CAPÍTULO 3 DA 3ª PARTE:- PERMANENTES NA ORAÇÃO (El Abiodh Sidi-Cheikh, 16/02/1948)
“Chamados pelo Cristo, escolhemos levar como o Irmão Carlos uma vida total e continuamente presente ao mesmo tempo a Deus, numa oração de adoração e de reparação para o mundo, e aos homens, numa pobreza e numa caridade verdadeiras. A plena realização desse ideal é difícil, não devemos duvidar disso, exigirá de vocês um esforço de fé e de desapego de si mesmos, constantemente renovado e prosseguido sem descanso até à morte.” Espírito de imolação, para sermos com Ele “resgate da multidão”. É a razão de ser do estado de vida escolhido por nós. Vamos falar agora o modo de realizá-lo.
Todas as pessoas estão presentes à realidade em que vivem . “O cristão, particularmente o contemplativo, deve, além disso, estar presente à realidade invisível. O homem de oração deve estar presente nas duas realidades, tanto na visível como na invisível; nesta última, de modo mais intenso, por ser mais real. O cartuxo e o Carmelita separam-se do mundo visível para atingirem melhor o invisível. “Nossa vocação consiste em estarmos simultaneamente presentes tanto num como no outro”. O visível não deve perturbar nossa visão do mundo invisível. É essa dualidade de vida que atormenta o homem de fé, e o torna como que um estrangeiro no meio dos irmãos; tão perto e tão longe deles. Sentimento de solidão, de impossibilidade de lhes comunicar essa visão diferente que temos.
Por melhor que vocês façam, não poderão ser completamente um deles. “O Cristo foi assim no meio das pessoas: ao mesmo tempo inteiramente presente e misteriosamente ausente, num sentimento de solidão infinitamente mais doloroso e profundo do que aquele que vocês poderiam experimentar”. Maria sentiu esse choque na perda de Jesus no templo.”
“No dia em que não formos mais, de certo modo, um ponto de interrogação para as pessoas, podemos dizer a nós mesmos que cessamos de levar entre eles a presença do Grande Invisível. Não seremos mais para eles as testemunhas da vida e da luz”.
É preciso realizar em vocês essa total presença ao mundo invisível. É obra da fé que se apóia na oração. “Um irmãozinho deve ser permanente na oração”
O permanente na oração é uma pessoa disponível para uma tarefa especializada, à qual consagra uma parte de seu tempo em vista do bem comum de todos e estar também num estado interior constante de disponibilidade para a oração.
Deve também assegurar uma permanência, uma continuidade, na presença diante de Deus e ao
Cristo de maneira permanente, estável.
Ele se torna um delegado de seus colegas, amigos e camaradas. Deve conservar o espírito de serviço, “para executar perfeitamente o mandato que lhe foi confiado.” É, literalmente, um delegado de oração de seus irmãos, e deve manter em si o sentimento muito vivo dessa delegação.
Vamos falar dessas três qualidades de um permanente na oração: Disponibilidade, Continuidade, Delegação.
DISPONÍVEIS PARA A ORAÇÃO
Para ser disponível para a oração é preciso crer na importância vital dela. Estar convencido disso, apesar das fadigas do trabalho, das solicitações das coisas e dos seres, e no meio da atração das atividades terrestres.
Há modalidades:
a)- momentos de oração pura, de retiro, de silêncio, de cessação absoluta de qualquer atividade terrena;
b)- a permanência do estado de oração, durante todas as atividades humanas de trabalho ou de relacionamento.
Cuidado! Não se trata de fazer paradas, pausas, no meio das atividades que fazemos como que por escrúpulos! Acabaremos achando que essas pausas são perda de tempo, e que deveríamos nos dedicar exclusivamente às afinidades exteriores, fazendo que elas se tornem uma oração ininterrupta. É errado não tanto essa atitude, mas a de achar que a oração pura possa tornar-se inútil. “Ela é obrigatória!” Ela é indispensável às nossas relações com Deus. Para nós, muito mais, pois a fazemos não só “em nosso nome pessoal, mas em nome de todas as pessoas.”
Jesus, mais do que ninguém, esteve m permanência diante de seu Pai, em estado de adoração e oração, pois “a própria visão de Deus mantinha-se em sua alma no meio de todas as suas atividades humanas”. Momentos de oração pura nada acrescentariam à profundeza e à atualidade de seu estado. Entretanto, Ele aproveitava toas as ocasiões que podia para “mergulhar no silêncio e na solidão de uma oração pura” (Mt 14,22;Mc1,35). Ele a fazia nos dias extenuantes, em que não cessava de atender os discípulos, aos doentes, à multidão, que o procuravam, de modo de pertença. Ele fugia para rezar à tarde, à noite ou de madrugada.
“Jesus, como homem, sentia a necessidade de instantes de oração isentos de qualquer atividade humana”. É nessas horas que melhor se exprime a soberania absoluta de Deus sobre sua criatura. Deus tem o direito de exigir essa dedicação exclusiva, a adoração. Gratuidade. Isso nos dará força e luz, se formos à oração conscientes de tudo isso. Caso contrário, acabamos não estarmos mais disponíveis para a oração.
“É preciso absolutamente convencerem-se de que vão à adoração não para receber, mas para dar, mesmo que às vezes não percebamos que estamos dando, nem mesmo o quê estamos dando. Abandonar todo o seu ser a Deus, mesmo na fé obscura, no sofrimento, pois esse ato sempre devemos fazer numa riqueza de amor. Reconhecer que Deus nos possui . Coragem e abandono de si. Atividade de Cristo em nós, às vezes de modo doloroso.
A oração supõe um desapego radical de todo o criado. Morte a tudo oque não é Deus. Por esse motivo, muitos religiosos e padres “fogem da religião verdadeira e se refugiam numa simples formalidade de orações vocais que os iludem ou na direção de uma reflexão meditativa sobre um assunto moral. São, muitas vezes,(...) escapatórias, quando não se realiza o ato fundamental do dom de si, que se é obrigado a fazer, como condição preliminar da oração.”
“Isso não quer dizer que se devam negligenciar as orações vocais ou as reflexões de fé sobre o Evangelho e as verdades cristãs! Digo apenas que podem, às vezes, servir de desculpa a alguém que se recusa a cumprir” esse requisito.
A nossa disponibilidade para a oração supões, pois, a fé na importância da oração e um verdadeiro trabalho de desapego interior (outra vez o espírito de imolação).
A IMPORTÂNCIA DA ORAÇÃO
Desejar a oração. Esse é um exercício de fé; não nasce sozinho, a não ser que seja uma graça sobrenatural. “ Um ato comandado pela vontade, à luz da fé (...) só a fé nos fará desejar os momentos de oração. Esse desejo se implantará em nós pouco a pouco. “
“O melhor meio de desejar o encontro com Jesus na adoração é ir a ele efetivamente (...)Quanto mais rezarem , mais desejarão a oração (...). Estarem sempre prontos para aproveitar os momentos livres para ir à oração como à mais importante ação de seus dias”. Alguns dias não há, efetivamente, tempo. Cada vez que tivermos tempo para a oração, se isso depender de nós, que a façamos! Que encontremos tempo! “Se você não sentir a necessidade de passar de tempos em tempos um momento para orar gratuitamente, por amor a Jesus que o espera, você não é um verdadeiro Irmãozinho”.
Se você tiver oportunidade e tempo, mas não pensar na oração, ainda não está disponível para a oração. “A adoração deve sempre guardar o primeiro lugar” em nosso dia. “Nossas semanas devem ser marcadas por instantes de oração mais intensa”. Momento de oração noturna, instantes breves nos momentos livres, de improviso, por mais breves que sejam. Seja, pois, interiormente e exteriormente disponível para a oração, não importa a que momento do dia ou da noite”.
ORAÇÃO E VIDA
Cisão frequente entre a oração e a vida. Tender constantemente para a oração contínua, como Cristo nos pede.”Nossa vida inteira deve ser uma oração”.Para tal, um triplo esforço:
-Adaptar a nossa oração à vida concreta;
-Trabalhar para que ela seja um ato verdadeiramente vivo de amor e de dom de si;
-Esforçarmo-nos para fazer de nossas ações uma verdadeira oração.
No primeiro item, evitar a intelectualização da vida interior, pois ela não subsiste se não houver condições necessárias para uma vida intelectual.
O vínculo entre a oração e a ação é o amor. A oração é obra do amor, assim como o trabalho e o serviço ao próximo. Levar uma vida contemplativa não é necessário à perfeição como tal, mas o amor o é sempre. Se a oração for cercada de observâncias e métodos, pode se tornar apenas uma obra muito fraca do amor. Qualquer oração não é, verdadeiramente, necessariamente, uma oração. Lembrar-se de 1 Cor 13,1-2; “Mesmo que eu falasse a língua dos anjos e dos homens.. (etc)”.
Muitas vezes nossas orações são mortas, exercícios sem vida. Apenas aparência. Por isso é que acontece uma cisão entre a vida e a oração. Uma oração é viva quando é um ato vital da fé e do amor.
“É, pois, com a mesma pureza de intenção e no mesmo movimento de amor que iremos à adoração, ao trabalho e ao serviço das pessoas. Haverá, então, uma unidade em toda nossa vida.” Haverá em nós sempre um desejo de amar e de testemunhar esse amor “e isso será ora rezando em silêncio, ora sem rezar, ora trabalhando, ora conversando”. Esforço de purificação e de intenção tanto para ato de oração quanto para toda a nossa atividade = domínio de si mesmo, despojamento real de todo o desejo humano.
As dificuldades do caminho: nosso temperamento, paixões, hábitos, sensibilidade, vencidas com a ascese enérgica e equilibrada, adaptada ao nosso estado de vida atual.
ORAÇÃO CONTÍNUA
Não se formula um ato de fé fora de um ato de amor e vice-versa. Não podemos dizer que “nossas ações e nossos dias sejam uma oração unicamente pelo fato de serem vividos por nós pelo amor”.
“Orar é um ato em que entram sempre mais ou menos a inteligência e a fé que adora e suplica, com ou sem palavras. Orar é pelo menos olhar: é pensar, é falar, é suplicar com lágrimas, seja isso com palavras pronunciadas, com idéias, imagens, ou simplesmente num olhar mais profundo mas obscuro de contemplação.” Sem isso, não houve oração no sentido próprio da palavra.
Nossa vida pode ser uma oração se ela for explicitamente oferecida, sobretudo em união com o sacrifício eucarístico. Nas missas, renovar explicitamente essa disposição de oferenda,num caráter de oblação. Daí a importância do espírito de imolação.
Também se guardarmos a liberdade da alma, que é a primeira condição para a oração = disponibilidade constante em relação à oração. Ascese interior, desapego a toda criatura, a toda a atividade. Aprender a nos dar alegremente e simplesmente a nosso trabalho, a nossos amigos, a nossos camaradas, a nossos irmãos = SILÊNCIO INTERIOR. É o amor da cruz de Jesus que permitirá que o guardemos.
Outra atitude = oração difusa = instantes de oração no nosso dia, próximos uns dos outros. “ Aprender a orar o mais simples possível com palavras, ou com um simples olhar da alma por toda parte, cada vez que Deus nos levar a isso por sua graça”.
>Lembrança de um versículo do evangelho
>num simples olhar a Cristo
>no sentimento da presença da Virgem
>No movimento de oferenda por um colega ou por todas as pessoas, suscitado por um contato amistoso, pela vista do mal ou pelo espetáculo da multidão indiferente.
Oração difusa = “Um olhar de fé sobre a realidade do mundo. Precisamos nos exercitar nisso. Há, com efeito, uma maneira de olhar na fé o homem, o trabalho, o prazer e suas solicitações, que nos põem em plena verdade humana e divina, visível e invisível. É como uma oração em estado nascente.”
DELEGADOS DAS PESSOAS
Nós somos delegados das pessoas diante de Deus, dos que se aproximam de nós, colegas de trabalho, habitantes do nosso povoado ou de nosso bairro. A consciência de sermos delegados dessas pessoas diante de Deus”nos será um auxílio poderoso para adquirir esse espírito de fé.”
Pelo Corpo Místico de Cristo somos solidários uns com os outros, e pelo ato de abandono de nós mesmos a Deus, acrescentados à nossa profissão perpétua, nossa resposta à vocação a que Deus nos chamou é consagrada pela Igreja.
Essa solidariedade espiritual se desenvolverá no noo contato cotidiano com as pessoas no trabalho e em todos os lugares. Refugiem-se com toda a fé no mistério do Cristo sofredor, no contato com o sofrimento e com o mal. Será a única resposta silenciosa de Deus no meio da angústia e do desespero, que lhes fará aceitar na esperança o mistério da dor.
Vocês estarão mais presentes àqueles que os rodeiam, precisamente porque vocês os atingirão pela fé e pelo amor.”
Dois desvios a serem evitados nessa presença ao sofrimento do próximo:
1- O fracionamento entre nossos momentos de oração e nosso atendimento aos outros, não deve corresponder a um fracionamento interior nem causar uma ruptura de equilíbrio na vida de vocês. “O grau de união a Deus não será medido pelo número dos instantes que vocês tenham consagrado à oração e não serão unicamente em função destes que vocês serão homens de oração.”
Vocês serão homens de oração se o olhar que puserem nas pessoas e nas coisas for, poela fé, aquele mesmo olhar de Jesus sobre eles”. Não se deixem contaminar pelo que é temporal
2- O pecado e o malo moral,todos os pecados, entre eles a rejeição explícita de Deus. O sentido do pecado parece ter sido abolido da consciência das pessoas! Parece que o mal moral só se mede pelas consequências econômicas nefastas que ele acarreta!
“Vocês devem guardar o sentido do pecado que está em vocês, como do que está no mundo”, onde ele estiver. Por amor a Jesus e às pessoas, a oração tornar-se-á em vocês suplicante e reparadora”, porque vocês penetraram o mistério do Coração de Jesus e vivem sua intimidade, e por isso sentem sua agonia em face dos pecados da humanidade.
A solidariedade espiritual com a humanidade só será fecunda se estivermos em união com o Cristo Redentor. Vocês só podem ser salvadores com Jesus se primeiro forem salvos por Ele. “Não pensem que levarão mais à almas abandonando-o!” O trabalho na construção temporal da sociedade, da reforma das injustiças, do alívio da humanidade, cabe a outros, não a vocês.
A IMPORTÂNCIA DA FÉ
É insubstituível a importância da fé se quiserem permanecer na oração. Que seja “uma fé simples, confiante, incansavelmente perseverante, corajosa nas obscuridades e bem concretamente ancorada em Jesus” Nenhum método mais ou menos novos e complicados resolverá o problema da fé. “Releiam o Evangelho com o propósito de ouvir o que Jesus lhes diz!” - “Por que me chamais Senhor e não fazeis o que eu vos digo?” (Lc 6,46).
“Não se percam em imaginações, em procuras tortuosas! Jesus está ao alcance de vocês se tiverem fé”. A fé do Pe. De Foucauld era forte porque ele se apoiava no Evangelho! Ali reside todo o segredo de suas adorações silenciosas e da permanência de sua presença diante de Jesus”.
Todas as suas tribulações, “isso tudo é agitação da superfície e não impede nunca que Jesus esteja ali, que Ele os ame, que Ele os queira, através daquilo mesmo que s faz sofrer mais perto dele, em oferenda a Seu Pai e em sacrifício pelos irmãos. É a realidade, a verdadeira realidade; o resto, em comparação,não é senão uma aparência”.
Sei que é mais fácil dizer que fazer. “ A lassidão é a grande tentação da oração. Procurem no Evangelho o que Jesus diz respeito disso: Ele mostra que se opõem a ela, não apenas a perseverança, mas uma inoportunidade quase afrontosa” (Lc 11,8).
A Santa Hóstia e o Evangelho> “isso é verdadeiro”, digam a vocês mesmos. Vivam em consequência disso!
“É assim que vocês se tornarão os permanentes de Jesus para a oração. “O que é impossível para os homens é possível para Deus (...) Tudo é possível para quem crê! “ (Lc 18,27; MDC 9,23)