quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

RETIRO - PE. MÁRIO FILIPPI - 2)- BUSCAR A FACE DE DEUS


RETIRO DE 2008 –  Segunda Meditação

Meu Deus, se você existir, faça que eu o conheça”.
Enquanto me encontrava em Paris, e fazia imprimir minha viagem no Marrocos,encontrei pessoas inteligentes, virtuosas e cristãs: falei para mim mesmo que talvez aquela religião não era absurda e, ao mesmo tempo, uma graça interior muito forte me empurrava”. Comecei a ir à Igreja, sem acreditar; sentia-me bem, somente lá, e ficava longas horas repetindo esta estranha oração: “Meu Deus, se você existir, faça que eu o conheça”. (Carta a Henri de Castries – 14.08.1901)

A conversão de Charles de Foucauld acontece nos últimos dias de outubro de 1886, na Igreja de Santo Agostinho, em Paris.

No mundo, a maioria das pessoas se contenta com uma vida rotineira, comum. Mas há outras que gostam de aventuras: atravessar os mares; subir as montanhas; atravessar a floresta, o deserto; ir à lua...

A aventura mais empolgante, entusiasmante, sedutora, importante, inesgotável é a experiência de Deus. Em todos os tempos os místicos, profetas, gurus, contemplativos, santos foram seduzidos pelo mistério de Deus.

Sl 27,79: Minha face vos busca; é vossa face Senhor que eu procuro. Não escondais de mim o vosso semblante.

Sl 42,3: A minha alma tem sede de Deus; quando irei contemplar a face de Deus?

Sl 68, 18: Não escondais de mim a vossa face.

Sl 63, 2-9: A minha alma está sedenta de vós como terra árida e sequiosa, sem água.

Os pagãos não têm este problema, não buscam a face de Jesus. Eles têm o seu deus, o fabricam a sua imagem e semelhança. Podem ver, carregar, manipular seus deuses.
Os ídolos foram uma contínua tentação para o povo hebreu.

Jr. 2,11-13: “Troca uma nação os seus deuses? – os quais não são deuses!

Meu povo cometeu uma dupla perversidade: Abandonaram a mim água viva e cavaram para si cisternas fendidas que não retém água”.

Sl 115,12-16. 135,15: Os ídolos têm olhos e não vêem, ouvidos e não ouvem, mãos e não apalpam, pés e não andam. Tornem-se como eles os que os fabricam, os que põem neles sua confiança.

Nós não somos tão insensatos a ponto de adorar ídolos de pau ou de pedra.

Mas, o nosso problema não é muito diferente. Pensar que já conhecemos Deus, já sabemos tudo dele, não precisamos mais buscar sua face, não ter mais sede de Deus, ficar satisfeitos com o que dele sabemos. Isto é reduzir a ídolo aquele que “habita em luz inacessível” (1Tm 6,16).

Deus que é sempre o OUTRO, o desconhecido, surpreendente, invisível, imprevisível, incomparável. Deus habita no mistério, cercado por abismos de silêncio.

A dificuldade de conhecer o mistério de Deus não é só dos novatos, inexperientes como Samuel que “ainda não conhecia o Senhor” (1Sm 3,7), mas é também dos grandes teólogos, como Tomás de Aquino que chegando ao fim de sua vida, na “Questio Disputata” afirma: “Eis o último ponto de chegada do conhecimento de Deus: saber que não conhecemos Deus”.

Inácio Larrañhaga, nos seus retiros e escolas de oração, insistia continuamente na necessidade de buscar o rosto de Deus e ser sempre insatisfeitos com o que dele conhecemos.

Cada um de nós tem uma IDÉIA de Deus.

Que imagem eu me faço de Deus?

O pintor pinta o seu deus com tinta; o escultor, com o cinzel, na madeira, na pedra; o poeta, com seus versos; o cantor, com sua música; o filósofo, com seus raciocínios; o teólogo, com suas teorias teológicas. Mas, tudo isto é construção humana e leva à idolatria.

Precisamos desconfiar sempre de nossas construções teológicas a respeito de Deus, assim como Salomão desconfiou de poder construir uma habitação para Deus.

O templo que vou construir deve ser grande, pois nosso Deus é maior que todos os deuses. Mas quem será capaz de construir-lhe uma casa, uma vez que o céu e o mais alto do céu não o podem conter? Quem sou eu para fazer isso?” (2Cr 2,5-6).

Quando o templo foi dedicado e consagrado, a nuvem de glória o encheu, então Salomão concluiu: “O Senhor deseja habitar na escuridão” (2 Cr.5,13).

Deus não cabe em nenhum sistema eclesiológico, filosófico, teológico, espiritual e em nenhum movimento, instituição ou partido.

Ninguém tem o monopólio de Deus, nem os católicos, nem os cristãos, nem os muçulmanos. Deus não é manipulável, é transcendente.

Por isso é preciso buscar a Deus, o Rosto, a Face, com humildade, paciência, perseverança, coragem. Não se contentar com os sinais de Deus. Tudo fala de Deus, é sinal de Deus, mas Deus está além.

As pegadas na areia são sinal de que alguém passou, mas não é a pessoa que passou. Precisamos buscar a Deus além dos sinais e palavras, até mesmo as palavras da Bíblia.

Não se come o CARDÁPIO, ele é sò um sinal. Podemos ler a Bíblia toda e não nos alimentarmos. Infelizmente na nossa busca do Rosto de Deus quase sempre e quase todos nós nos contentamos em ficar na superfície, não vamos além da casca.

Se alguém pega uma vara de cana de açúcar, e só lambe a casca, nunca encontra a doçura. É preciso descascar e morder.

Os místicos ficaram deslumbrados com o pouco que perceberam do mistério de Deus.

Moisés, com o qual “Deus se entretinha face a face, como um amigo com o amigo” (Ex 33) se prostra até o chão e quando desce do monte “o seu rosto se tornara brilhante, durante a sua conversa com Deus” (34,28-30) e por isso colocou um véu na cabeça para falar com o povo.

Isaias ficou atordoado vendo “as franjas do Manto de Deus” que enchiam o templo (Is 6,1). “Ai de mim, estou perdido porque sou um homem de lábios impuros e habito com um povo de lábios impuros e, entretanto meus olhos viram o Rei, o Senhor dosexércitos” (6).

Na busca do rosto de Deus não podemos contentar-nos com o que disseram, escreveram, experimentaram os outros. Precisamos encontrá-lo pessoalmente, fazer uma experiência pessoal.

Jó 42,5: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te viram”.

Precisamos buscar a Deus além dos sinais, ritos, templos, das mesmas Palavras da Bíblia, e dos sacramentos.

Os hebreus precisavam buscar a Deus além de Jesus. Jesus era um sinal – SACRAMENTO. Aqueles que não foram além do sinal, não acreditaram em Jesus, e acabaram matando Jesus.

Jó 4,20-24. “Virá o tempo em que os verdadeiros adoradores não adorarão nem no templo, nem no monte (sinais), mas em ESPÍRITO e VERDADE” (= além dos sinais do templo e do monte).

A experiência de Deus, a busca da Face é uma aventura sedutora, fascinante; mas arriscada, perigosa. Mais que subir o Everest ou penetrar na floresta Amazônica ou ir à lua.

Mas qual o caminho que leva a Deus? Quem nos guiará nesta aventura da experiência de Deus? Quem nos conduzirá às profundezas do mistério de Deus? Não um mestre, um guru ou um santo, mas o próprio Espírito Santo.

1Cor 2,6: “Pregamos a sabedoria de Deus, misteriosa e secreta... sabedoria que nenhuma autoridade deste mundo conheceu, pois se a houvesse conhecido não teriam matado o Senhor da Glória... Coisas que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram, nem o coração humano imagina, Deus no-lo revelou pelo seu Espírito, porque o Espírito penetra tudo, mesmo as profundezas de Deus...

Assim também as coisas de Deus ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus”. Por isto o Espírito é o GUIA.

Gl 4, 6: “A prova de que sois filhos é que Deus enviou aos vossos corações o Espírito do seu Filho que clama:”Abba” Pai. O Espírito Santo nos introduz na intimidade do Pai.

Nossa busca de Deus acontece no meio de tantos tropeços (idolatrias), como povo hebreu, mas, também, com tanta esperança e na certeza de que Deus mesmo vem ao encontro daqueles que o buscam com coração sincero.



Dt 4,29: “Então buscarás o Senhor teu Deus e o encontrarás contanto que o procures de todo o teu coração e de toda a tua alma”.