A Fraternidade tem uma missão. Não no sentido de ‘fazer’ como às vezes se entende em muitas congregações.
O Irmão Carlos não ‘fazia’ nada e, no entanto, ‘vivia’ o essencial. Nesse sentido, essa é a ‘palavra inédita’ que brota nele e que clama por sulcos através dos quais expressar-se, não encontrando na tradição formas adequadas. Como no Evangelho: “vinho novo em odres novos”. Os odres velhos não lhe serviam, queria expressá-lo à sua maneira.
O Irmão Carlos não ‘fazia’ nada e, no entanto, ‘vivia’ o essencial. Nesse sentido, essa é a ‘palavra inédita’ que brota nele e que clama por sulcos através dos quais expressar-se, não encontrando na tradição formas adequadas. Como no Evangelho: “vinho novo em odres novos”. Os odres velhos não lhe serviam, queria expressá-lo à sua maneira.
Creio que nisso está o profundo significado da intuição do Irmão Carlos para a Igreja. Sua presença é um verdadeiro ‘carisma’ para a Igreja, uma ‘graça’, um ‘dom’, algo imprevisível que não pode ser domesticado. Porque o Espírito suscita seus dons quando quer e como quer.
E não podemos controlá -lo. Por isso não ‘controlaram’ o Irmão Carlos. Sim, porque as outras formas de vida religiosa a partir do século XVII, Santo Inácio, por exemplo, lutou muitíssimo para romper o estilo de vida monástica, mas a companhia foi progressivamente obrigada a viver durante muito tempo dentro de um esquema monástico (como monges que faziam pequenas escapadas para a missão e depois voltassem ao mosteiro porque aí estariam protegidos).
O que era uma contradição com a inspiração original de Santo Inácio. Assim se voltava a pôr o novo em odres velhos, sem deixar-lhe seu espaço como verdadeiro dom para a Igreja.
Os verdadeiros carismas, em sua novidade, são suscitados pelo Espírito para que todos os cristãos possam perceber e descobrir que devemos voltar ao Evangelho constantemente: que isso não se pode supor já conseguido. E que às vezes nos afastamos demais dele.
Para reavivar essa memória, para que essa consciência chegue a todos, é necessário que alguns encarnem esse carisma, lhe deem vida e façam descobrir sua atração. Creio que é esse o sentido da Fraternidade. Vocês são uma espécie de “Resto de Israel”, com a função que esse ‘resto’ tinha na história do povo de Israel. Em nosso caso, para ajudar todos a recuperar o entusiasmo inicial do acontecido com a irrupção de Jesus e do Evangelho na história.
b) “... que é para todos”.
Isso é importante porque durante muito tempo a Vida Religiosa foi considerada na Igreja como um “estado de perfeição”. Já a palavra ‘estado’ é problemática. É como dizer que já chegamos, que já alcançamos a meta. O que equivale a dizer: ‘podemos deixar de lado... E com isso se mata o dinamismo e a novidade do Espírito que nos surpreende sempre e não nos deixa tranquilos, se o escutarmos!
Essa concepção não somente nos fazia mal aos religiosos (a sutil tentação de ser vistos ou de considerar se como ‘elite’), mas também fazia mal ao povo de Deus. Os cristãos “a pé”, o povo de Deus, tinham que contentar- se com os mandamentos. O que equivale a empobrecer a vida cristã até esvaziá-la. Não é à toa que o concilio Vaticano II estabelece a igualdade fundamental dos cristãos como premissa da comunidade eclesial: todos são chamados à plenitude da vida cristã, ou seja, à santidade.
A partir daí se dá a distinção de funções e de estilos de vida na igreja. De alguma maneira o Irmão Carlos intuía que o destino e a função da vida religiosa não podiam consistir em isolar-se, não teriam que levar a uma separação do povo cristão.
Os religiosos não são uma “casta espiritual’; o que eles vivem é para todos. Por isso é necessário estar nó meio do povo, para que essa experiência fecunde a vida da Igreja e de cada cristão. Não somos religiosos para que nos venerem e nos digam: Como são santos! Era isso que o ‘estado de perfeição’ insinuava.
Creio que esta perspectiva abre uma grande pista para captar o que seja a missão da Fraternidade na Igreja: devolver-nos, a todos, a consciência de que em muitas coisas estamos muito longe do Evangelho e isso pode ser feito sem contestações que assustem.
Os mais perigosos não são os que gritam, mas aqueles que vivem: embora não abram a boca, incomodam profundamente. É essa a contestação evangélica. O Evangelho em si mesmo é ‘contestação’, porque é contra-cultural. Como vêem, não precisam preocupar-se; têm muito a fazer...
Dito com outras palavras, a missão da Fraternidade é antes de tudo ser, viver, mais do que ‘fazer’. A vida religiosa tradicional (entenda-se vida apostólica ‘moderna’) sucumbiu muitas vezes, a meu ver, à obsessão de fazer coisas, deixando de lado o que se era, o que se tinha que ser. Ao criar-se essa dicotomia e incorporá-la como se fosse natural, abre-se um abismo entre o que dizemos ser e o que na realidade vivemos. E isso contamina negativamente o que fazemos, porque tão importante é ‘aquilo que’ fazemos como a maneira de fazê-lo, a maneira pela qual estamos no que fazemos e vivemos.
É preciso ter isso muito presente, porque é exatamente o que o Evangelho nos diz: a coerência de vida entre o que se diz e o que se faz. É a contradição denunciada muitas vezes por Jesus no Evangelho quando se refere aos escribas e aos fariseus: “façam o que eles dizem, mas não o que fazem”.
Ou então, quando nos diz: “Não é o que diz Senhor, Senhor, que se salva, mas aquele que põe em prática, aquele que o vive”.
É um testemunho, se quiserem, não buscado e por isso mesmo autêntico. Em que consiste esse testemunho? Não para que nos digam: Que pessoa boa, que exemplo nos dá! O verdadeiro testemunho cristão é o que revela Jesus Cristo com a própria maneira de viver, sem necessidade de palavras.