CAPÍTULO 2 DA 3ª PARTE:-
“O evangelho é uma vida”. Simples, rapidamente exprimido, mas tudo consiste em vivê-lo. Isso não se faz num só dia. Os mesmos problemas que temos, nos parecem sempre novos. É como o ser vivo que é, ao mesmo tempo o mesmo e constantemente novo.
Relendo o que lhes dizia antes da fundação da Fraternidade Operária sobre nossa vocação contemplativa, tenho a convicção de ter descoberto tudo de novo. As dificuldades encontradas, as alegrias e os sofrimentos dos irmãos. Se tiver que repetir-lhes as mesmas coisas, será de um outro modo, correspondendo de maneira concreta às suas necessidades.
O QUE É A VIDA DE NOSSAS FRATERNIDADES.
Tenho dificuldade de explanar esse assunto de maneira clara,quando as dúvidas que se me colocam são sobre “gênero de vida”, “horário” ou “atividades”. Não se trata disso! Não consigo exprimir numa fórmula todo o nosso ideal. Nossa vida parece complexa e contraditória em alguns elementos, à primeira vista. O Irmãozinho deve:
-Ser ao mesmo tempo um trabalhador e um homem de oração.
-Guardar o silêncio e ao mesmo tempo estar presente às preocupações e aos cuidados de seus camaradas e seus irmãos.
-Um contemplativo desapegado de tudo, mas na liberdade de um certo uso de tudo.
“Todas essas antinomias aparentes devem ser resolvidas na simplicidade do princípio interior de nossa vida. É este princípio que é preciso definir. O resto não é senão a consequência.”
Amor>semelhança, conformidade, participação de todos os sofrimentos, dificuldades, dureza da vida. Amar sem julgar nem distinguir um do outro. Essa necessidade do amor é que está no fundamento de toda a vida do Pe. De Foucauld.
“Participar da vida por amor e sobretudo dos sofrimentos e das durezas dessa vida: é tudo o que desejamos fazer”. Amar a Jesus , participando de todos os seus sofrimentos e trabalho de Salvador. Amar as pessoas, participar da vida dos pobres, dos que sofrem, simplesmente por amor. Sem finalidade. Não pode ser de outro modo.
DEUS SALVADOR.
Jesus significa “Deus Salvador”. Exprime toda a razão de ser do Cristo. Jesus é o Salvador pela Cruz. Nossa “vocação à participação do sofrimento redentor é essencial, e se nos recusarmos a nos entregar totalmente a ela, nossa vida de Irmãozinhos deixa de ser verdadeira”. Clareza de ideal. Sem ilusões, É isso que Deus nos pedirá no decurso de nossa vida. Participação nos sofrimentos que deveriam salvar o mundo.
Só aprendemos a participar desse sofrimento aos poucos, durante a nossa vida. Não se trata de nos acharmos capazes dele, mas de estarmos conscientes do sentido da Cruz em nossa vida, e de aceitar, alegre e generosamente, que Jesus nos faça entrar em seu trabalho. Estarmos prontos para acolher o sofrimento, compreender seu valor e pouco a pouco amá-lo, com um estado permanente de ânimo. Espírito de imolação.
TENTAÇÕES
1ª)- De desânimo. “Somos desesperadamente fracos diante do menor sofrimento. Ficamos entristecidos, esmagados pelo menor fracasso de ordem moral, paralisados pela menor fadiga corporal, enfastiados da oração diante da menor dificuldade interior, feridos pela menor falta de atenção.” Isso recomeça diariamente! “ Como podemos, pois, pensar, aderir verdadeiramente à participação da cruz de Jesus? Como nos colocarmos nesse espírito de imolação, quando recuamos diante do mínimo esforço, ou cedemos ainda à preguiça do corpo?” Como doar-nos todos os dias ao Cristo?
É preciso pedir a Jesus que nos torne, por amor, capazes de participarem de seu sofrimento redentor! Desejo verdadeiro e profundo”! Repetir incansavelmente ao Cristo esse desejo com a audácia de S. Pedro e dos filhos de Zebedeu.
Em seguida terem a humildade, a simplicidade de se abandonarem a Jesus com a confiança terna, tranquilidade que se unindo a ele serão capazes de suportar, e depois de amar a Cruz. Depois, entregar-se com coragem à tarefa, com vontade, para colaborar com a ação de Deus em sua vida.
Trata-se de querer soltar as amarras, de fazer um esforço alegre, real, numa matéria que lhes seja acessível, e serem verdadeiros, ou seja, não se verem mais corajosos do que são, nem desejarem por imaginação suportar cruzes e provações mais pesadas do que as que atualmente são capazes, nem de se julgarem incapazes de um esforço mais corajoso do que o que até hoje deram prova.
Esforço alegre. Dar não com tristeza, mas com alegria. Por amor a Jesus. Onde há amor, há verdadeira alegria. Não fazer dos sofrimentos cotidianos uma tragédia. Transformando em cruzes vivas esses nadas de cada dia, que se tornam pesados pela repetição, abraçaremos também as cruzes maiores, que às vezes demora a chegar e podem nos encontrar desprevenidos.
Olhos fixos na cruz de Jesus e não sobre a própria cruz. Perdendo-se de vista é que vocês se tornarão leves. “Não são os sofrimentos ou as dificuldades em si mesmos que têm qualquer valor redentor, mas a disposição à sua oblação, o amor que suscitam e seu grau de união à paixão de Cristo. Nossa vida tende a inserir-se, com todos os nossos sofrimentos pessoais, na grande Paixão de Jesus e na do mundo inteiro. É nessa direção que é preciso olhar.”
Os sofrimentos de Jesus talvez são palavras que nada mais evoquem sobre nós. Redescobrir essa grande realidade em todo o seu verdadeiro sentido.
Devemos tomar consciência da ligação real entre a cruz sangrenta de Jesus crucificado e nosso dia de hoje. “A Paixão está presente em cada instante de nossa vida. Essa presença deve mudar tudo”.
Tomar consciência também da miséria e do sofrimento da humanidade (O Pe. René Voillaume enumera os variados sofrimentos do mundo).
À vista de todos os sofrimentos da humanidade, o que é para você o peso de um dia? “É preciso reconhecerem que seu sofrimento pessoal é muito pouca coisa, mas que tudo é, entretanto, poderoso, se servir de ligação entre a cruz do Cristo e toda essa massa, muitas vezes informe, da dor humana.
Não se deixem esmagar nem pelos seus sofrimentos, nem pelo dos outros. Acolham-nos com coragem e simplicidade. O sofrimento não deve gerar em vocês tristeza deprimente, sensível, que aniquila as forças da alma e o verdadeiro impulso do amor. Deve gerar em vocês a força e a paz, que trazem sempre a união realizada com o Cristo. Nada de tristeza exagerada diante do próprio sofrimento ou de outrem.
Não se amargurar. Conservar a paz e a mansidão. Não deixar a amargura nem o azedume invadir-nos por causa dos nossos próprios sofrimentos, seja por causa justa ou injusta. Geralmente provém do amor próprio ferido, ou num resto de orgulho insuficientemente dominado. Não lancemos a culpa nas costas dos outros.
Não desanimar diante dos próprios fracassos (haverá tantos!) - deve haver um completo e humilde desapego de si mesmos. Só esse desapego absoluto é a condição primeira e insubstituível de toda ação eficaz do Espírito Santo em vocês.
Só seremos plenamente salvadores com o Cristo Crucificado, na medida em que o deixarmos verdadeiramente reviver em nós seus próprios sentimentos. Nisto está todo o mistério do Sagrado Coração.
As orações e ações cotidianas unem-se na mesma realidade: nossa vida com Jesus Crucificado, e Jesus sofrendo em seu Corpo Místico. É o nascimento de uma nova vida.
“Por um lado nos voltamos para Jesus para suplicar-lhe a descer em nós e, por outro, procuramos humildemente suportar as cruzes e partilhar os sofrimentos, fazendo valer as graças recebidas, e dando a Jesus, por nossa coragem, a prova da veracidade de nosso amor”. Sem a oração é impossível que o espírito de imolação desça em nós, e isso seria presunção; sem a prova de nossa coragem na cruz nossa oração corre o risco de ser apenas uma ilusão. É todo esse conjunto que constitui a participação no trabalho redentor de Jesus na Cruz.
IMOLAÇÃO SADIA
A disposição de viver esse estado de imolação é fundamental, desde que seja sadia, verdadeira e estabelecida na fé de Cristo.
Está sempre subjacente à oração de vocês, ao seu trabalho, aos mil acidentes de seus dia. Pode utilizar tudo, tudo transfigurar, fazer frutificar tudo para o bem dos que amamos. Já não há nada mais de inútil em nossos dias; já não há mais monotonia, nem tristeza, nem fracasso, pois se isso tudo acontecer, será fecundo.
Sob o ponto de vista humano, até a Paixão de Cristo foi um fracasso. A vida doentia e a morte prematura de Santa Teresinha foi um fracasso. A vida do Pe. De Foucauld, com seus sonhos desmoronados, com sua morte em tamanrasset, foi um fracasso. “Não excluo dessa transfiguração pelo amor, nossos fracassos e nossas limitações morais, contanto que acabem num cântico de humildade e de abandono.
Esse estado de imolação não se alcança num dia só. É preciso trabalhar desde já para alcançá-lo. Despertar e exercer nossa Fé na Paixão de Jesus, em seus sofrimentos, misericórdia. Pelas nossas orações cotidianas, procuremos a luz, pelo evangelho. Transformemos por um ato de fé sempre repetido nossas adorações difíceis, numa comunhão simples e verdadeira de nosso ser, com toda sua miséria, com Jesus presente na Eucaristia.
Olhemos, em seguida, para nossa vida em sua mediocridade, com esse mesmo olhar de fé, durante o dia todo, oferecendo tudo a Deus.
Nossas relações com nossos irmãos deve ser uma fonte de alegria, de fecundidade. Saibamos nos esquecer. Acolhamos nosso irmão em sua dor ou miséria, assim como nosso amigo, nosso colega de trabalho, ou um desconhecido. Procuremos oferecê-las ao Cristo Crucificado e encaremos assim o esforço de ascese e mortificação que se impõe à nossa vida.
A MISSA
Esse estado de doação ao sofrimento, por amor, que se torna, pouco a pouco, habitual, graças aos nossos esforços, e à ação do Espírito Santo, nada mais faz senão explicar o caráter de vítima com o Cristo, imprimido em nossa alma pelo Batismo.
É na Missa que exercemos liturgicamente esse caráter, oferecendo-nos realmente com Jesus, diariamente, realizando ao máximo essa comunhão com o Cristo crucificado e oferecido.
Pela consagração do pão e do vinho, toda a Paixão de Jesus, toda sua oblação está aí presente, com toda sua veracidade, com sua pungente e imensa realidade, para unir-nos a ela, penetrando-a, e levar sua força através do nosso dia. Aí está a fonte do nosso espírito de imolação, se a vivenciarmos na nossa fé, humildemente, com confiança, recomeçando sempre.
NO CORPO MÍSTICO
Os laços misteriosos que nos unem ao Corpo Místico são percebidos por nós nesse espírito de sacrifício pelos outros. No plano do mundo do trabalho e da construção da cidade humana, devemos viver o aspecto oculto, mas infinitamente mais real e mais fecundo, da solidariedade humana, que é a solidariedade de todos em Cristo. Nossa doação exterior terá mais sentido se nos inserirmos no meio de nossos irmãos, com esse espírito de imolação, de reparação, de completa solidariedade espiritual.
“Seremos verdadeiramente um deles, na medida em que a pureza de nosso ideal cristão o permitir. Sofreremos com o que os faz sofrer, amaremos o que eles amam, com eles aspiraremos a mais justiça e verdade.” Para que isso aconteça, é preciso a substituição espiritual diante de Deus: “Oferecer-se em resgate por seus irmãos”, Pura realidade, que abrangerá toda a sua vida, na medida em que estiverem em comunhão com a Paixão de Jesus, se vocês se deram, de fato, em “pura perda de si mesmo”, ao Cristo Crucificado.
“Vocês devem ter compreendido melhor, agora, como é que, estabelecendo a alma nesse estado de imolação, conseguirão realizar a unidade em suas vidas, que se tornam assim como que um só ato voltado para Deus, uma só oblação vivida a cada instante. Por causa disso é que nossa vida é verdadeiramente contemplativa. Mas é contemplativa no espírito de reparação, de redenção, que lhe confere sua tonalidade particular “ (El Abiodh Sidi-Cheikh, 09/02/1948