RETIRO DE 2008 - Décima Meditação
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“Gritar o Evangelho com a vida”
“Você pergunta se estaria pronto a ir num lugar diferente de Beni-Abbés para a difusão do Santo Evangelho: sou pronto para isso a ir até os confins do mundo e viver até o juízo final” (Carta a Mons. Guérrin de Beni-Abbés – 27.02.1903).
“Os meus retiros para o diaconato e para o sacerdócio mostraram-me que a vida de Nazaré, que me parecia ser a minha vocação, devo vivê-la não na Terra Santa tão amada, mas entre as almas doentes, as ovelhas mais abandonadas. Este divino Banquete do qual me torno ministro, devo prepará lo,não para os parentes, não para os vizinhos ricos, mas para os aleijados, cegos e pobres, isto é para as almas às quais faltam os padres” (Carta ao padre
Caron – 02.04.1905).
“A tua vocação: pregar o Evangelho em silencio, como fazia Eu, numavida escondida como Maria e José” (Anotações – 06.06.1897).
“Sem palavras, em silêncio, vão realizar seus retiros entre aqueles que não Me conhecem: levem-me entre eles, construindo um altar, um tabernáculo,e levando o Evangelho, não o pregando, mas vivendo-o, santificando o mundo; almas piedosas, almas escondidas e silenciosas, como Maria me levou a João” (Retiro a Efrem – 1898).
“Procuremos o ultimo lugar e não só para nós, mas também para todos aqueles que nos cercam, pais, amigos, companheiros” (S.E.E.)
Charles de Foucauld é um homem do deserto, sente uma necessidade enorme de silêncio e solidão, uma saudade irresistível do deserto. Ao mesmo tempo, sente-se continuamente quase arrastado para fora do deserto à força, para ir ao encontro dos irmãos, dos que não conhecem Jesus e entre eles os mais pobres.
Irmão Carlos é um apóstolo contemplativo, um contemplativo missionário, por causa do amor.
A missão nasce no coração do Pai, do seu amor. “A tal ponto Deus amou o mundo de dar o seu filho único, para que todos que nele crêem tenham vida”. Assim é o amor do Pai. Jesus, o filho que o Pai enviou ao mundo por amor, realiza sua missão doando-se totalmente: “não tem prova de amor maior que dar a vida”.
É esta a missão que Jesus confiou aos discípulos na Páscoa, na Cruz e na Ressurreição. Na cruz, com um olhar retrospectivo Jesus exclamou: “Tudo está consumado” (Jo 19,30) que não significa “tudo acabou”, mas “acabei tudo como o Pai queria, realizei plenamente a missão que foi confiada a mim pelo Pai”.
Daqui pra frente a missão será dos discípulos. “Como o Pai me enviou, eu envio vocês; recebam o Espírito Santo”.
Será o Espírito Santo a lembrar tudo que Jesus fez e ensinou e a dar coragem para o testemunho. Sereis minhas testemunhas em Jerusalém, Judéia, Samaria e até os confins... Uma missão amorosa que nasceu no coração do Pai, que levou o Filho à doação total, e é condicionada ao amor.
“Simão, filho de João, amas-me mais que estes?” - “Apascenta”. “Você me ama?” Será sempre a grande pergunta que nos é feita por Jesus e pelos pequenos de Jesus (pobres fracos, doentes, excepcionais...).
Não basta trabalhar, organizar as coisas; Jesus e os irmãos nos pedem amor. Irmão Carlos cultiva este amor na solidão, adoração, contemplação.
Em 1897 escreve a seu primo Luiz de Foucauld: “Vim morar em Nazaré... O bom Deus me fez encontrar aqui, o mais perfeitamente possível, aquilo que procurava: pobreza, solidão, abjeção, trabalho humilde, escuridão total, imitação a mais perfeita possível daquela que foi a vida de Nosso Senhor Jesus, nesta mesma Nazaré”.
Mas já em 07.05.1900, escrevendo ao Pe. Huvelin, refletindo sobre a festa da visitação de Maria a Isabel diz:
“Quando chegar a primavera terão passados 7 anos de quando lhe escrevi de Akbes (da trapa na Síria), o que eu
vislumbrava para mim: levar com alguns companheiros a vida da Santa Virgem no mistério da visitação: isto é santificar os povos infiéis dos paises de missão, levando a eles silenciosamente, sem pregações, Jesus no Santíssimo
Sacramento e a prática das virtudes evangélicas”.
“A visitação é o amor de Cristo que te empurra (2Cor 5,14) é Jesus que, logo que entrou em você tem sede de tornar santos e felizes os outros”(08.07.1898) “A festa da visitação se tornará a Festa patronal dos pequenos irmãos e pequenas irmãs do Sagrado Coração de Jesus” (CBA p/43 – 02.07.1904).
“O que a Virgem vai fazer na Visitação não é uma visita à sua prima para consolar-se e edificar-se mutuamente. Maria parte para santificar João, não com as palavras, mas levando silenciosamente Jesus até ele, na sua casa...”
“Assim fazem os religiosos e religiosas contemplativas nos paises da missão: vão para evangelizar e santificar os povos infiéis sem palavras, levando Jesus no meio deles em silêncio; levando-o na Santa Eucaristia, levando-o na própria vida, a vida evangélica da qual dão exemplo e da qual são imagens vivas”.(cf. P/471).
Irmão Carlos voltará periodicamente à meditação sobre a visitação, até o ultimo ano de sua vida e sempre para indicá-la como modelo de missão para si e para os futuros irmãos e irmãs. Prolongar invisivelmente o mistério da visitação se tornará a única forma possível de encontro e missão com os muçulmanos e naqueles ambientes onde um anúncio explícito seria impossível ou até negativo.
O importante é ser “grávido” de Jesus e cheio de amor como Maria, ser fermento escondido na massa. Ao Pe. Jerônimo escrevia (07.07.1901) “Não acredito poder fazer aos muçulmanos um bem maior do que levando a eles, como Maria na visitação na casa de João, Jesus, o sumo bem, o santificador supremo; Jesus que será sempre presente entre eles no Sacrário e, espero, no Ostensório, Jesus que se oferece todo dia sobre o altar para a conversão deles, Jesus que os abençoa todos os dias. Eis o bem maior, nosso tudo, Jesus! Ao mesmo tempo, mesmo calados, daríamos a conhecer aos nossos irmãos ignorantes, não com palavras, mas com o exemplo, e acima de tudo com o amor universal, aquilo que é a nossa fé, aquilo que é o espírito cristão, aquilo que é o Coração de Jesus”.
Em setembro de 1901, Irmão Carlos se estabelece em Beni Abbés perto da fronteira com o Marrocos, mas, como o Marrocos fica fechado, pensa em ir mais para o Sul (no meio dos Tuareg) e em Janeiro 1905 chega a Tamanrasset onde se estabelece por ser o vilarejo mais pobre e abandonado.
Mas estas mudanças lhe causam sempre transtorno e perturbação. “Sim, toda a mudança, todo movimento me espanta, me dá uma sensação de vertigens, de perturbação: tenho medo de errar, tenho medo de não ter as forças” (carta ao Pe. Guerin).
Para poder realizar a missão (e facilitar a missão para futuros missionários) considera fundamental conhecer bem o idioma e a cultura dos Tuareg, que era um povo retirado, marginalizado. Aprende a língua e escreve um dicionário Francês-Tuareg com 2028 páginas.
Recolhe e escreve poesias e provérbios Tuareg (6000 versos) que termina de passar a limpo no dia 28.11.1916. Traduz o evangelho na língua Tuareg. Mas tem consciência de que não é o saber intelectual que irá converter as pessoas, e escreve: “Uma alma faz o bem, não na medida de sua sabedoria ou inteligência, mas de sua santidade”.
Paulo VI na “Evangeli Nunziandi” dirá: “O mundo de hoje acredita mais nas testemunhas do que nos mestres, e, se acredita nos mestres, é porque também são testemunhas (n.41)”.
No retiro de Ghardaia (1904) Irmão Carlos descreve com simplicidade as atitudes do missionário com o povo: “Deixar que se aproximem de mim, que falem comigo... ao invés de evitar suas longas conversas, desejá-las, mas, dirigidas sempre para Deus. Não ter medo do contacto com os indígenas, nem de suas roupas e cobertores, etc...não ter medo de suas sujeiras e pulgas”.
Aos poucos Irmão Carlos reconhece que a maneira melhor, mais acertada de evangelizar, de fazer apostolado é através do encontro pessoal: “tête-a-tête”, e “tu per tu”.
“Para qualquer questão importante, tratar sempre de você para você”. “Na medida em que se estabelece a amizade, falo sempre, e quase sempre “a tu per tu”, do Bom Deus, brevemente, dando a cada um o que é capaz de carregar” (CFEM p 442).
A maneira de evangelizar do Ir. Carlos nos oferece assim grandes intuições que são também verdadeiros desafios e muito atuais.
1- Ser “grávidos” de Jesus como Maria na visitação, para podê-lo levar aos outros: para tanto é necessário que o evangelizador tenha encontrado pessoalmente Jesus” (1Jo 1,1-4). “O que os nossos olhos viram, o que os nossos ouvidos ouviram, o que as nossas mãos apalparam... É a santidade do apóstolo que é importante”.
2 – Encarnar-se como Jesus, o Bem amado (Fl 2,6-10) “Tende em vós os mesmos sentimentos de Jesus, o qual...” 1Cor 9,19-23 – “...eu me fiz servo de todos para ganhar o maior número possível. Para os judeus fiz-me judeu...fiz-me fraco com os fracos para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos a fim de salvar a todos.” Como o Bem-Amado modelo único e como eles”.
3 - Silenciosamente: “Gritar o Evangelho com a vida”, como Jesus em Nazaré. “O cristão sabe quando é hora de falar de Deus e quando é hora de calar e deixar falar somente o amor” (Bento XVI - Deus é amor 31).
No retiro para o diaconato em 23.03.1901, escreve: ”O que quer Deus que eu faça? Aquilo em que há maior amor. O amor maior e na sua mais perfeita imitação. A mais perfeita imitação é imitar perfeitamente Jesus, num ou outro estilo de vida que ele viveu: pregação, deserto, Nazaré. Certamente eu não sou chamado à pregação, porque minh’alma é incapaz para o deserto, pois meu corpo não pode viver sem comer, então sou chamado para a vida de
Nazaré (disto a minha alma e o meu corpo são capazes e eu me sinto atraído”).
Durante o retiro em novembro de 1897 se pergunta: “É necessário considerar indispensável morar em Nazaré? Não, não mais que o resto. Não buscar outra coisa que a vontade de Deus, Deus só...Sou certo de que é uma grande graça morar em Nazaré, mas logo que isto deixasse de ser a vontade de Deus, preciso ignorar totalmente, sem olhar para trás, aonde e para qualquer coisa que a sua vontade me chama”. “A tua vida de Nazaré pode ser vivida em todo lugar; vive-a no lugar mais útil para o próximo” (22.05.1905 – CT p 47).
4 – Tornar-se um “irmão universal”. “Quero habituar todos os moradores cristãos, muçulmanos, hebreus, pagãos e considerar-me como seu irmão, o irmão universal. Eles começam a chamar a casa. HIWÂ - “A fraternidade” e isto
me é doce. (À senhora de Bondy, 07.01.1902). “Falar muito com eles, ser amigos de todos, bons e maus ser o irmão universal (08.06.1904 ao Pe. Guérin na primeira viagem ao Haggar). Como irmão universal ocupar, não o primeiro lugar, mas o ultimo”. Busquemos o último lugar, e não somente para nós, mas também para todos que nos cercam; pais, amigos, companheiros” (S.E.E.).
Tamaurasset 01.12.1916 – Dia da Morte. “Não se deve nunca ter medo de pedir os lugares onde o perigo, o sacrifício, a abnegação sejam maiores; as honras, deixemos para quem as quiserem, mas o perigo, o sofrimento, peçamos sempre. Cristãos devemos dar exemplo de sacrifício e abnegação. É um principio ao qual temos que ser fiéis durante toda a vida, com simplicidade,
sem perguntar-nos se neste comportamento não haja um pouco de orgulho: é o dever, façamo-lo. Peçamos ao Bem-Amado esposo da nossa alma de fazê-lo com humildade, e com pleno amor a Deus e ao próximo”.
5 – Como pobre, no meio dos pobres, e com meios pobres.
Como pobre - “Ó meu Senhor Jesus, como se tornará rapidamente pobre aquele que, amando-te com todo o seu coração não poderá suportar de ser mais rico do que o seu Bem amado” (Retiro em Nazaré 1897).
No meio dos pobres -“Não cessemos nunca de ser completamente pobres, irmãos dos pobres, companheiros dos pobres. Sejamos os mais pobres dos pobres. Como Jesus, e como ele amemos os pobres e cerquemo-nos deles” (MSE 263).
Com meios pobres - “É com a cruz que Jesus salvou o mundo; é com a cruz deixando Jesus viver em nós e completar em nós, com nossos sofrimentos, o que falta a sua paixão que devemos continuar até o fim dos tempos a obra de redenção” (regulamento dos pequenos irmãos 1901 – 23).