quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

RETIRO - PE. MÁRIO FILIPPI - 6)- A PRÁXIS DE JESUS

RETIRO DE 2008 – Sexta Meditação

Pensa que deves morrer mártir, despojado de tudo ... e deseja que isto aconteça hoje”.

Pensa que deves morrer mártir, despojado de tudo, estendido ao chão, nu, irreconhecível, coberto de sangue e feridas, matado com violência e dor... e deseja que isto aconteça hoje!... para que eu te faça esta graça infinita, se fiel em vigiar e carregar a cruz” (Nazaré – 6/06/1897).

O amor maior está em dar a vida para quem amamos, você falou ontem à noite, ó Bem-amado. E eis que poucas horas depois de ter dito estas coisas você deu sua vida por mim, ó meu Esposo! Concede-me a graça de eu também dar minha vida por você, eu o suplico com todas as minhas forças; eu sei que eu sou medroso demais para fazê-lo, e indigno desta honra, porem você disse que eu posso tudo naquele que me fortalece e você disse: pedi e recebereis. Eu te peço, em teu nome, ó meu Bemamado, a graça de derramar com amor, com coragem, em maneira de glorificar-te o mais possível, o meu sangue por você, ó meu Esposo...” (Comentário a Jo 19,30 – M.S.E. 519).

Não posso dizer que desejo a morte; desejei-a em outros tempos; agora enxergo tanto bem a ser feito, tantas almas sem pastor, que preferia, sobretudo, fazer um pouco de bem para a salvação destas pobres almas. Mas o Bom Deus as ama mais do que eu, e não tem necessidade de mim. Seja feita a sua vontade” (Tamanrasset – 20.07.1914).

A encarnação de Jesus realiza-se em toda a vida de Jesus, particularmente na sua entrega e morte na cruz”. Essa entrega e essa cruz atestom que em Jesus havia consciência e coerência.

Lembro meu tempo do Seminário – Cada ano, no final do retiro, propósitos diferentes, prova de muita indefinição, falta de unidade interior de um eixo fundamental.

Não é suficiente fazer o bem. Encontramos pessoas zelosíssimas, fanáticas, mas totalmente inconscientes, alienadas. Quanto atrapalhom! Há movimentos, grupos zelosos, fanáticos, mas alienados que só atrapalham. Não são sò de hoje, já havia no passado.

Rm 10,2 – “Dou-lhes testemunho que eles (os judeus) têm zelo por Deus, mas um zelo sem discernimento. Paulo ao contrário sabe o que quer e onde quer chegar”.

1Cor 9,26 – “Assim corro, mas não sem rumo. Dou golpes, mas não no ar”.

Pensando em Jesus, não basta pensar que foi um homem maravilhoso, de grande sensibilidade de grandes qualidades humanas, de extraordinários milagres. Lendo o Evangelho, descobrimos em Jesus uma clareza de objetivo, consciência profunda, unidade interior, coerência do começo ao fim. Não basta encantar-se com as qualidades humanas de Jesus, é preciso captar esta consciência, coerência que lhe faz dizer: “É necessário ir a Jerusalém sofrer, morrer e ressuscitar” Mt 16,21.

Na vida de Jesus há coerência, sem contradições, no seu SER no seu AGIR e nas suas PALAVRAS, do nascimento à morte. Seguindo Lucas:

Lc 2,1-20 – Nascimento de Jesus: estrebaria, perseguição, exílio. (é o ìndice de todo o Evangelho, antecipação de tudo que acontecerá).

Vida de Nazaré – Jesus não é sacerdote, levita, fariseu, escriba. Jesus é um leigo, carpinteiro.

Lc 4,1-13 – As tentações no deserto. Jesus na plenitude de sua idade, força, capacidade percebe em si poderes extraordinários, divinos. Jesus é tentado, (não é teatro, dramatização), de servir-se dos talentos, qualidades, poderes e sabedoria para si. Jesus decide-se como usar estes poderes.

Lc 4,14-22: Jesus em Nazaré. Saindo da tentação - deserto (lugar do discernimento) Jesus tem clareza daquilo que o Pai espera dele. Jesus escolhe (Is 61,1-2) uma proposta nova, revolucionária, subversiva, provocadora, chocante - como os profetas.

Todo o poder divino que há em Jesus será para abrir os olhos aos cegos, libertar os oprimidos, curar os leprosos, saciar os famintos, anunciar a boa nova aos pobres, confortar os excluídos, marginalizados, perdoar os pecadores. Todo o poder de Deus a favor dos últimos, os excluídos da história.

Lc 6, 20-26 – As Bem-aventuranças. Herdeiros do Reino são os pobres, famintos, perseguidos, aflitos. Jesus inaugura o Reino do Pai com palavra e ação. Sua mensagem è clara:

Deus é Pai, - Todos somos irmãos, - Os bens que Deus criou sao para todos.

Jesus age, fala, convive com os últimos, assume suas aspirações, ama e cura os marginalizados, come com os pecadores e os acolhe, coloca a pessoa no centro, acima do sábado, tradições, leis, estruturas. Denuncia a hipocrisia dos grandes, os abusos das autoridades, a idolatria das riquezas; expulsa os vendilhões do templo, proclama-se mais que o sábado e faz tudo isto conscientemente, não empurrado pelos acontecimentos.

Este proceder de Jesus é desconcertante, provocador, escandaloso, questionador. O povo vibra, exulta. As autoridades religiosas ficam irritadas, os parentes ficam confusos desconcertados.
Mc 3,20-21- “Havia de novo tanta gente que não podiam tomar alimento”.

Mc 3,21 – “Quando os seus o souberam, saíram para o reter, pois diziam ‘Está fora de si’”.

Lc 7,18-23 – O Batista – “É você o que deve vir, ou devemos esperar outro?”

Maria e os irmãos de Jesus e o Batista não comprendem, caminham no escuro (noite da fé). Jesus é um mistério que desafia, também eles. ”Ide e anunciai a João o que ouvistes e vistes. Os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, aos pobres é anunciado o Evangelho e feliz aquele que não se escandalizar de mim”.

Feliz quem não se escandalizar vendo que todo poder, sabedoria, força, amor, milagres são colocados a serviço de pobres, miseráveis, excluídos, últimos. Estes são os sinais do Reino! Não esperem por outros.

Mc 8,11-12 – Logo após a multiplicação dos pães – “Vieram os fariseus e puseram-se a disputar com ele e pediram-lhe um sinal para pô-lo à prova. Jesus porém, suspirando no seu coração, disse: “Por que pede esta geração um sinal? Em verdade vos digo: jamais lhes será dado um sinal”. Jesus não está a fim de fazer sinais para matar a curiosidade de burgueses que estão de barriga cheia. Ele recém tinha feito o sinal enchendo a barriga de quem estava com fome.

Mt 16,4 – Jesus assegura que àquela geração perversa e adúltera não lhe será dado outro sinal que o sinal de Jonas. O sinal de Jonas é Jesus mesmo (mistério Pascal, morte e ressurreição).

De fato esta práxis de Jesus ao lado dos pequenos, excluídos, fracos, pecadores ao mesmo tempo em que suscita alegria, esperança, exultação do povo humilde e sofrido, suscita raiva, inveja, irritação, ódio, desprezo dos poderosos, privilegiados que detém o poder religioso, cultural, político, social. Sacerdotes, escribas, fariseus, saduceus e anciãos.

O movimento de Jesus é um movimento leigo que começa e se desenvolve fora e à margem do Templo e da Sinagoga e mesmo em conflito com a Sinagoga, sábado, tradições, alimentos, purificações. Jesus não se coloca como um pelego entre o povo e as autoridades, entre os pobres e os ricos, para tenta apaziguar.

Lembro quando trabalhava na fábrica: o patrão tentou colocar-me entre ele e os operários como pelego para amortizar. Jesus não foi um pelego. Jesus veio para salvar
a todos, ama todos, quer libertar todos, mas a partir dos que foram sempre excluídos,dos pobres. Por isso tornou-se a pedra rejeitada pelos construtores (Sl 118,22).

A práxis de Jesus o levou à morte. Jesus tem consciência, anuncia aos discípulos, assume coerentemente a morte.

Por que Jesus morreu na cruz? Podemos dar três interpretações:

1- Interpretação teológica: Jesus morreu para perdoar os nossos pecados.

Lc 18,31-33 – Jesus decide ir a Jerusalém sofrer o destino dos profetas. “Eis que subimos a Jerusalém; tudo que foi escrito pelos profetas será cumprido”.

Mc 14,48-49 – “Viestes me prender com espadas e paus como se eu fosse um bandido. Entretanto, todos os dias, estava convosco ensinando no Templo e não me prendestes, mas, isto acontece para que se cumpram as Escrituras”.

Jo 10,18 – “Ninguém tira a minha vida, mas eu a dou de mim mesmo. Tenho o poder de a dar e tenho o poder de retomá-la”.

Mt 26,28 – “Isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado por muitos homens em remissão dos pecados”.

1Cor 15,3 – “Eu vos transmiti o que primeiramente havia recebido: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras”.

Ef 1,7 – “Nesse Filho, pelo seu sangue, temos o perdão, a remissão dos pecados”.

Is 53 – O servo sofredor carregou nossa iniqüidade.

2 – Interpretação humana: Jesus morreu em solidariedade com as vítimas da história. Jesus morreu por amor, como a mãe que dá a vida para pôr no mundo o filho ou um amigo que morre para salvar o amigo.

Jo 15,13 – “Prova de amor maior não há que doar a vida por seus amigos”.

Jo 10,15 – “Dou a minha vida pelas minhas ovelhas”.

Jon Sobrino: Os princípios de misericórdia (pág 23-24) “Descer da cruz os povos crucificados”. “O fato de Deus deixar as vitimas morrerem, é um escândalo irrecuperável, e a fé em Deus tem de passar por este escândalo. Nessa situação, a única coisa que o crente pode fazer é acreditar que Deus está na cruz impotente como as vítimas, e interpretar essa impotência como o máximo de solidariedade com elas. A cruz na qual está o próprio Deus é a forma mais clara de dizer que Deus ama as vítimas deste mundo. Nele o seu amor é impotente, mas é crível. E a partir daí é preciso reformular o mistério de Deus. Sempre foi dito que Deus é o “Deus maior”. A partir da cruz é preciso acrescentar que é também o “Deus menor”.

3- Interpretação histórica: Jesus foi morto em conseqüência de sua práxis. Jesus atrapalhou os interesses da máfia do templo. E quem atrapalha os interesses da máfia deve morrer. Para condenar Jesus perante Pilatos, a máfia do
templo trouxe motivações políticas.

Lc 23,2 – “Encontramos este homem excitando o povo à revolta”. (5) – “Ele revoluciona o povo”. (14) “Apresentastes-me este homem como agitador do povo”.

Jo 11, 47-48 – “Que faremos? Este homem multiplica os milagres. Se o deixarmos proceder assim, todos crerão nele, e os Romanos virão e arruinarão a nossa cidade e toda a nação”. Jesus tornara-se um perigo para Segurança Nacional.

Do testamento do Pe. Josimo Tavares: “Nem o medo me detém. É a hora de assumir. Morro por uma justa causa. Agora quero que vocês entendam o seguinte: Tudo isto que está acontecendo é uma conseqüência lógica resultante do meu trabalho, na luta e defesa pelos pobres, em prol do evangelho que levou a assumir até as últimas conseqüências”.

Mas a história não acaba aqui.

Fl 2,9 “Por isso Deus o exaltou”.

Oscar Romero: “Se me matarem ressuscitarei no meu povo”.

Ir. Carlos: “Pense que deves morrer mártir...”