HOMILIA DA ORDENAÇÃO DIACONAL
“Fazei tudo o que Ele vos disser”(Jo 2,6)
No domingo passado, 11 de dezembro, véspera da festa de N. Sra de Guadalupe, com emoção e alegria ordenei o primeiro diácono diocesano.
Chama-se Sérgio de Jesus Alves Azevedo. É indígena. Seu pai, José, é Tukano. Anita, sua mãe, é Desano. No dia 12/12 ele completou 30 anos.
Com a idade com que nosso Querido Irmão e Senhor Jesus iniciou a vida pública. Segue a homilia da ordenação.
Agradeço de coração o Pe Olindo, o Pe João e os 08 Diáconos, companheiros de estudo do Sérgio, que vieram de Manaus e arredores para apoiar o Sérgio.
Em comunhão de preces abraço você com estima fraterna.
+ edson damian
Na véspera da festa de N. Sra de Guadalupe e do dia em que completarás 30 anos, caríssimo Sérgio, entregas a Deus tua vida para servir o seu Povo como diácono. Índio que és, como Juan Diego, anunciarás o Evangelho inculturado que encontra na Virgem de Guadalupe sua inspiração e concretização mais perfeitas. Recordarás sempre as palavras carinhosas e encorajadoras que a Mãe de Guadalupe disse a Juan Diego: “Ouve e guarda em teu coração, filho meu o mais desamparado. Acaso não sou eu a tua mãe? Não estás sob minha sombra e proteção? Não estás na dobra do meu manto, justo onde cruzo meus braços? Porque eu sou a Mãe da Misericórdia, tua e de todas as nações que vivem nesta terra, que me amem, que me falem, me busquem e em mim confiem”.
Em nossa última conversa, lembravas emocionado o despertar de tua vocação, em 2001, quando tinhas concluído o ensino fundamental. A Ir Elizabete, Filha de Maria Auxiliadora, convidou-te para ajudá-la na construção das casas para o Hupedas na Nova Fundação. Um Tukano trabalhar para os Hupedas, considerados inferiores em tudo? Na tradição do teu povo era o contrário que acontecia. Mas, a Ir Elizabete conseguiu te convencer com a palavra mais comprometedora de Jesus: “Tudo o que fizeres a um destes irmãos mais pequeninos, é a mim que o fazes” (Mt 25, 40). E te introduziu também na prática da oração que no início te parecia pouco atraente e cansativa. Tua vocação, Sérgio, já nasceu como serviço aos mais pobres e excluídos do teu povo. Sendo Tukano aprendeste a servir aqueles que deveriam servir-te. O Evangelho anunciado pela Ir Elizabete provocou em ti uma reviravolta, uma conversão. Nas bodas de Caná foi a Mãe Maria quem incentivou Jesus para que realizasse o primeiro sinal. Em Pari Cachoeira foi a Ir Elizabete quem descobriu o Sérgio e insistiu para que o Pe Ivo Cassol o convidasse para ser padre.
Em 2009, quando cursavas o segundo ano de teologia, participaste de um retiro inspirado na espiritualidade de Charles de Foucauld. Conhecendo este irmão apaixonado por Jesus que buscou sempre o último lugar para servir os mais pobres e excluídos, lembraste teu serviço aos Hupedas. Calaram fundo em teu coração estas palavras de Charles Foucauld:
“Meu Deus, não sei se é possível para alguém, ver-te pobre e continuar rico como antes... Quanto a mim, não posso conceber o amor sem a necessidade imperiosa de identificação, de semelhança e sobretudo de partilha, de todos os sofrimentos, de todas as dificuldades, de todas as durezas da vida...a semelhança é a medida do amor”. Este retiro foi tão marcante em tua vida que teus formadores logo perceberam a mudança. O Pe Olindo chegou a dizer que foi um marco divisor: houve um antes e um depois na vida do Sérgio. Alegro-me ao saber que também com o Joãonilton e o Andalúcio (nossos indígenas do 3º ano de teologia) está acontecendo algo semelhante.
Quando te comuniquei que irias exercer o ministério de diácono em Pari Cachoeira, tua terá natal, logo disseste: “Que bom, estarei voltando à minha casa, às minhas origens, às raízes culturais do meu povo. Além disso, trabalharei com o Pe Ivo, que me acolheu e encaminhou ao seminário, em 2002”. Aliás, teus pais, José e Anita, apresentaram ao Pe Ivo, dois filhos. E qual foi a reação dele? “Que barbaridade. Dois filhos padres? Assim vai acabar a família! Um deve ficar para casar-se”.
Durante o primeiro semestre do próximo ano visitarás cada uma das 45 comunidades da paróquia de Pari Cachoeira, muitas das quais ainda não conheces. Teus parentes ficarão contentes e agradecidos. Vendo-te feliz e realizado no ministério de diácono, darás excelente testemunho vocacional e contribuirás para a recuperação ou consolidação da autoestima dos irmãos indígenas. Nesta caminhada irás te preparando para a ordenação presbiteral que desejas receber na comunidade onde nasceste.
Viverás o ministério diaconal sob a proteção e inspiração do testamento de N. Sra de Guadalupe que escolheste com teu lema: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2,6). Logo mais, quando receberes o livro da Santa Palavra, escutarás:
“Recebe o Evangelho de Cristo, do qual foste constituído mensageiro; transforma em fé viva o que leres, ensina o que creres e procura realizar o que ensinares”.
E Charles de Foucauld te dirá ao pé do ouvido: Sérgio, “grita o Evangelho com a vida!”
O Papa João Paulo II usou expressões iluminadoras sobre a relação entre ministério e Palavra de Deus: “O ministro ordenado é o primeiro crente na Palavra, com plena consciência de que as palavras do seu ministério não são suas, mas d´Aquele que o enviou. Desta Palavra ele não é dono: é servo. Desta Palavra ele não é o único possuidor: é devedor ao Povo de Deus. Precisamente porque evangeliza e para que possa evangelizar, o diácono deve crescer na consciência de sua permanente necessidade de ser evangelizado” (PDV 47).
Sérgio, se te deixares conduzir pelo Espírito Santo e pela força da Palavra de Deus “resplandecerão em ti as virtudes evangélicas: o amor sincero, a solicitude para com os enfermos e os pobres, a autoridade como serviço e a simplicidade de coração” (rito da Ordenação Diaconal).
Por fim, o sinal que Jesus realizou nas bodas de Caná oferecendo o vinho melhor quando a festa já ia adiantada, ajuda-nos a compreender que em nossa vida e missão, o melhor vem depois. “Tudo é graça!”. É dom de Deus e também fruto de nosso trabalho realizado com generosidade, gratuidade, alegria e esperança. O melhor vai acontecendo na medida em que nos entregamos e nos abandonamos nas mãos no Pai com absoluta confiança e seguimos Jesus no seu jeito radical de amar e servir. Lembremos as palavras testamentais do nosso Bem Amado Irmão e Senhor:
“Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei” ( Jo 15,12). Após o lava-pés: “Entendeis o que vos fiz? Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou. Se eu, o Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo para que façais assim como eu fiz para vós” (Jo 13,12a-15).
A palavra como: “como eu vos amei” e “façais como eu fiz para vós”, não é uma mera comparação, mas uma convocação para amar e servir do mesmo jeito, da mesma maneira, com a mesma medida de Jesus, pois “a semelhança é a medida do amor”.Tudo isso, Sérgio, descobriste formulado e sintetizado na Oração do Abandono que colocaste no convite de tua ordenação. Convido vocês a rezarmos juntos com o Sérgio esta oração que o predispõe a entregar-se inteiro ao ministério de diácono para o qual será ordenado dentro de instantes.
“Meu Pai, a vós me abandono.
Fazei de mim o que quiserdes.
O que de mim fizerdes, eu vos agradeço.
Estou pronto para tudo, aceito tudo.
Contanto que a vossa vontade
se faça em mim e em todas as criaturas.
Não quero outra coisa, meu Deus.
Entrego a minha vida em vossas mãos.
Eu vo-la dou, meu Deus, com todo o amor do meu coração,
porque eu vos amo e porque é para mim
uma necessidade de amor dar-me e entregar-me em vossas mãos
sem medida e com infinita confiança,
porque sois meu Pai”. (Charles de Foucauld)
+ Edson Damian
Bispo Diocesano
São Gabriel da Cachoeira, 11 de dezembro de 2011.