quinta-feira, 28 de setembro de 2017

FM-08- EREMITÉRIOS DE CH. DE FOUCAULD



2ª PARTE – CAPÍTULO 3 -
EREMITÉRIOS E FRATERNIDADES DO PE. DE FOUCAULD.




São João da Cruz diz que ao escolher um local para a contemplação “convém escolher o local que menos ocupa o sentido e o faz esquecer”.

Algumas pessoas se influenciam muito pelo ambiente. O Pe. De Foucauld é um deles. Seu espírito tinha uma feição “topográfica”. Admiráveis qualidades de observação precisa e objetiva dos lugares percorridos. Ele sentia o poder de evocação espiritual de alguns lugares. Sua paixão pelo deserto. Sua estada em Nazaré. Planeja nos mínimos detalhes a moradia em que seus futuros discípulos iriam viver. Ele sabia da influência exercida pelos lugares sobre a espiritualidade dos que os habitam. Dizia: “Nosso espírito se harmoniza com os objetos que o cercam”.

Os lugares em que ele morou e os que imaginou em espírito para seus irmãos são 5:

1- O Nazaré dos Irmãozinhos de Jesus (quando era Irmão Alberico , concebido na Trapa de Cheikhlê, 1896) para seu primeiro projeto.

2- A cabana do eremita na Terra Santa.

3- Fraternidade dos Irmãozinhos do Sagrado Coração, regulamento de 1899.

4- Fraternidade de Beni-Abbés.

5- Dois eremitérios do Hoggar.


1º:- EREMITÉRIO (MOSTEIRO) NAZARÉ



Cidadezinha oriental no meio de terrenos bagos e palhoças. Um recinto fechado com uma construção miserável como as demais, mas maior, forma retangular, com aparência de galpão, uns 30m x 5 ou 6 m. Paredes de terra misturada com palha. Telhado feito com folhagens cobertas com espessa camada de terra argilosa 4 m do solo. Algumas janelinhas nos lados mais compridos. Perpendicular á rua. Porta simples, no meio da parede da fachada. Alguns pés de figo e parca cultura de centeio. Nenhum legume. Um poço sobre a entrada, uma inscrição: “NAZARÉ DE N. SRA. DO SOCORRO”.

Esse é o Mosteiro dos Irmãozinhos de Jesus descrito pelo Irmão Maria-Alberico (Ch. De Foucauld) em seu projeto de regulamento de 1896.

A impressão é de despojamento total, pobreza heróica, exatamente igual a das que encontraríamos nas casinhas vizinhas de trabalhadores pobres vivendo penosamente, semana por semana, ofícios miseráveis: trançar cestas, tecer esteiras grosseiras etc. Os de Nazaré devem viver assim.

O edifício dos Irmãozinhos de Jesus está dividido em três peças:

1ª- 5 a 6 m de lado, algumas esteiras, bancos de pedra junto às paredes, para hóspedes eventuais, servindo de cama, ou poderiam dormir nas esteiras, enrolados num cobertor. Apenas para gente humilde ou habitantes do país, em viagem, à procura de um abrigo para a noite.

2ª- No fundo, uma porta dá para a peça principal, centro do mosteiro e da vida dos irmãos. Silêncio absoluto e verdadeiro, apesar de uma intensa atividade de trabalho. É uma sala de trabalho. Paredes não rebocadas, tijolos cinzentos, 12 ou 15 m. De comprimento. Junto às paredes, um banco de pedra, cortado de 2 em 2 m, por uma série de separações formando compartimentos, de modo que cada irmão tivesse seu canto para dormir ou trabalhar em alguma tecelagem grosseira ou fabricando esteiras. Nessa sala se faz tudo. Matéria prima e produtos fabricados amontoados num canto até o final de semana. 

Um pobre fogão de terra. Sobre ele, uma panela em que se cozinha sopa de cereais, único e invariado prato das duas refeições cotidianas. Pés descalços, mais de nove horas por dia para viverem pobremente. No fundo, perto da porta que conduz à capela, dois troncos e duas inscrições: “Para o nosso Santo Padre o Papa” - “ Para o aluguel” -indicam o destino das quantias que ali são colocadas. 

A quantia correspondente a 1/52 (um cinquenta e dois avos) do aluguel anual (os irmãozinhos não são donos do terreno) é colocada no primeiro tronco, sábado à tarde, depois do pagamento da semana. No outro, 1/20 (um vinte avos) da parte do dinheiro ganho é igualmente depositada cada sábado em oferta destinada ao Santo Padre. O que sobra do salário da semana é em seguida literalmente distribuído aos pobres.

3ª- Porta dos fundos. Terceiro compartimento, capela. Esforço para que seja um lugar melhor que o resto da casa. Ladrilhos pobres ou tijolos em lugar da terra batida do chão e teto coberto com terra argilosa, feito com mais cuidado. Um simples altar no fundo e alguns bancos de madeira formam todo o mobiliário. Ali se reúnem três vezes por dia: começo, meio e fim do trabalho. Horário pregado na porta:

De 3:07 hs até 7:00 hs = oração, rosário e Missa.

De 7:00 às 11:00 hs = trabalho, com 15 minutos de descanso, às 9 horas.

Refeição: 11:30 hs, oração.

12:00 hs = recomeço do trabalho até às 17:25 hs, com 15 minutos de descanso, às 15 hs.

Ceia e capela, das 18 às 19:45 hs.

Nesse casebre não há nenhum armário, nem cofre, nenhuma reserva do que quer que seja: nem de roupa, nem de alimento. Só possuem o que trazem no corpo. Lavam as roupas brancas às Sextas-feiras, dia em que ficam sem elas.

Pobreza próxima da miséria. Irradiação de pobreza, coragem calma e heróica, confiança cega na Providência, que comove. A mesma dos trabalhadores árabes que moravam ao redor do mosteiro de Cheiklê, de que visitou uma delas em 10/04/1899, deixando-o envergonhado de viver no mosteiro. A casa era bem mais pobre que o mosteiro! Ele saiu do mosteiro e quis a todo custo manter esse tipo de vida e organização econômica para grupo de 12 a 18 religiosos.

A 02/08/1896, o Pe. Huvelin se horrorizou com o regulamento e pediu-lhe que não redigisse nenhuma regra.

É um projeto de fato inaplicável, mas era a busca de solução para um drama interior, o doloroso conflito espiritual que dele sentia, o seu desejo de viver plenamente a pobreza evangélica a ser realmente vivida na vida religiosa.


2º- A CABANA DO EREMITA NA TERRA SANTA


Em Nazaré ou em Jerusalém, por três anos (1897-1900), morou ele numa cabana simples de tábuas, no fundo do recinto religioso de um convento de clarissas.

Cabana silenciosa, era ideal para uma vida de eremita separado do mundo e inteiramente ordenada a uma oração silenciosa.

No interior, um leito rústico (uma tábua sobre cavaletes e uma colcha de retalhos). Mais tarde haverá apenas uma esteira com uma pedra na cabeceira. Janela minúscula, perto da qual uma pequena prancha serve de mesa. É ali que lê e trabalha. Pequenos serviços de rua, trabalha um pouco no jardim, arruma a sacristia das irmãs e pinta imagens piedosas (1897).

Vida de anacoreta. Longas horas na capela. Longo afastamento do mundo. Tudo é ordenado para o recolhimento,silêncio, oração. Tudo é pobre e austero, mas não é mais a Nazaré do primeiro projeto: é menos austero.

Nesses três anos, verdadeiro noviciado para o período que se seguiu, ele amadureceu seu projeto de fundação e aceitará a perspectiva do sacerdócio. Essa solidão é uma etapa. Ele sonha sempre com uma congregação, a Fraternidade dos Irmãozinhos do Sagrado Coração, e a vê como se ela já existisse, traça seu regulamento e horário.


3ª-FRATERNIDADE DOS IRMÃOZINHOS DO SAGRADO CORAÇÃO, 1899


Que diferença do projeto de 1896! Já não é mais um casebre, mas um verdadeiro mosteiro para até 40 religiosos, com 5 pátios distintos cercados por construções. É um projeto mais sábio que o outro. Preocupação com a pobreza em todos os pontos. Ele se esforçou para atender as observações do Pe. Huvelin, por dar prova de prudência e descrição.

-sem torres ou campanários, identificadas apenas com cruzes fixadas nas extremidades dos corpos de construções, acima das cimalhas e das 2 portas de entrada.

-Cercada por terras de cultura e um pomar, alguns hectares, podem ser cuidadas por eles mesmos.

-construções sólidas e bem feitas.

-zonas de silêncio e de recolhimento de maneira graduada: hospedaria (hóspedes e visitantes), que se comunica com um segundo pátio mais silencioso, para retiros, capela para os hóspedes (pátio de retiro)

-oficina de trabalho (com galpões e estábulo), com pátio fechado pela capela dos hóstedes

-pátio do claustro, mais silencioso de todos, rodeada pelas celas dos Irmãos, refeitório, capela, sacrisia etc.

-pátio do cemitério. Única passagem é pelo pátio do claustro.

Apenas a hospedaria está fora da clausura, e há cancelas e uma placa: “JESUS-CÁRITAS, ENTRADA RESERVADA”. Capela pequena, para abrigar poucos hóspedes. A luz só é abundante no altar, onde o Santíssimo Sacramento é perpetuamente exposto. Sobre o altar, uma imagem do Sagrado Coração de Jesus de braços estendidos; à direita, imagem de Nossa Senhora, à esquerda e S. José. Bancos: lugares para 30 irmãos.

Na parte dos hóspedes, reentrâncias em um dos lados da parede para sacerdotes de passagem celebrarem a Missa e confessionários no outro lado.

Uma impressão de pequenez, humildade e pobreza emana de todas as construções. Celas de 2m x 2m. Lugares na capela são apertados. Lugar pequeno para 30 irmãos. Única sala comum: biblioteca de 4m x 4m.

Por economia, à noite os Irmãos só podem usar a luz da biblioteca, capela e cozinha (não podem usar a da cela). A cozinha tem 6m x 4m e ao mesmo tempo é a lavanderia e padaria. Não há outras salas em comum, como nos mosteiros, para que, na capela, os Irmãos se encontrem como numa família, Reunem-se na cozinha para todo o gênero de ocupação (para se utilizar do calor do fogão_.

O Ir. Prior ou o Ir. Mestre pode reunir a comunidade em qualquer lugar, mesmo nos pátios, nos terraços, nas celas.

A atmosfera que o Irmão Carlos se propôs a criar era de recolhimento e silêncio, agrupamento numa vida de família, em volta da Santa Hóstia, humilde fraternal caridade para com os hóspedes e com todos os de fora que vivem em grande pobreza.

O problema é que para a adoração perpétua seria necessário um grande número de irmãos, que não cabiam no mosteiro de forma conciliável: não iria haver o clima desejado, por falta de um pouco mais de espaço nos cômodos; muito aperto.

Até agora, só a cabana de tábuas da Terra Santa foi real. As outras duas que mencionamos não saíram do papel.


4ª- A FRATERNIDADE DE BENI-ABBÉS


Essa casa foi construída e ainda existe (em 1958). Foi iniciada com o trabalho benévolo dos militares do Oásis, com o plano de 1899, que ficou inacabada.

-Capela vasta: 4m x 14m. Seria uma fraternidade de adoração perpétua.

-Três celas e um quarto para hóspedes.

-um muro de clausura

Só não terminou (5 pátios) porque D. Guérin o proibia de continuar as construções.

-Conseguiu um sino, para lembrar as horas das orações, e o tocava, mesmo sem Irmãos.

A Fraternidade ideal nunca será construída. Ele a abandonou inacabada, em busca de algo diferente, que ele não entrevê ainda, senão de maneira confusa. Por escrúpulo, toma a resolução de voltar ali periodicamente: de fato, nunca mias moraria lá. O sino ficou silencioso.


5ª- HOGGAR

O fortim de Tamanrasset não foi moradia dele e apenas foi feito para servir de abrigo para a população em caso de ataque.

Vamos falar de dois eremitérios: um em Tamanrasset e um em Assekren. Residirá alternativamente num e no outro. Chama-os de “eremitério”. Já não fala mais de Fraternidade, como em Beny-Abbés. Compreendemos que algo mudou em seu pensamento.


EREMITÉRIO DE TAMANRASSET


Parece-se com uma casa pobre da região, muito pobre. Estreito. Espaço dado pelo comprimento. Sua descrição feita por ele:

Dois cômodos de 1,75m por 2,75 m e quase 2 m. De altura. Casa feita de pedra e terra. Uma cabana de ramos que será parlatório, refeitório, cozinha do paulo, local de hóspedes.


EREMITÉRIO DE ASSEKREM


Réplica do primeiro, 50 a 60 km desse outro, no coração do Haggar, numa montanha em forma de plataforma chamada Assekrem, mais de 2.600 m de altitude. Dois cômodos: um quarto para duas pessoas e uma capela.

Os eremitérios de Tamanrasset estão mais próximos da concepção primitiva de Nazaré de 1896 do que de beni-Abbés= oposto do que lembra um mosteiro. Ele já não fala de 30, mas apenas de um companheiro (o quarto de Assekren era ara duas pessoas).

São como uma casa qualquer da aldeia. Ele pode considerar-se “do país”. Entregue de todo aos Tuaregues, votado de todo a eles, morando em casa como a deles. Nada o afastará deles: nem sino, nem campainha, nem muro, nem claustro, nem capela aparente. Reza no fundo de sua casa, onde trabalha e familiarmente, recebe os que o procuram. Sempre ávido de silêncio e de recolhimento, mas não foge dos Tuaregues. Quer penetrar no meio deles, por isso esse tipo de construção.

No Assekrem segue as tribos que passam o verão na montanha. O padre de Foucauld leva agora sua clausura dentro de si, pois pretende ficar monge, e monge ficará até o fim.

Os dois eremitérios tiram a aparência de uma comunidade. Só é previsto um companheiro.

Em 13/05/1911, escreve uma carta mostrando que deseja, agora, só um ou dois companheiros, pequenos grupos pouco numerosos, para que possam viver uma vida muito simples, pobre, misturada com o meio.

Mantém o caráter monástico e contemplativo de sua fundação. As construções do Hoggar mostram que o Pe. De Foucauld sonha com ua ama autêntica vida religiosa, contemplativa, sem encargo de ministérios, sem pregação, mas bem simplesmente misturada às pessoas na pobreza de um verdadeiro labor e em testemunho de um total amor fraterno. Sonha, numa palavra, em “Gritar o evangelho por toda a sua vida”.


OS IRMÃOZINHOS


O desejo dos Irmãozinhos é de viver, na integridade, a mensagem do Pe. De Foucauld, se esforçando para sintetizar todos esses elementos em sua vida. Suas fraternidades devem tornar possível, ao conjunto dos irmãos, um ritmo semelhante de vida, pobreza, trabalho, oração eucarística, dom de si. Isso tudo feito em contatos fraternais simples, simultaneamente ou alternativamente, como o fez o Pe. De Foucauld.



As Fraternidades dos Irmãozinhos deverão todas levar, com pequenas variações que diferenciam uma das outras, conforme os meios, o reflexo das características que acabamos de evocar: pois estas são, de fato, todas essenciais à espiritualidade de Carlos de Foucauld.