3 - Fundamentos ou raízes evangélicas
Em todo seu itinerário e no processo que viveu o Irmão Carlos, até essa identificação cada vez mais entranhada e profunda com Jesus de Nazaré, todo esse processo está baseado em algo que é profundamente evangélico e, portanto, profundamente teológico.
a) Como Jesus, o Irmão Carlos vive um descentramento,é um descentrado, um ‘excêntrico’. Não me entendam mal. Seu centro não está nele, está fora. assim como Jesus o tinha no Pai. Isso, teologicamente, é algo enorme, porque significa que ele, a medida em que vai avançando em seu processo, só pode entender-se a partir do absoluto de Deus e a partir do absoluto dos irmãos. Isso é o mais central do Evangelho. Jesus começa anunciando o Reino de Deus e a Boa Notícia aos pobres. É isso. E é algo básico, central, e teria que ser o centro de todo cristão, evidentemente da vida religiosa. E da Igreja. A missão da Igreja não é ela mesma, são os outros. Se nós nos fizermos o centro, estamos completamente fora de lugar. Aqui há matéria para que os teólogos quebrem a cabeça, porque são coisas não muito trabalhadas teologicamente.
b) Outro aspecto dessa base teológica é que o Irmão Carlos, como todos os grandes místicos apaixonados por Jesus (Francisco de Assis, Inácio de Loiola e muitos outros) são impactados e marcados pelo que poderíamos chamar o núcleo duro da fé cristã, o núcleo que nos custa tragar e por isso é núcleo “duro”, que é precisamente que o Deus cristão só pode ser encontrado na carne frágil e que não há outro Deus.
Isso, logicamente, é algo enorme, porque supõe uma reviravolta total na imagem que temos de Deus e ainda não conseguimos assimilá-lo, em termos cristãos. Grandes homens e grandes santos o assimilaram, sim, mas em termos de comunidade eclesial, creio que é muito difícil chegar a isso.
Experimentar a alegria de descobrir que a imagem que temos de Deus, se revela a nós, em Jesus, de maneira contrária: porque... Onde está em Jesus a onipotência de Deus? Jesus é um ‘fracassado’. E, no entanto, nós o reconhecemos como Filho de Deus.
Então, que significa a onipotência ou o poder de Deus? Faz-se necessária uma reviravolta. Que poder é esse que se revela na impotência? É o poder do amor. Não há outra força, não há outras armas. Jesus vence desarmado. O centurião e o bom ladrão reconhecerão que, embora o tenham destroçado, não puderam tirar dele essa fidelidade essa fé; que não respondeu da mesma maneira. E com isso vence realmente a injustiça e o ódio. Vence-o na raiz, fere-o de morte, mas sendo vítima do mal. Este é o nosso Deus. Na fragilidade, como diz Paulo, mostra-se sua força. É um paradoxo, é algo que derruba (que põe de ponta cabeça) tudo o que nós imaginamos.
Que significa a sabedoria e a onisciência, que sempre atribuímos a Jesus? Jesus era onisciente, desde o princípio, já sabia tudo, ele soprava e do barro apareciam pombinhas... Os apócrifos, nós os temos na cabeça, entraram em nós pela tradição. E que significam, diante daquilo que vemos que Jesus tem que aprender, que tem que “fazer-se” igual a nós? “Fazer-se” significa um processo, um caminho, não saber, aceitar o que é o limite de toda experiência humana: não dispor do futuro e, por isso, ir abrindo caminho.
-É aí que tocamos no núcleo duro da fé cristã, isso é um escândalo, isso nos deixa sem fôlego, porque intuímos que pode ter conseqüências. Essa proximidade do Senhor encarnado será a paixão do Irmão Carlos: Jesus Modelo Único. É por aí que ele vai aprendendo que Deus só é Deus em Jesus de Nazaré como próximo, como pequeno, e portanto ao contrário do que pensamos, ele se encontra aonde nós não iríamos buscá-lo.