RETIRO 2008 – Quarta Meditação
“Eu suspiro por Nazaré”(Carta a Maria de Bondy – 10.04.1894) “Como Jesus em Nazaré” (de um escrito do dia 22.07.1905)
“Vim morar em Nazaré... o Bom Deus me fez encontrar aqui, por quanto perfeitamente possível, aquilo que procurava: pobreza, solidão, abjeção, trabalho humilde, escuridão total, imitação perfeita, na medida do possível, do que foi a vida de Nosso Senhor Jesus nesta mesma Nazaré... Abracei aqui a existência humilde e obscura de Deus, operário de Nazaré” (Carta a Luiz de Foucauld – 12.04.1897).
“Jesus te estabeleceu para sempre na vida de Nazaré... Toma como objetivo a vida de Nazaré, em tudo e por tudo, na sua simplicidade e na sua amplidão. Nada de vestido especial – como Jesus em Nazaré... Não menos de oito horas de trabalho por dia – como Jesus em Nazaré. Numa palavra, em tudo: Jesus em Nazaré”. A tua vida de Nazaré pode ser vivida em qualquer lugar: vive-a no lugar mais útil
ao próximo” (De um escrito do dia 22.07.1905).
Jo 1,18. Ninguém nunca viu a Deus. O Filho único, que está no seio do Pai, foi quem o revelou.
Jo 14,9. Quem me vê, vê o Pai.
Cl 1,15. Ele é a imagem do Deus invisível.
Hb 1,3. Ele é a irradiação de sua glória, a imagem do seu ser.
Vamos então contemplar Jesus. “Precisamos impregnar-nos do Espírito de Jesus, lendo e relendo, meditando e voltando a meditar sem parar, suas palavras e seus exemplos. Que eles façam na nossa alma como a gota d’água que cai e recai sobre uma pedra sempre no mesmo lugar” (A Luiz Massignon, 22.07.1914).
Olhar para Jesus é um contínuo apelo à conversão. Alguém poderia pensar de já conhecer Jesus, mas é uma ilusão. Jo 1,26. No meio de vocês está alguém que vocês não conhecem.
Importa fazer uma experiência pessoal de Jesus.
1Jo 1,1-4. O que os nossos olhos viram, o que as nossas mãos apalparam isto anunciamos...
Ef 3,8-9.17-19. Paulo fala da “inexplorável riqueza de Cristo... mistério oculto desde a eternidade... (e convida a) compreender a largura, o comprimento, a altura e a profundidade, isto é, conhecer a caridade de Cristo que desafia todo conhecimento”.
Desde o começo Jesus foi um desafio para o conhecimento dos mesmos apóstolos. Jo 14,9 “Há tanto tempo estou com vocês e você ainda não me conhece, Felipe”?O mistério não pode ser banalizado, jogado na praça, aos não interessados.
Jesus proibia aos demônios espalhar quem Ele era. O mistério de Jesus é uma descoberta pessoal, não de massa, como a conversão. Não podemos ter pressa. No Antigo Testamento Deus se revela aos poucos. Assim, Jesus se revela aos poucos.
Mc 4,33. Jesus ensinava em parábolas conforme sua capacidade de entender. Conhecer Jesus é uma aventura fascinante, empolgante, mas também exigente.
Fl 3,7-12. “Tudo isso que, para mim, eram vantagens, considerei perda por Cristo. Na verdade, julgo como perda as coisas em comparação com este bem supremo: o conhecimento de Jesus Cristo nosso Senhor. Por ele, tudo desprezei, e tenho em conta de esterco, a fim de ganhar Cristo e estar com Ele... Anseio pelo conhecimento de Cristo”.
Irmão Carlos vibrava e queimava da mesma paixão pelo Bem Amado.
“Pensa dia e noite no teu Bem Amado e no meio de servi-lo, pensa nele com o coração queimando de amor, e os anos te parecerão, como a Jacó, mais curtos do que se fossem dias” (Comentário a Gn.29,20).
1Cor 2,2 “Julguei não dever saber coisa alguma, entre vós, senão Jesus Cristo e Jesus Cristo crucificado”.
Como Paulo, os jovens de hoje parecem ser muito atraídos e sensíveis ao tema: Jesus Cristo. Sem constrangimento usam camisetas com retrato de Jesus ou frases sobre Jesus, levam crucifixos ou terços no pescoço. Mas, se repararmos no conteúdo das frases, o Cristo que eles admiram é o Cristo Vitorioso, o Rei dos reis, o maior, o 100%, o superstar, o máximo, o vencedor.
Há uma insistência no poder, na força, vitória, glória, grandeza, divindade. Jesus, no entanto, tomou o caminho oposto, e aqui está o mistério. O mistério da encarnação e da cruz. Este é o Jesus real, histórico, e não de fantasia, romântico.
Jo 1,14. “O Verbo se fez carne e a habitou entre nós”.
Hb 4,15. “Não temos nele um pontífice incapaz de compadecer-se de nossa fraqueza, ao contrário, passou pelas mesmas provações que nós, menos o pecado”. “Aquele que não conheceu o pecado, Deus o fez pecado por nós”.
Gl 3,13. “Ele se fez maldição por nós”.
Fl. 2,5-11. O itinerário percorrido por Jesus.
“Sendo de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo, e assemelhando-se aos
homens. E sendo reconhecido exteriormente como simples homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte e morte de cruz”.
COMLA 5 (p.31.2-4-6). “A encarnação deve ser vista dentro de um longo processo histórico em que Deus se aproxima repetidamente e de muitas formas do seu povo, para ser o Deus-Conosco... A encarnação realiza-se em toda a vida de Jesus, particularmente na sua entrega e morte de cruz”.
É significativa a experiência de Moisés. Filho de escravos, mas criado na corte de Faraó. Sua conversão começa no dia em que toma consciência da situação terrível de seu povo.
Ex 2,11. “Moisés cresceu. Um dia em que saíra por acaso para ir ter com seus irmãos, foi testemunha de seus duros trabalhos. E viu um egípcio ferindo um hebreu”.
A conversão de Moisés começa com o VER. Mas Moisés não é aceito pelos seus irmãos, não é um deles, não se criou com eles e como eles. Moisés precisa passar pela experiência da rejeição, fuga, deserto, sarça, para voltar não como herói, super herói, que faz tudo sozinho (agitador terrorista). Começará sua ação libertadora em forma democrática, humilde, com os anciãos.
Nós, geralmente nascidos em famílias humildes, mas criados em seminários – conventos, longe do povo (como Moisés na corte) precisamos voltar ao povo e VER, tomar consciência, conhecer a realidade, encarnar-nos. Toda encarnação é limitada e comporta um risco; é um empobrecimento; automarginalização; deixar uma cultura, gastos, status; tornar-se um estranho.
A mulher do ditador de El Salvador dizia a Dom Oscar Romero: “Você não é mais dos nossos. Você nos traiu”. Jesus, ao encarnar-se, limitou-se no tempo, espaço, cultura, religiosidade. Sua encarnação é um desafio para nós. Ao encarnar-nos precisamos ter consciência do limite de toda encarnação. Assim como Deus é sempre o outro, também os pobres são sempre os outros.
Gustavo Gutierrez, em “Beber do próprio poço”, traz o exemplo de Oscar Romero. “Nem o martírio nos identifica com os pobres” afirma Gutierres. Mas isto não nos dispensa de um esforço real, de uma encarnação sincera e amorosa, no meio dos pobres e excluídos, como o Mestre.
COMLA 5: “Não se deve pensar que o europeu possa tornar-se africano ou americano, asiático. No entanto uma solidariedade radical e profunda se torna exigência da espiritualidade”.
Solidariedade, encanação, não significa absolutizar a cultura de um povo como se tudo naquela cultura fosse valor. Se alguém for a Itália não precisa começar a blasfemar porque os italianos blasfemam.
Jesus ao encarnar-se não se identificou com os Nazarenos, nem mesmo com seus parentes, mas só com a Vontade do Pai.
Ir. Carlos ao Mons Guérin que lhe perguntou a respeito da conveniência de permanecer no Hoggar, mesmo sem poder celebrar a missa ou não ir ao Hoggar para poder celebrar, respondeu: “Ficar no lugar mesmo sozinho é coisa boa, há
possibilidade de agir, mesmo sem fazer muito, porque a gente se torna “do lugar”; a gente se torna tão acessível, tão “mínimo”... Além disso, a Tamanrásset, embora sem a Missa diária, há o Santíssimo Sacramento, a reza regular, as longas adorações, grande silêncio e grande recolhimento para mim” 02.07.1907.
Para nós vale sempre o testemunho - desafio de Jesus. Apesar de ser de condição divina não achou isto um obstáculo insuperável, mas conseguiu ser em tudo como nós, menos no pecado, sem privilégios, mordomias, distinções.
Assumiu toda ambigüidade, precariedade, provisoriedade, tornando-se simples homem.