terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

D. PEDRO CASALDÁLIGA



Jesus de Nazaré, a sua causa e o seu Reino’’ é o que devemos buscar, afirma dom Pedro Casaldáliga:
“Denunciar a iniquidade do mercado total, do consumismo desenfreado, do lucro excluidor das maiorias. Fazer da Fé cristã luz e força para combater esse sistema de iniquidade que mata de fome milhões de pessoas da grande família de Deus deve ser o papel da Igreja”. 

A afirmação é de dom Pedro Casaldáliga em entrevista ao blog Movimento Contra a Miséria – MCM, 15-06-2011. Eis a entrevista:

P - Caro Pedro, para começar gostaríamos de lhe perguntar, do seu ponto de vista quais foram os acertos dos governos do PT até aqui, e qual é sua grande dívida com o Povo Brasileiro?

R - Com todas as ambiguidades e corrupções o PT tem facilitado certa presença e atuação do movimento popular, não o tem satanizado, tem exercido uma política exterior bastante correta e tem estimulado a integração latino-americana, tem promovido políticas sociais de urgência reduzindo a fome e a marginalização.Daqui, da Amazônia, cobramos sobre tudo do Governo de PT três dívidas urgentes: a causa indígena, a reforma agrária e a substituição dos grandes projetos transnacionais por projetos verdadeiramente populares e sustentáveis ecologicamente. O PT não deveria fazer alianças que exigem claudicações. O PT, como toda pessoa e toda entidade que se considerem de esquerda, deve contestar ativamente o capitalismo neoliberal. O inimigo é o sistema.

P - A teologia da libertação teve um impacto no nosso país principalmente nas comunidades eclesiais de base. Hoje ela encontra-se um pouco distante da juventude; você acredita que ela precisa de uma renovação para se tornar mais acessível aos jovens brasileiros?

R - A renovação sempre é necessária e a Teologia da Libertação tem-se renovado constantemente, sobre tudo, assumindo mais explicitamente as identidades étnico-culturais e outras causas que num primeiro momento não eram destacadas: partiu-se da libertação socioeconômica e vem-se abrangendo cada vez mais a libertação integral, holística, da luta contra a fome à vivência da mística. Sempre a verdadeira renovação será voltar mais e mais a Jesus de Nazaré, a sua causa, que é o Reino.

P - Hoje há um debate na igreja brasileira no que diz respeito ao tema da homossexualidade, tem acontecido divisões em relação ao assunto, qual é seu ponto de vista em relação ao tema?

R - A sexualidade é parte integral da pessoa humana e é, por definição, relação. Se vive dentro de uma cultura, na história das pessoas e dos povos. Como toda vertente humana tem sua dimensão ética. Isso faz com que a sexualidade (heterossexualidade, homossexualidade...) seja debate, polêmica, dependendo dos pontos de vista e das situações histórico-culturais. A homossexualidade tem sido estigmatizada, sobretudo na Igreja, e facilmente se tem enfrentado como doença e como vício. Exige-se, na Igreja principalmente, uma revisão a fundo da sexualidade e particularmente da homossexualidade, como de uma condição humana que pode e deve responder dignamente á realização da pessoa, com as exigências morais em sociedade e à vivência da fé religiosa.

P - Os movimentos que visam um Evangelho próspero, financeiramente falando, têm crescido significativamente na América Latina. Como você enxerga este acontecimento?

R - É só abrir o Evangelho de Jesus de Nazaré e escutar seu coração e sua palavra. Tudo o que seja dinheiro é suspeito. “Não podeis servir a dois senhores” A evangelização não deve procurar a prosperidade financeira da Igreja mas a partilha fraterna de todas as filhas e filhos de Deus. Não se deve optar pelo lucro, mas pelos pobres. Não é com a riqueza que a Igreja vai dar testemunho de Jesus. O Evangelho pede sobriedade, despojamento, a favor dessa Humanidade jogada à beira da estrada da exclusão. A Eucaristia é a mesa da partilha fraterna(...).

P - Qual deve ser a posição da Igreja latino americana na sociedade atual diante globalização, de um neoliberalismo que traz um discurso que materializou a felicidade e que a cada dia deixa mais ao margem os pobres?

R - A posição da nossa Igreja só pode ser de profecia que contesta o materialismo neoliberal e anuncia uma sociedade alternativa, esse Outro Mundo Possível que está sendo consigna de tantas pessoas e entidades em toda a Terra. Denunciar a iniqüidade do mercado total, do consumismo desenfreado, do lucro excluidor das maiorias. Fazer da Fé cristã luz e força para combater esse sistema de iniquidade que mata de fome milhões de pessoas da grande família de Deus. 

P - Como você imagina a construção de uma nova alternativa em relação ao sistema que vivemos hoje?

R - A construção de uma nova sociedade, alternativa à que é imposta hoje ao mundo, é um processo complexo, uma caminhada histórica, não tem uma cartilha pronta em detalhes dentro da plural humanidade. De todo jeito eu só posso imaginar esse processo como socializador: socializar a terra de lavoura e de moradia, socializar a saúde, a educação, a comunicação, as oportunidades para viver ‘o bem viver’ que proclamam os nossos povos primigênios. 

P - Você acredita que projetos como Belo Monte realmente visam trazer melhorias para o nosso povo ou há outros interesses por trás?

R - Os projetos como Belo Monte, os chamados ‘grandes projetos’, são projetos do capitalismo neoliberal, do agronegócio depredador, de um progresso que ignora a dignidade e os direitos essenciais das pessoas e dos povos. O único verdadeiramente ‘grande projeto’ é viver em harmonia com a natureza e a serviço da vida digna de todas as pessoas e de todos os povos. 

P - Tenho a impressão que no nosso país as pessoas que lutam por justiça ainda são “crucificadas”, como no caso de Maria e José no Pará, ou Dorothy Stang há alguns anos, são casos de pessoas que avisaram o perigo que corriam, mas novamente nada foi feito ao respeito. A quais meios o povo pode recorrer ou está só nesta luta?

R - Sempre foi e sempre será um risco a entrega total da própria vida às grandes causas da justiça, da fraternidade, da paz. Nos, os cristãos, sabemos por que Jesus acabou crucificado. Ser profeta é facilmente ser mártir. Aqui, na Prelazia de São Félix do Araguaia, estamos celebrando nos dias 16 e 17 de julho a Romaria dos Mártires de Caminhada; milhares de irmãos e irmãs que foram dando a vida pelas causas do Reino de Deus; que continuam dando a vida, como Dorothy Stang, como o casal José Cláudio e Maria do Espírito Santo. Felizmente o próprio povo têm o seus profetas e, no meio desse sistema de morte que domina no mundo, há muita indignação, muita vitalidade alternativa, muita solidariedade; o bem está vencendo o mal; a vida e o amor, dons do Deus do Amor e da Vida, têm a palavra. Porque Deus é Amor, nós somos esperança. A Humanidade não está só, Deus é Deus conosco; sobre tudo com os pobres e com os lutadores. Essa fé, que é esperança, deve ser prática, luta, dia a dia; e deve-se traduzir em outro ‘poder’, ‘outra política’ verdadeiramente popular, sem corrupção, sem disparidades escandalosas, sem impunidade assassina. 

P - Caro Pedro, gostaríamos de te agradecer a oportunidade de poder entrevista-lo, pois sabemos da luta contra o Parkinson que você enfrenta, e dizer-lhe que foi um prazer ter a oportunidade e que através desta entrevista mais jovens saibam sobre a pessoa humana que você tem sido em relação a defesa do pobre e luta contra a injustiça. Para finalizar poderia nos deixar algumas palavras?

R - Palavras que deixo para vocês e que primeiro devo-me dizer a mim mesmo: A paixão por Jesus Cristo e por sua causa, o Reino. A construção diária de uma convivência verdadeiramente humana, na família, na sociedade, com a natureza, com toda a família de Deus. O compromisso diário com as lutas do povo e na caminhada de uma Igreja sempre mais evangélica, samaritana, ecumênica, que responda ao sonho de Jesus.