quinta-feira, 28 de setembro de 2017

FM-04- A MENSAGEM DE MAR- ELIAS


CAPÍTULO 3 – MENSAGEM DE MAR-ELIAS 

(Eremitério de Mar-Elias, perto de Damasco na Síria, 19/06/1950) 

“Sai, e conserva-te sobre o monte diante do Senhor, porque eis que o Senhor vai passar” (1 Rs 19,11). 
O Pe. René Voillaume começa descrevendo a capela de onde está escrevendo, diante de um ícone de 2 m. De altura do profeta Elias. É uma das grutas num lugar de absoluto silêncio. Na capela, cotos de velas e objetos frutos de promessas cumpridas. 

Fala sobre Elias, “verdadeiramente um homem cingido pela força divina e que deu testemunho à majestade única e transcendente do Deus de Israel, no meio de um povo cativado pelo materialismo dos ídolos, através das peripécias de uma existência devorada pelas exigências de uma missão imperativa e na lassidão de um coração consciente de sua miséria e, entretanto, consumido pela nostalgia da face de Deus, de cujo mistério ele tinha um dia entrevisto a sombra, numa gruta da montanha”. 

Contraste violento: força divina X fraqueza humana. Esperança. Coragem incansável. 

“É esse espírito de Elias que eu gostaria de ver descer em suas almas de Irmãozinhos. Esse fogo devorador deixou os mesmos traços fortes na alma do Pe. De Foucauld.” 

Meditem as páginas do Pe. De Foucauld que são o eco desse espírito, para que se grave em suas vidas! Releiam-nas quando, acossados pelo materialismo do povo no lugar em que vocês vivem a Fraternidade, vocês forem tentados a esmorecerem. 

Aqui mesmo, nesta gruta, alguns Irmãozinhos pedem por vocês, de tempos em tempos, para que tenham esse espírito de força no amor. 

É nesse espírito de Jesus que eu lhes falo agora sobre o verdadeiro sentido e as consequências de nosso estado de trabalhadores pobres, na perspectiva de nossa vida religiosa e de oração. 



NOSSO ESTILO DE VIDA

Um gesto tão simples: exercer um ofício, viver de salário, a fim de se tornar pobre, verdadeiramente pobre como um proletário, gesto esse realizado com amor por tantos santos, desde que Jesus viveu como trabalhador manual. Como pode um gesto como esse suscitar, atualmente, tais problemas a ponto de que a gente não possa mais tentar integrar no estado religioso uma vida de trabalhador, sem ter que formular a questão da legitimidade de uma tal vida? 

Será impossível viver no século XX (XXI) uma vida no meio do povo pobre, simples, conforme o Evangelho de Jesus e baseada no trabalho diário do assalariado, sem colocar-se fora das condições exigidas pela Igreja para uma autêntica vida religiosa? 

O primeiros ascetas do deserto viviam assim! S. Francisco de Assis e os primeiros discípulos viviam assim! Misturados com os pequeninos, pobres, entregues a um trabalho qualquer. 

Só estamos pedindo isso! Com amor, viver pobres entre os pobres, santificando essa vida com os votos, sem usarmos hábitos! 

A vida operária moderna não pode mais servir de base à elaboração de uma vida religiosa autêntica? O operariado cresce dia a dia! 

Há duas objeções ao estabelecimento de uma vida religiosa no proletariado. 


PRIMEIRA OBJEÇÃO 


É impossível a um religioso trabalhar entre operários como um deles, sem ser integrado na classe operária e, por esse fato, levado a participar de um estado de luta de classe que a Igreja não poderia consagrar por sua presença; seria também levado a abraçar uma mentalidade mesclada de marxismo, incompatível com a fé cristã, ou pelo menos, a comportar-se como se praticamente se aceitasse os princípios comunistas. 

As condições materiais do trabalho industrial impediriam uma vida religiosa autêntica. 

Isso equivale a dizer que os operários não podem pertencer totalmente à Igreja de Cristo? Ou, pelo menos, não atingiriam a perfeição do amor! Acabar-se-ia com a esperança cristã no operário, pois se um religioso, bem preparado espiritualmente, não conseguisse viver a perfeição cristã no trabalho operário, que se dirá destes, que não têm quase nenhuma preparação? 

É Deus quem nos chama! Não podemos separar Jesus trabalhador em Nazaré, dos demais operários esmagados pela rudeza das condições de trabalho. 

Desejamos, com todo nosso amor, partilhar de sua sorte, para mostrar-lhes que Jesus pode ainda aproximar-se deles, que podem oferecer ao Redentor sua vida dolorosa. Eles podem se aproximar da Igreja através da nossa Fraternidade. 

Isso é possível se permanecermos totalmente da Igreja e, ao mesmo tempo, seus irmãos de destino e coração. 

A Igreja perdeu a alma operária. Devemos estar presentes ao seu trabalho e aso seus corações. 

Dificuldade: existe uma classe operária. Isso é um fato. Sensibilidade própria. Mentalidade particular. Problemas específicos. Será que o marxismo absorveu totalmente o mundo do trabalho? Pode-se ainda ser operário sem ser obrigado a professar princípios opostos ao Cristianismo? 

A unidade da classe operária é um fato. “A posição de vocês deverá ser a de “acreditar com toda a fé na necessidade de salvaguardar a possibilidade de uma orientação cristã na classe operária, mesmo que fosse ao preço de uma ruptura de unidade, se essa tivesse que ser baseada no materialismo. É possível viver integralmente como cristão e como religioso na classe operária?” 

Os que pensarão cristãmente serão um pequeno número. “Devemos manter, com toda nossa fé, a continuidade viva da ação, lenta ou rápida, escondida ou triunfante, pouco nos importa, da Igreja, através dos séculos.” 

CLASSE OPERÁRIA E SUAS LUTAS 

É preciso manter, não só entre os trabalhadores, mas mesmo na luta operária legítima, uma presença da Igreja. 

Os Irmãozinhos devem ser os testemunhos de uma vida operária penetrada de amor e de redenção, inviolavelmente fiéis ao papa e à Igreja. Vocês sentiram, com os operários, a injustiça da condição proletária. Ao mesmo tempo, experimentaram a força da solidariedade operária e a inteira abnegação de muitos. Há uma complexidade de problemas e a necessidade de um esclarecimento sobre eles. 

Vocês são apenas Irmãozinhos de Jesus e continuarão sempre a sê-lo mesmo que tiverem que adquirir um mais alto grau de conhecimentos filosóficos e teológicos. Vou, pois, resumir-lhes, em algumas diretivas simples, qual deve ser a atitude de vocês. 


DIRETIVAS DE ATITUDES 


1- Jesus nos pede para representá-lo entre os mais pobres de seus irmãos. Faremos tudo para sermos autorizados a viver no meio dos trabalhadores e a compartilhar o seu sofrimento, trabalho e condições de via, sempre numa obediência total à Igreja. 

2- Sempre na amizade, presentes às suas preocupações, não os julgaremos, nem os condenaremos jamais: só Jesus tem esse direito. 

3- Nós nos amaremos mesmo no meio da luta, mas não participaremos do menor sentimento de ódio que existir em seus íntimos nem o aprovaremos. Nosso amor não poderá cessar de ser universal, mesmo quando vai de preferência aos que são os mais infelizes. 

4- Nunca desobedeceremos ao amor de Cristo, mesmo no sofrimento de impotência aparente que esse amor nos imporá, às vezes, em face da injustiça. 

5- Diante das injustiças revidadas com luta que se faz o único meio de extingui-las, vocês não devem participar de modo verdadeiramente ativo, pois nossa presença é antes de tudo espiritual e de amor no meio das pessoas. 

Entretanto, devemos nos solidarizar com eles, pois a Igreja não poderia estar longe dos que sustentam uma luta justa em seu princípio. 

Partilharemos com eles e os ajudaremos a suportar todas as misérias que resultam desse esforço : a inscrição nos sindicatos, a participação nas obras de auxílio mútuo e nas coletas operárias, com finalidades evidentemente não políticas, essas serão a expressão mais habitual dessa solidariedade. 

6- Nos casos de injustiça pessoal atingindo os colegas de trabalho, devemos agir até que a injustiça cesse, mesmo com o perigo de se perder o emprego. Ficar em silêncio, nesse caso, seria covardia culpável e poderia ser como uma traição da Igreja, que será julgada através de nossa atitude. 

7- Suportar sem ódio nem revolta o dilaceramento produzido em nós pela opressão injusta dos pobres, participação mais ativa na agonia do Salvador, assim dilacerado em sua humanidade, e num dom mais generoso aos que sofrem. 

8- Entre obedecermos a uma diretiva formal da Igreja e o que nos parece ser uma exigência de solidariedade com o proletariado, precisamos ficar com a Igreja, sofrendo com nossa impotência em não poder modificar esse estado de coisas, a não ser por um esforço de solidariedade mais insistente e uma participação pessoal mais generosa à Paixão de Jesus. 

9- Explicar claramente e em termos concretos o porquê de nossa atitude aparente de afastamento ou de recusa: saibamos fazer sentir ao mesmo tempo nossa solidariedade operária e a impossibilidade em que estamos de colaborar no sentido de uma evolução materialista do mundo. Devem saber que nós também cremos em qualquer coisa e que somos capazes de devotar-nos a ela até à morte. Somos, às vezes, nesse terreno, mais tímidos que muitos comunistas ou socialistas. 

10- Perigo de nos contaminarmos inconscientemente em nossas concepções e em nossa fé, como que por uma infiltração progressiva do pensamento marxista que nos rodeia. Esse risco é maior para eles, e por isso não podemos desistir de nos estabelecer em plena massa operária. 

11- Controlaremos constantemente a influência da imprensa operária, cuja leitura nos é necessária, e a do meio do trabalho, por uma informação mais objetiva dos acontecimentos, e, sobretudo, pelo contato que gostaremos de guardar com a palavra do Papa e o ensinamento da Igreja. 

Ao materialismo latente do mundo do trabalho e à perspectivas unicamente terrestre de sua mística, opormos uma oração generosa que manterá nossa vida sob a influência benfazeja da presença de Jesus. 


SEGUNDA OBJEÇÃO


Outros alegam a impossibilidade de transformar a vida de um trabalhador, consagrando-a a Deus pela vida religiosa, em primeiro lugar, pelo cansaço do tipo de trabalho, que não predispõe o espírito à oração e, em segundo lugar, pelo pouco tempo deixado pelo horário de trabalho para a oração.

Essa e outras objeções são feias até por religiosos contemplativos, que se utilizam da solidão, separação, silêncio, que predispõem à oração contemplativa: contemplação, calma, da beleza e da verdade divina, na claridade do amor.

Essa forma de oração não é exclusiva e não é à que Jesus nos chama habitualmente os Irmãozinhos. Estes são chamados a uma oração redentora, verdadeira e autêntica oração, mas que não se desenvolverá no mesmo quadro de vida que a do religioso enclausurado, e até parece que se desenrolam em posições opostas: é na fadiga, no sofrimento, nas dificuldades de uma vida de pobreza às vezes aos encontrões, que deve subir aos céus frequentemente a oração dos Irmãozinhos.

“Os Irmãozinhos de Jesus são chamados, quanto a eles, a viver um esforço de oração e de fé que brotará, às vezes, do sofrimento e sua própria vida, mas, ainda mais frequentemente talvez, da plena comunhão à miséria física e moral dos que os rodeiam”.

Não é uma oração em que vocês vão parar e repousar. Sua sorte está ligada aos que estão numa penosa marcha para a luz. A oração de vocês obterá, para eles, um mínimo de fé, indispensável para orientar suas vidas para Deus.

Aliviará os que se desesperam. É uma forma de amor mais para o desejo da posse do que pela posse verdadeiramente dita desse amor. Eles sentirão um desejo, mesmo confuso, daquele que é Todo o Amor. O Espírito Santo os orientará nessa direção. Jesus deve ser o nosso modelo: comprimido pela multidão dos doentes e pobres, alquebrado pela fadiga das caminhadas no pó das estradas, acotovelado e solicitado por todos, a ponto de não encontrar tempo nem para comer.

É essa a oração à qual Jesus quer associá-los. “Tenho compaixão desse povo que há três dias me segue e não tem o que comer” ( Mc6,34)

“Eram como ovelhas sem pastor” (Mc 6,34).

“Pai, livra-me desta hora” (Jo 12,27).

À pesada e sangrenta oração da agonia no Getsêmani, oferenda dele mesmo, ele junta uma visão aguda da miséria humana , essa mesma com que vocês se acotovelam e que nada deveria fazê-los esquecer.

O ato pelo qual Jesus salvou o mundo não se realizou no repouso e na oração tranquila, “mas no doloroso esforço de uma oração que não encontrava mais um caminho fácil através dos cansaços de um corpo quebrado de sofrimento.

“A oração de vocês não é separada da vida de caridade, de disponibilidade, de participação nos cuidados e no trabalho dos pobres. Vocês todos sentiram isso”, e que não poderiam separar a lembrança disso da de Jesus, e sua oração se reveste de impotência . Ela deve transformar-se numa espera de Jesus na fé, na inatividade humana, que é o gesto da oração atirando-nos sozinhos e sem palavras para diante de Deus.

“A pobreza e o sofrimento, os nossos e os dos outros são, com a realidade da Presença Eucarística, os meios que nos servem para fazer subir uma oração de fé do fundo de nossa alma” A constante procura de Jesus em nossa vida se apoia, antes de tudo, nas Bem-Aventuranças, e estas devem ser para nós realidades familiares e concretas.

Não podemos instalar em nossa vida uma oração de Cartuxo ou de solitário! Nós renunciamos à tranquilidade de uma contemplação solitária. O que Jesus pediu foi a perseverança. Confiemos na ação do Espírito Santo, para que cheguemos à oração contínua, ao “orai sem cessar” de Jesus.

Se Jesus exige uma coisa de nós, quer dizer que isso é possível com a sua ajuda. “Conduzir à perfeição do amor a oração do Publicano e da pecadora, a de todos os doentes e cegos que assediam Jesus noite e dia: é a essa graça que precisamos abrir nosso coração. Então, nossa oração estará em nossa vida e não a seu lado, e nela encontrará seu alimento, porque teremos aprendido a olhar todas as coisas na fé, com os mesmos olhos do Senhor.

Gandhi disse que se não realizarmos nas condições austeras de vida do trabalho e da pobreza “a mesma vida religiosa como se estivéssemos em oração num mosteiro, o mundo nunca será salvo”


INSTANTES DE SOLIDÃO


“Devemos, neste ponto, seguir o exemplo do Salvador, não somente para salvaguardar em nós a possibilidade de uma oração viva, contínua, mas também porque devemos nos manter fiéis a nosso dever de adoradores do Pai que nos incita a cada momento, pois, se a participação no sofrimento do mundo e a seu labor é, para nós, o ponto de partida de uma vida oferecida na oração, não podemos esquecer que, em nome de todos, nossa oração deve ser, também, uma adoração.”

O contato contínuo com as pessoas pode nos fazer esquecer esse aspecto da adoração:

-a exposição do Santíssimo Sacramento,

-o levantar à noite,

-os dias mensais de retiro silencioso.

-as Fraternidades de adoração.

Tudo isso nos lembra esse outro aspecto de nossa vocação e de nossa oração: viver só para Ele, e isso nos é lembrado no silêncio das horas passadas aos pés dele, para olhá-lo.

Não nos deixemos arrastar pelo peso dos sofrimentos da humanidade, nem cedermos à tentação dos Apóstolos ao censurar o “desperdício” de perfume da pecadora arrependida.

Essa inserção em nossa vida de instantes de solidão preserva-nos dessa mentalidade. Jesus merece que se “perca tempo” por Ele, na adoração, apesar dos que choram e sofrem. Essa “perda de tempo” nos mostra o calor de nossa fé na transcendência divina e purifica nosso relacionamento humano.

Esse “não servir para nada e não ser útil para ninguém” poucas vezes será compreendido. Essa incompreensão constante pode nos levar à tentação de deixar esses momentos de adoração, enfraquecendo assim a nossa fé no mistério de deus, sem que o percebamos.

Jesus é um mistério. Pertencer a ele tornará também misteriosa a nossa vida. “Não nos esquivemos desse mistério: seria falta de fé, fraqueza, respeito humano ou ilusão sobre a natureza de nossas relações com Deus”.

Será que nossa oração noturna e retiros em solidão nos assemelharão aos religiosos enclausurados?

Jesus pode, se quiser, derramar sobre nós torrentes de contemplação. Ele faz o que quer. Mas nossa oração não contemplará o mistério de Deus da mesma maneira: cansaço do corpo, falta de hábito desse tipo de oração.

Abandonemo-nos a Jesus pela Eucaristia! Oração silenciosa de Jesus a seu Pai. Juntemos o peso das almas e suas misérias que pesam sobre nós. Jesus também rezava morto de cansaço. Ele decerto levava consigo todos os sofrimentos morais e físicos que vira durante o dia nas pessoas.

Desse modo, nossa adoração será mais pura. “A adoração é a admiração do mistério supremo e oculto da divindade”, mistério esse de amor e de misericórdia, expressos pela Encarnação e Redenção Adorar com um coração todo disponível para o próximo! Essa é a verdadeira e pura adoração.

O religioso enclausurado pode perder esse envolvimento em sua adoração.

Quando se sentirem vazios, ofereçam ao Senhor esse vazio, para que ele preencha com sua própria oração. Mas... nós aceitaremos estar vazios? Esse é o problema... Sempre queremos ter algo para dar. “Mesmo na oração, a perfeição consiste em saber tudo receber em seu despojamento”.

Esse é o motivo da fundação das Fraternidades de Adoração: ser o coração das outras Fraternidades agrupadas em volta de cada uma delas.

A gruta de Santo Elias é um começo: de tempos em tempos virá um irmãozinho operário para unir sua oração à de Jesus, salvando os homens em seu coração, à força do amor.

Um verdadeiro Irmãozinho deve ser capaz de fazer as duas coisas: viver no meio de seus irmãos no trabalho e na fadiga e passar dias inteiros em união com a oração solitária de Jesus na montanha.



(segue páginas do Irmão Carlos páginas 88 e 91 dos “Escritos Espirituais”, que você pode ler na postagem “Escritos do Ir. Carlos” na página CARLOS DE FOUCAULDneste mesmo blog ).