quinta-feira, 28 de setembro de 2017

FM-19- A OBEDIÊNCIA



10º CAPÍTULO DA 3ª PARTE – A OBEDIÊNCIA

(De Roma, 24/06/1951)

Chegamos a um ponto de desenvolvimento em que devemos pertencer à Igreja de maneira mais consciente, mais estreita, se quisermos que nossas Fraternidades sejam, sem reserva, coisa do Senhor”.

Admissão de sacerdotes de ministério à Fraternidade, no quadro mais vasto da grande Fraternidade leiga, que é composta de leigos, casados ou não, que desejam viver da espiritualidade das Fraternidades. (Atualmente os padres estão na Fraternidade Sacerdotal Jesus-Cáritas, denominada na data deste artigo “União dos Irmãos de Jesus”).

Peço a todos uma verdadeira e total obediência à Igreja, tão necessária aos que vão trabalhar no Canadá, ou no Chile, ou na África do Sul, por ser um fator de unidade, que nos liga todos à vontade de Cristo, que se torna, assim, nosso chefe.

OBEDIÊNCIA MAIS VERDADEIRA

“A obediência é uma das exigências inalienáveis da Igreja, é um de seus valores essenciais” embora seja necessário uma purificação em relação a certas concepções um tanto falsas da obediência. “Chegou o momento de colocá-los, com fé, em face das divergências de uma obediência total a Cristo e de procurarmos juntos pô-la em prática generosamente na vida das fraternidades.

O QUE É OBEDECER?

“É entregar, em plena liberdade, a nossa vontade à vontade de um outro, para agir com ele em conformidade de julgamento, pelo menos prático, se não se tratar de uma autoridade em si infalível e porque esse outro tem plenamente o direito de exigir essa submissão de ação de nossa vontade”. Esse outro só pode ser Deus ou um “homem autenticamente investido pelo próprio Deus de uma parcela da sua autoridade divina”. Essa delegação de autoridade é realizada na Igreja, por intermédio de Cristo. “Não podemos falar de obediência sem falar antes do mistério de Cristo e de sua Igreja”, da fé, permanecendo nesse plano. Se sairmos dele, não podemos compreender nem a obediência cristã nem a que prometemos em nossa profissão religiosa. É algo misterioso, incompreensível, e mesmo chocante para os que não creem no mistério de Cristo e até para nós, se não agirmos pela fé.

O destino sobrenatural do homem e sua filiação divina o leva a superar-se a si mesmo, a ir além de suas tendências e de suas necessidades espontâneas, que devem ser superadas. Devemos “tender para uma nova vida cujas exig~encias vão além daquelas que poderíamos naturalmente conceber e realizar”, pois Deus fez sua intervenção na história humana por sua Encarnação e em consequência sua vida e sua morte sobre o madeiro da cruz, seu mistério íntimo de obediência e de sofrimento, a fundação da Igreja, e nossa introdução pessoal no centro dessas realidades pelo Batismo.

Certos aspectos dessa nova ordem estabelecida por Cristo vão além dos aspectos naturais da obediência, como a que exercemos ao obedecermos os pais e às autoridades legítimas. Só podemos compreendê-la com a luz de Deus e traduzi-las na vida com a força divina.

Nossa vida de amor, justiça, participação da vida dos pequeninos, é cúmplice do que há em nós de mais autenticamente humano, com o impulso do convite do Evangelho; entretanto, a obediência, o amor da Cruz, da humildade, a pobreza, enquanto desapego interior de si mesmo, só encontram em nós oposições e contradições.” Essas disposições da alma não são espontâneas: “ Não é senão ao preço de despojamentos dolorosos e de uma ativa colaboração à ação de Deus (...) constantemente reconsiderada, que chegaremos a reproduzir em nós todos os aspectos misteriosos de Cristo”.

A OBEDIÊNCIA DE JESUS

Precisamos aprender a viver de Cristo, que obedecia com uma preocupação constante, e nisso se resume para ele o ato supremo de sua obra de redenção. Rom 5,19 lembra a obediência de Jesus Cristo completamente oposta à desobediência de Adão.

“A adesão de Jesus à obediência durou toda a sua vida de adulto, de modo doloroso, em que aderia a adesão dolorosa de sua vontade à vontade de seu Pai, que apresentava cada dia á sua livre aceitação de homem o plano assustador da Redenção pela paixão e Cruz.” A realidade é que não lhe foi fácil essa aceitação plena da Paixão, mas deu-se na tristeza e na angústia.

Releiam as três pedições da Paixão em Mc 8,3; Mt 17,2; Mc 9,30, a angústia medrosa em João 12,27, a luta final do Getsêmani em Mc 14,32; Mt 26,36. Ele disse sim por pura obediência, que para Ele foi mais dura do que nunca jamais o será para vocês. Ela está no centro, bem no coração da redenção pessoal de vocês.

“Jesus não seria nada para nós sem esse ato de obediência que resgata a humanidade do pecado”. O resgate de nossos irmãos só será possível dentro da perspectiva da obediência. Vivemos a verdadeira vida porque Jesus ofereceu-se a ela até morrer por ela. Em nossa escolha, é tudo ou nada! Se amamos Jesus, vamos perguntar a Ele como obedecer e a quem obedecer. “Se Jesus está na cruz é por obediência”.

A MANEIRA DE OBEDECER

O que nos falaria e nos pediria em relação à obediência? Somos obrigados a obedecer a Deus, embora às vezes nos falta a coragem e o desapego para cumpri-lo, embora concordemos que Ele tem o direito de obrigar-nos a obedecê-lo.

Nós achamos que para os homens da Bíblia foi mais fácil a obediência por se relacionada diretamente a Deus. Achamos também que o problema começa quando temos que obedecer aos homens cheios de defeitos. Jesus, porém, pediu que fizéssemos isso em Lc 10,16: “Aquele que vos ouve, a mim ouve; e aquele que vos despreza, a mim despreza. E quem a mim despreza, despreza aquele que me enviou.”

“Os chefes da Igreja, embora assistidos por Deus, não são garantidos contra todo desvio de julgamento no governo da assembléia dos cristãos”: erro, negligência prejudicial, julgamento falseado pela paixão... “Como terá podido Cristo conceber tal maneira de ligar-nos à sua própria vontade e quais as vantagens de organizar assim a Igreja?” Não seria melhor deixar apenas o Evangelho, sem intermediários humanos? A Igreja foi pensada e assim desejada pessoalmente pelo Senhor.

“A palavra do Senhor : “Quem os escuta, escuta-me”... aplica-se realmente aos superiores religiosos autenticamente estabelecidos pela Igreja, e nos limites de sua autoridade.”

A ESCOLA DA OBEDIÊNCIA.

Pelas diferentes maneiras de proceder conosco, Deus prepara em nós uma capacidade de unir-se a Ele sem hesitações nem reticências, no dia da revelação de sua Face. Para isso há algumas exigência, que serão cumpridas com a humildade, a pela clareza da alma , com a inteira docilidade e obediência ao menor desejo do Senhor, hábitos esses que condicionam totalmente a força e a natureza do amor exigidas para nossa união com Deus.

Os hábitos de obediência penetrarão em nosso íntimo só por meios sensíveis e planamente humanos. “É impossível para nós sermos espiritualmente obedientes a Deus, sem o sermos total e humanamente.” Isso só conseguimos nos submetendo a homens visíveis! Veja Lc 16,31: “Se não ouvem Moisés e os profetas, tão pouco acreditarão, ainda que ressuscitasse algum dos mortos.” - “Aquele que não ama” (poderíamos substituir por “não obedece”) “a seu irmão a quem vê, como pode amar” (obedecer) “a Deus, a quem não vê? (1ª Jo 4,20).

Entregar sua vontade é amar e obedecer. Jesus nos coloca, desse modo, numa “escola de uma obediência de homem” cujo atalho é a obediência à autoridade não apenas em alguns atos essenciais oriundos de nossa pertença à Igreja, mas por toda a nossa vida.

A obediência não é apenas um ato de ascese para tornar-nos mais dóceis, embora isso também seja verdadeiro: o fato de sermos rudemente conduzidos nos é salutar, para vencermos certas raízes de orgulho de instinto de dominação, de confiança presunçosa em nossos julgamentos. Nesse sentido podemos afirmar que quem obedece nunca está no erro.

QUEM VOS OUVE, ME OUVE

“O Senhor quis antes de tudo, pela obediência, nos permitir uma mais constante união de vontade com a sua: “Quem vos ouve, me ouve.” Precisamos crer que os investidos de autoridade recebem de Deus as luzes e os auxílios necessários para bem exercê-la: “E eis que estou convosco todos os dias até à consumação dos séculos” (Mt 28,20).- “Onde se acham dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles”. (Mt 18,20). Cristo nos assiste e com certeza está junto aos superiores para que recebam a direção do Espírito Santo. Na autoridade da Igreja, ao contrário da autoridade simplesmente humana, há um mistério de fé.

O superior deve ter o único objetivo de conduzir os seus irmãos, pelas suas ordens, à vontade de Cristo, usando os meios normais em seu poder, na humildade, na desconfiança de seus defeitos habituais. O Espírito Santo intervém quando forem esgotados todos os meios de informação ao alcance humano.

Os subordinados devem colaborar de modo confiante, franco, sem reticências. É preciso mais coragem “para manter um contato eficaz de informação e de abertura para como superior do que para se submeter passivamente a uma ordem inoportunamente dada por ignorância da verdadeira situação. Nada é mais terrível do que o isolamento de um superior.” Nunca ficar esperando tudo passivamente de seus superiores. Estes não podem adivinhar o que não lhes foi dito!

Total confiança fraterna. Não envolver a autoridade religiosa com manifestações exageradas de respeito reverencial, pois isso isola o superior, ao contrário de uma atmosfera de simplicidade, que favorece as confidências e as observações dos subordinados.

Não deve ser um relacionamento de medo, mas uma obediência para unir a vontade do superior à vontade do Senhor. Tanto superior como subordinado têm o mesmo desejo, a mesma finalidade, ou seja, a vontade de Jesus.

“Quando, com todo conhecimento de causa este (=o superior) decidiu, seu irmão deverá, então, obedecer sem hesitação, não por medo, nem por efeito do prestígio do chefe, nem por amor a ele, mesmo que esses motivos possam concorrer em segundo lugar, mas antes de tudo, porque sabe em sua fé viva que se realiza então para ele esta promessa do senhor: “Quem vos ouve, me ouve”.

CORAÇÃO OBEDIENTE

É preciso adquirir o hábito de obedecer, concretamente, e a isso se chega com a repetição de atos voluntários, baseados na abertura mútua e na correção fraterna francamente desejada e recebida.

Há dois métodos de formação para a obediência:

1º- O noviço diante de um regulamento e das ordens muitas vezes humilhantes dos superiores. Pode se bom no sentido ascético, mas péssimo para se formar o espírito de fé.

2º- Tem como ponto de partida a formação de uma fé sólida na presença de Cristo na hierarquia da Igreja. É preciso ser discreto no uso de regulamentos e das ordens em que se procura empenhar a obediência; evitar o excesso de pormenores. Não devemos impor a eles um ritmo de obediência que não estão ainda em condições de seguir. Os progressos serão menos rápídos na aquisição de hábitos de disciplina e de docilidade; mas esse não é o primeiro objetivo a ser atingido. “Formar para o Senhor um coração totalmente obediente é uma obra mais profunda e de longo fôlego”.

“Um ano de noviciado não seria suficiente para aquilo que deve ser o resultado e o fruto de toda uma vida. A obediência depende demais do amor, do qual não é, no final das contas, senão uma expressão, e portanto não pode deixar de estar a ele ligado também em seu crescimento. Não se pode obedecer mais do que se ama e não se pode amar sem obedecer àquele que se ama. A obediência é a prova do amor. Pode e deve, pois, crescer indefinidamente, como ele”.

“A obediência votada a Cristo, entre as mãos da Igreja, procede da fé e do amor sobrenaturais e, como tal, deveria crescer com a idade e a maturidade espiritual.” Desse modo, deveria ser normal, em nossas Fraternidades, que um Irmãozinho mais antigo no serviço de Deus seja mais profundamente obediente que o noviço.

PRATICAR A OBEDIÊNCIA

Muitos responsáveis pelas Fraternidades não tomam decisões nítidas, deixando a cada um a iniciativa e a responsabilidade de seus atos. Isso poderia talvez tornar ilusório o exercício do voto de obediência, se levado longe demais e erigido em princípio.

No início, porém, essa intervenção menos rígida e menos estrita da autoridade favorece a ação do Espírito Santo. Entretanto, cada vez mais “os responsáveis devem tomar consciência de seu papel e exercê-lo sem timidez assim como sem presunção, mantendo-se muito abertos às lições da experiência, aos conselhos de seus irmãos e às inspirações do Espírito Santo. Irmãozinhos responsáveis, não sejam tímidos demais, mas mantenham-se humildes!”.

“Saibam ser claros e não tenham medo de exigir com conhecimento de causa: não temam demais fazer sofrer seu irmão quando lhe pedirem um esforço de maior generosidade que sozinho, talvez, não tivesse coragem de fazer sem o aguilhão do mando”.

A indecisão é mais nociva, quando constante, do que a nitidez de diretivas talvez imperfeitas, mas que levam à vontade de Cristo.

“Não tenham medo de pedir, de exigir, o que um Irmão não poderia ainda dar por si mesmo. Mostrem-lhe o caminho e corrijam-no”. Não deixem entrar na Fraternidade a desordem, a tibieza, a preguiça, a negligência na oração, o egoísmo. Enfrentem corajosamente a situação.

AOS SUBORDINADOS.

Nas fraternidades pequenas, em que cada Irmão vai para seu trabalho num horário diferente, há poucas ocasiões para a obediência. Esse risco pode ser evitado e até ser ocasião de uma obediência mais pessoal. Na vida monástica a obediência é, vamos assim dizer, mais natural: o sino, os horários demarcados, o regulamento. Não há como escapar. Há, porém, o risco de se tornar uma obediência passiva.

“Nas Fraternidades, ou a obediência será ativa ou não será obediência.” Vocês mesmos devem ir ao encontro do responsável para pedir-lhe conselho e submeter-lhe suas atividades, mesmo as pequenas. Isso provará seu amor por Cristo por fatos e não por palavras, submetendo ao responsável, voluntariamente, os atos da vida.

É a obediência live, que aproxima de Cristo. Não deve, porém, haver exageros. Essa frequência diante do racional depende do temperamento de cada um.

“Antes de solicitar uma autorização, dê-se ao trabalho de pesar o pró e o contra, perguntando a si mesmo, com toda a lealdade, o que aconselharia um outro a fazer, nesse caso, para ser plenamente fiel à sua vocação;”. Seja sincero, franco, e honesto consigo mesmo em suas solicitações.

DIFICULDADES

“Desde o instante que você abandonar o terreno da fé, não poderá mais obedecer, Você tropeçará diante da menor dificuldade, e todas a objeções contra a obediência apresentar-se-ão com toda a sua força diante de você.”

Quando o responsável insistir na ordem mesmo depois de você ter-lhe feito as devidas observações, você deverá obedecer-lhe, sincera e lealmente, confiando na autoridade divina, conforme o pensamento do superior.

Se a matéria for grave, pode se usar o recurso à autoridade mais alta. Repito que fora da fé, a obediência religiosa é incompreensível. “O risco do erro humano era conhecido e aceito por Cristo. Era melhor que a Igreja existisse com esse risco de erro do que se não existisse”.

Pode ser que uma ordem lhes pareça sem razão mas que, se dada legitimamente, pode ser a expressão autêntica de uma vontade de Cristo.

“O benefício geral e constante de uma hierarquia, depositária da autoridade divina para você e para todas as pessoas, compensa amplamente as deficiências parciais e excepcionais de sue exercício por superiores imperfeitos”. Devemos nos esforçar para que eles sejam o menor número possível.


OBEDIÊNCIA À IGREJA

A obediência à Igreja deve ser exercida nas “opiniões teológicas, disciplina litúrgica, de certas concepções da ação temporal ou social, de atitudes práticas empenhando a cristandade numa colaboração com as pessoas ou com partidos professando uma doutrina radicalmente incompatível com a doutrina de Cristo”.

“Todas as vezes que entra em jogo o privilégio conferido por Cristo a São Pedro e a seus sucessores, e todas as vezes que a Igreja entende ensinar-nos em nome do Senhor, devemos submeter nossa inteligência como se fosse ao próprio Deus, num movimento de fé confiante e filial.” Aderir com toda a fé, custe o que custar, aconteça o que acontecer, às palavras do Soberano Pontífice quando ensina a Igreja. Não hesitem no coração. Não pôr nada acima de nossa fidelidade à Igreja de Cristo.

“A Igreja vê geralmente mais longe do que nós, e a consequência de um desvio doutrinal podem aparecer somente no fim de muitas gerações.


CONCLUSÃO

Não tenham medo de obedecer. Cristo foi obediente. Sem a obediência não há unidade verdadeira nem na Igreja, nem entre as Fraternidades. (Roma, 24/06/1951)