quinta-feira, 8 de março de 2012

ESPIRITUALIDADE DE C. F- 6ª PARTE



c)-Um terceiro aspecto dessa experiência espiritual é a descoberta daquilo que ele formulou como o absoluto de Deus.
Nessa itinerância passou de não crente (embora tenha sido cristão batizado, mas abandonou a fé) a uma conversão que o leva à descoberta de Deus como absoluto:

“eu percebi, diz ele, que não podia fazer outra coisa senão viver unicamente para Ele”. 

É isso o absoluto, não é uma teoria, não é um conceito teológico. E toda a linguagem do Irmão Carlos está marcada por essa totalidade: “Tudo, todos, glorificar e consolar o mais possível, isto é definitivo, é para sempre”...

Algo se apoderou dele, nada podia ficar fora. É a experiência do absoluto. É uma verdadeira experiência mística. Não no sentido que se dá com freqüência ao ‘místico’ como algo raro, extraordinário, unicamente para privilegiados. Trata-se de algo básico do ponto de vista cristão: a experiência de ter sido agarrado por alguém do qual não é possível escapar; tudo tem que entrar na resposta.

A outra frase que está nos textos que vocês têm aqui: “Como Deus é grande! Que diferença entre Deus e tudo que não é Ele!”. Numa frase como esta se expressa a tensão entre a relatividade do humano, de cada dia, daquilo que temos nas mãos. tudo o que não é ele e por isso mesmo a insatisfação que isso provoca e a necessidade de buscar mais e sempre, até que a gente perceba e diga: é isto o que eu quero.

Essa tensão, que sabe constantemente relativizar o que não é o Senhor e o que é Deus. Mas, então, sem condições. Uma vez que ele sabe o que quer. tem que entrar tudo, não pode permanecer com meias medidas.

Uma marca dessa totalidade e desse absoluto é a experiência do dia 15 de janeiro de 1890, um momento de ruptura em sua vida: quando decide ir definitivamente para a África e rompe com a família. Ruptura muito dolorosa para ele, porque era deixar tudo o que mais queria, a família. 

Chega então a essa separação, a essa imolação de tudo o que para ele significava a vida naquele momento. O “tudo” naquele momento significava isso. Depois irá integrando outras coisas, mas sem esse arranque inicial não teria sido capaz de viver como viveu. E isso não aparece de maneira abstrata em alguns conteúdos, mas num caminho concreto. 

E isso é o que nós temos que recuperar. O caminho concreto pode livrar-nos das interpretações erradas. 

O caminho concreto: ao ver por onde ele passou, a gente pode dizer: “Não me enganei ao interpretar isso assim, ou ao interpreta-lo agora de outra maneira. 

É isso que justifica a busca da vontade de Deus: é a raiz da submissão do Irmão Carlos como obediência ao Senhor, é a raiz dessa obediência. A raiz da obediência não é submeter-se a um superior ou a um responsável, a raiz da obediência é aceitar que todos, com alguém à frente que os anime, estejamos em busca do que Deus quer. E quando nos rebelamos diante disso, é muitas vezes em nome de nosso individualismo, de nossa autoafirmação. Mas então já teremos jogado fora esse itinerário. 

Eu creio que foi também o essencial da busca do Irmão

Carlos, ao decidir-se pela Trapa e ao viver nela sete anos.

Ele se submete ao que Deus vai lhe manifestando e trata de esclarecê-lo e se relaciona por correspondência com Huvelin e se submete à obediência, embora não veja claro, espera que ele lhe dê seu parecer antes de dar o passo.

Assim vai fazendo em todas as etapas e buscas de seu itinerário até o fim. No fundo, parecia um homem continuamente insatisfeito. Não com uma insatisfação que nos deixaria mal, ou seja: “já estou cansado, já estou cheio”; não, é a insatisfação que inquieta porque sabe que não chegou ainda a tudo e não pode pôr um ponto final.

d -Assim se explica também, creio eu, outra característica dessa experiência: o amor apaixonado por Deus e por Jesus e o abandono. Não se trata de um ‘sentimento’. Ao dizer: “Pai, eu me abandono em tuas mãos”, é uma vida que se expressa; mas entre outras coisas, esse abandono significa a insegurança e o buscar constantemente, o não poder parar. Porque, do contrário, seria uma atitude muito bonita, dizer: eu me abandono a Deus, que faça de mim o que quiser.

O que acontece é que aquele que tem que fazer sou eu, mas o faço seguro de que não estou no vazio, que estou em suas mãos, que posso abandonar-me e que ele me guia, embora de maneira atormentada, muitas vezes.

Este abandono por um lado é a experiência de sentir- se realmente amado, como filho. Esta oração, que acaba sendo uma oração, mas que é expressão daquilo que ele lia no evangelho, é a atitude do filho, por sentir-se amado e saber que está seguro na insegurança, e ao mesmo tempo é o que lhe dá a dimensão cada vez mais explícita de sentir-se irmão de todos e de querer amar a todos, irmão universal, que também é uma frase muito bonita, mas que podemos esvaziar completamente. 

Nele, o universal e passa sempre pelo concreto. Amou a todos e a cada um como se apresentava e não tinha limites para isso. E por aí entra no universal. Uma frase dele que destacam aí é:

“Sentir-se nas mãos do amado, e de qual amado! Que paz! Que doçura! Que abismo de paz e de confiança!”