Oitava Meditação
“Não cessemos nunca de ser completamente pobres”
(M.S.E. 263)
“Meu Deus, não sei como seja possível a algumas pessoas continuarem voluntariamente ricas, vendo-vos tão pobre... Não posso conceber o amor sem uma necessidade, uma imperiosa necessidade de conformidade, de semelhança e,
sobretudo uma necessidade de compartilhar todos os sofrimentos, todas as dificuldades, todas as durezas da vida...” Ó meu Senhor Jesus, como se tornará rapidamente pobre aquele que, amando-vos com todo o coração, não poderá suportar de ser mais rico do que seu Bem-amado” (Retiro em Nazaré 1897).
“Jesus não afasta os ricos, morreu por eles, os chama a todos, os ama, mas não aceita partilhar suas riquezas e chama primeiramente os pobres... Não cessemos nunca de ser completamente pobres, irmãos dos pobres, companheiros dos pobres. Sejamos os mais pobres dos pobres, como Jesus, e como ele amemos os pobres e cerquemo-nos deles”. (M.S.E.263)
No Antigo Testamento desde o inicio Deus se revelou como o Deus dos pobres, ao lado dos oprimidos. El Shaddai é o Deus da estepe, da montanha, que acompanha a vida dura dos nômades Hebreus. Não é o deus da planície, da cidade, onde há água, comércio, rei. Javé é o Deus que vê a opressão, escuta o clamor, conhece o sofrimento, tem um
plano libertador, e liberta seu povo oprimido. Mas este povo não compreendeu a lição.
Uma vez libertado, entrando na terra, torna-se opressor. Os fortes exploram os fracos, espertos exploram os simples, ricos exploram os pobres, grandes exploram os pequenos.
A pobreza de Jesus e sua opção pelos pobres são duas coisas distintas, mas complementares. Sua pobreza revela o Rosto do Pai. Sua opção pelos pobres revela o Projeto do Pai. Inspiram a nossa evangélica pobreza e a Evangélica opção pelos pobres. A pobreza nos identifica com os pobres. A opção nos torna solidários com eles. Pobreza sem opção não passa de enfeite espiritual. Opção sem pobreza é contraditório.
Após um período de entusiasmo inicial (época do tribalismo-juízes) no qual o povo viveu fraternalmente, sem rei e sem exército, os gananciosos, de olhos grandes, apareceram em toda parte.
Interessante notar como no Antigo Testamento encontramos uma certa, ambigüidade, contradição, na maneira de encarar a riqueza.
Duas correntes teológicas:
1 - a da retribuição (ou da prosperidade)
2 - a da gratuidade.
A corrente da retribuição, muito forte no Antigo Testamento, onde falta a fé na Ressurreição, afirma que Deus recompensa os bons dando saúde, vida longa, bons negócios, prosperidade.
A riqueza é sinal da bênção de Deus para os bons, os que lhe são fiéis. Enquanto a pobreza (e a doença) comprova a presença do pecado, falta a bênção. (conforme Igreja Universal do Reino de Deus). Ver o Sl 37,25. Mas esta maneira de ver e julgar entra em choque com a realidade. Sl 73: E’ o mistério da prosperidade dos maus, que tormenta também Jó.
Aos poucos porém aparece uma nova reflexão teológica, profética: os ricos são ricos porque gananciosos, inescrupulosos, espertalhões, ímpios, orgulhosos. Os pobres são pobres porque são roubados, enganados, explorados, oprimidos.
Sl 9 – Passa-se de uma visão sociológica para uma visão ética. (Ricos = ímpios, orgulhosos, gananciosos. Pobres = humildes, fiéis, os pobres de Javé).
Os pobres então colocam sua esperança em Deus.
Sl 68, 6-7 – É o Pai dos órfãos e o protetor das viúvas este Deus que mora num templo santo.
O Deuteronômio tenta re-propor o projeto de Deus, o ideal. Que haja pobres nao està no Projeto de Deus.
Dt 15,4 – não haverá pobres no meio dei ti, se voce obedecer as minhas leis.
Dt 15,7 – se por acaso houver um pobre, nao endureça o coraçao para com ele.
Dt 15,11- sempre haverá pobres, infelizmente, porque o povo è desobediente...
Lv 25 – Com o jubileu e o ano sabàtico tenta-se retomar o projeto de Deus. A terra volta aos antigos proprietários, os escravos libertados, as dívidas perdoadas. Mas o jubileu quando aconteceu?
Os profetas, que buscam a face de Deus, reconhecem o projeto de Deus e denunciam o contraste entre o projeto de Deus e a realidade de injustiças, corrupção, ganância, roubo.
Is 5,8 – “Ai de vós que ajuntais casa a casa e campo a campo até que não haja mais lugar e sejais os únicos proprietários da terra”.
Am 2,6 – “Oráculo do Senhor: por causa do triplo e quádruplo crime de Israel,não mudarei o meu decreto, porque vendem o justo por dinheiro e o pobre por um par
de sandálias”.
Am 6,1-7 – “Ai daqueles que vivem comodamente em Sião...”
Am 8,4-7 – “Ouvi isto, vós que engolis o pobre...”
Mq 2,1-2 – “Ai dos maquinadores de iniqüidades... cobiçam as terras e apoderam-se delas, cobiçam as casas e roubam-nas”.
1Reis 21 – O caso da vinha de Nabot e o rei Acab e o profeta Elias.
Mas se no Antigo Testamento encontramos esta ambigüidade (teologia da prosperidade e da gratuidade), no Evangelho e no N.T. ela é totalmente e definitivamente superada. Em Jesus, o Pai está, claramente, abertamente, definitivamente, do lado dos pobres e excluídos. Jesus liquida com a teologia da retribuição, prosperidade.
Mt 5-45 o Pai manda o sol e a chuva para os bons e maus.
Jo 9,3 – “Quem pecou?” - “Nem ele, nem seus pais”.
OLHEMOS PARA JESUS
Jesus se fez pobre e fez a opção pelos pobres, demonstrando que esta é a opção do Pai. É necessário esclarecer que, quando Jesus diz “pobre” entende “pobre mesmo”, ou seja, materialmente pobre, sem dinheiro. Jacques Dupont em “Jesus Mestre dos Pobres” faz um estudo sobre o termo “Pobre” no Evangelho. Vinte e quatro
vezes aparece o termo “pobre” nos Evangelhos. Dezenove vezes sem sombra de dúvida e cinco vezes pelo contexto deve-se concuir que Jesus usa a palavra “pobre” come a entende o povo e não num sentido ético (humilde, simples).
JESUS POBRE
1- Jesus mostra a preferência do Pai pelos pobres, já no seu nascimento, sendo ele mesmo um pobre. O nascimento de Jesus é momento de glória, festa, mas não no palácio de Herodes, ou de Pilatos, ou na suntuosidade do templo, mas na estrebaria de Belém, onde não havia lugar, conforto, limpeza, água, luz.
Jesus foi pobre (= pobreza evangélica)
A) - Pobre perante o Pai (= pobre em espírito)
Jo 6,38 – Não vim para fazer a minha vontade, mas...
Mc 10,18 – Por que me chamas bom? Só Deus é bom.
Jo 14,28 – Se me amásseis vos alegrarieis que vou ao Pai, porque o Pai é maior do que eu.
Mc 13,32 – Quanto ao dia e a hora, ninguém sabe, nem os anjos, nem o Filho, só o Pai.
Mc 14,36 – Pai se é possível afasta de mim este cálice, porém, não a minha, mas a tua vontade.
Mt 27,46 – Eli, Eli, lamá Sabactâni ?!
B) – Jesus materialmente pobre.
Lc 2,7 – Reclinou-o na manjedoura.
Mc 6,3 – Não é ele o carpinteiro?
Mt 8,20 – O filho do homem não tem onde deitar a cabeça.
Mt 27,35 – Dividiram suas vestes entre si.
2Cor 8,9 – “Vós conheceis a bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo, sendo rico se fez pobre a fim de vos enriquecer com sua pobreza”.
2) – JESUS OPTOU PELOS POBRES
A)- Jesus procurou os pobres viveu rodeado de pobres, doentes, excluídos (lugar social).
Lc 4,18 – Ungido para anunciar a Boa Nova aos pobres
B) – Jesus valorizou os pobres.
Lc 8,26-39 – o possesso e os porcos (o louco possuido pelo demonio vale mais que um capital de 2000 porcos).
Lc 21,2 - O óbolo da pobre viúva.
Jo – 7,49 – “Este povioléu que não conhece a Lei é amaldiçoado”. Jesus responde: – “Eu te bendigo Pai...escondeste os mistérios aos sábios...” (Mt 11,25).
C– Jesus defendeu os pobres denunciando a ganância dos ricos.
Lc 6,24 – “Ai de vós ricos”.
Mt 23,14 - “Ai de vós que devorais as casas das viúvas”.
D– Jesus manifesta a compaixão do Pai também pelos ricos através de ameaças e maldições. Ameaça, amaldiçoa para acordar, que levem um susto, que fiquem chocados. Jesus alerta e desmascara a ilusão da riqueza, fustiga a idolatria do dinheiro.
Lc 12,13-21 – Parábola do rico dos celeiros: “Louco, coitado... Guardai-vos de toda avareza, porque a vida de um homem, ainda que ele esteja na abundância, não depende de suas riquezas”.
Lc 16,13 – Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.
Lc 16,19-31 – O rico e o pobre Lázaro.
Lc 18, 24-25 – Como é difícil para os ricos entrar no Reino de Deus; é mais fácil o camelo entrar pelo buraco de uma agulha.
Jesus não afasta os ricos, morreu para eles, os chama todos, os ama, mas não aceita partilhar suas riquezas e chama primeiramente os pobres... Não cessemos nunca de ser completamente pobres, irmãos dos pobres, companheiros dos pobres, os mais pobres dos pobres, como Jesus e como Ele amemos os pobres. É bem claro que o Irmão Carlos se fez pobre por causa do Bem-Amado, para imitá-lo em tudo, não suportando ser rico se o Bem-Amado é pobre” (M.S.E.263).
Mas há a outra grande motivação para escolher a pobreza e é justamente a imensa multidão dos pobres que enchem as periferias das pequenas e grandes cidades, o campo, a floresta.
A realidade do nosso povo explorado, empobrecido, nos obriga a tomar decisões claras a favor dos pobres e a vivermos uma vida de simplicidade, sobriedade, austeridade se não mesmo de pobreza.
Os documentos da Igreja dos papas, da Conferência Nacional dos Bispos, inúmeras vezes tem denunciado o escândalo de ricos cada vez mais ricos às custas dos pobres cada vez mais pobres.
Mas não basta falar. Dom Benedito de Ulhôa Vieira afirmou, num retiro, “Fala-se tanto em opçao pelos pobres que virou uma diarreia verbal: são necessários gestos concretos de solidariedade e libertação”.
A bem-aventurança de pobreza evangélica escolhida e vivida conscientemente, livremente, espontaneamente, amorosamente, alegremente:
1) – Denuncia a ilusão do ter. A felicidade não está no ter (cf. São Francisco – esfarrapado, descalço e com fome, mas feliz: ...è Deus que me faz còssegas...).
2)– Nos torna solidários com os pobres.
3) – Alerta contra uma mentalidade consumista, capitalista, poluidora, gastona. Os santos foram tão felizes tendo tão pouco!
A pobreza evangélica é um dom do Espírito à Igreja e a toda a humanidade. Um dom escatológico que aponta para a verdadeira riqueza, para o tesouro escondido e a pérola de grande valor que é Deus mesmo, o Bem-Amado Jesus, o Reino. Deus é o bem, o sumo, único, verdadeiro bem.
“Meu Deus e meu tudo” – São Francisco “Só Deus basta”. – Santa Tereza
A pobreza evangélica é exigência de evangelização, garantia de autenticidade, característica do missionário.
Mt 10,9-10 – “Não leveis nada...”
Abbe Pierre – “Converteremos os pobres tornando-nos como eles e os ricos, sendo diferentes deles”.
Não optar pelos pobres é travar o avanço do Reino: a Igreja pode ganhar privilégios, prestígio, poder, mas o Reino perde.