mídia pode ser uma via válida
para a evangelização, contanto que não a vejamos
ingenuamente, ou como publicidade religiosa no contexto de disputa de
um mercado em expansão. Educar à leitura crítica
da mídia é outra tarefa que se faz prioritária.
-O padre do século
XXI será um aprendiz, em permanente processo de atualização
e formação. Precisará adquirir o hábito
do estudo e da reflexão, como condição para o
preenchimento digno de suas funções. O que um
presbitério pode oferecer de melhor ao povo – ao lado da
caridade pastoral – é a competência de seus membros e
o saber especializado posto a serviço do bem de todos.
Para fechar este
“perfil emergente” lembremos uma frase do Pe. Josimo, nosso
irmão-mártir. Pouco antes de ser assassinado, ao falar
de seu compromisso de presbítero no meio do povo abandonado do
Bico do Papagaio, ele escreveu assim: “Desistir da justiça?
Não!... Amedrontar a esperança? Jamais! Não
abaixarei os olhos da linha do horizonte!”.
Josimo relembra aqui e
aplica a si mesmo algo essencial na vida do presbítero, ontem
como amanhã. Nessa frase pode-se reconhecer a mesma
diretriz irrenunciável
contida em uma palavra eminentemente pessoal de Jesus: “Não
há maior amor do que dar a vida pelos irmãos”
(Jo15,13). Oxalá os presbíteros do século XXI
tenhamos a graça de viver essa palavra do Amado Irmão e
Senhor, confirmada pela entrega radical de tantos e selada pelo
martírio de muitos irmãos no ministério do amor
pastoral. O que esperamos de nosso Mestre e Senhor é a graça
da gratuidade benfazeja, isto é, depois de termos feito tudo o
que deveríamos fazer, consideramo-nos como “simples servos”
(Lc 17,10).
Sonhamos muito alto?
Tudo isto será apenas uma utopia? Temos “longo caminho a
percorrer” (1 Rs 19,7), mas é preciso “avançar para
águas mais profundas” (Lc 5, 4). Mais do que saber onde
estamos, importante é ter clareza de onde queremos chegar. E
ter a coragem de buscar e dar passos novos. Somos conduzidos pelo
Espírito do Ressuscitado que “faz novas todas as coisas!”
(Ap 21,5).
RETRATO DO
PRESBÍTERO
(de um manuscrito
medieval)
O presbítero
deve ser, ao mesmo tempo:
pequeno e grande,
de espírito
nobre, como de sangue real,
simples e espontâneo
como um lavrador,
herói no domínio
de si, homem que lutou com Deus, fonte de santificação,
pecador que Deus perdoou,
senhor de seus desejos,
servidor humilde para
os tímidos e fracos,
que não se
rebaixa diante dos poderosos
mas se curva diante dos
pobres,
discípulo de seu
Senhor, chefe de seu rebanho,
mendigo de mãos
largamente abertas,
portador de inumeráveis
dons,
homem no campo de
batalha,
mãe para
confortar os doentes,
com a sabedoria da
idade e a confiança de um menino,
voltado para o alto, os
pés na terra,
feito para a alegria,
experimentado no sofrimento,
imune a toda a inveja,
que vê longe, que fala com franqueza,
um inimigo da preguiça,
uma pessoa que se
mantém sempre fiel.
_____________________________
Cf Pe Edênio
Valle, “Carta a Teófilo – Um relato do 8° Encontro
Nacional de Presbíteros”,
in Vida Pastoral 213,
julho/agosto 2000, p 29-30. Os acréscimos foram introduzidos
pelos
participantes do
Encontro de Presbíteros do Regional 1, em Manaus, de 11 a 15
de setembro
de 2000.