quinta-feira, 28 de setembro de 2017

FM-17- O ESTUDO TEOLÓGICO



CAPÍTULO 8º DA 3ª PARTE:- TEOLOGIA, VIDA INTELECTUAL E PERFEIÇÃO EVANGÉLICA.

Pode haver alguma confusão quando se fala de ciência teológica, estudo, vida espiritual, vida interior. Na realidade são planos diferentes.


Muitas pessoas sentem dificuldade em equilibrar a vida espiritual no meio de estudos teológicos, outros se sentem desorientados na difícil vida real de trabalhadores, em consequência de uma vida interior demasiadamente intelectualizada.

Atualmente há evidência de uma ruptura entre teologia e vida, que gera um desequilíbrio doloroso, ameaçando desfigurar a verdadeira fisionomia da santidade cristã e retardando a difusão da mensagem evangélica, num mundo ao mesmo tempo paganizado e sedento do absoluto e da vida profunda.

Muitos se voltam para a teologia para sanarem o fracionamento de uma vida fictícia e de espiritualidades múltiplas, insuficientemente centradas no essencial, desejosos de uma intimidade com Cristo, mas se decepcionam, saem desapontados.

Foi-lhes oferecida uma teologia primária, desarticulada, muito técnica. Talvez estejam pedindo à teologia aquilo que ela não pode e não foi feita para dar.


O PAPEL DO ESTUDO TEOLÓGICO


A unidade humana foi rompida pelo pecado. Os dois elementos essenciais da vida são o conhecimento e o amor. O homem só será perfeito quando a primitiva harmonia entre esses dois princípios de vida e desenvolvimento tiver sido completamente restabelecida.

Essa ruptura entre as potências do conhecer e do agir está na raiz de nosso desiquilíbrio e do sentimento doloroso que temos de não sermos unificados.

O conhecimento deve frutificar no homem em verdadeiro amor. O quietismo e o intelectualismo desconhecem esse princípio. O homem pode parar na representação (conhecimento) e satisfazer-se com ela, deixando a ação numa vida truncada e ilusória, uma “deleitação morosa”, própria dos impotentes, hesitantes, tímidos. Nenhum ato e muito raciocínio. Avareza em relação a si mesmos. Não ousam se arriscar. Isso é alimentqdo pelo conhecimento.

A vida espiritual “representada” e não realizada (por exemplo, pensam na possibilidade do martírio mas são incapazes de vencer uma leve impaciência ou incômodo). São virtudes imaginárias, representadas.

Um desequilíbrio inverso disso seria a ação desvinculada da inteligência, sem ser dirigida por ela. Pode ser uma reação contra um intelectualismo esterilizante. É um primado da ação.

Seremos, então, levados a fazer da vida espiritual um rígido e contínuo exercício da vontade, à custa de uma certa flexibilidade e liberdade do amor que brotaria de um olhar contemplativo, portanto, sobre o Cristo.

“O problema para cada um consiste, pois, em inclinar-se para Deus, esforçando-se para encontrar de novo a unidade fundamental de seu ser no uso harmonioso e simples de suas potências de conhecer e de amar aplicados a Deus. É nessa linha que é preciso situar o papel exato do estudo teológico.”

CONHECIMENTO DE DEUS

Toda a vida espiritual deve se basear no conhecimento de Deus e de Cristo, e dirigida por ele, que é dado pela fé sobrenatural. Esta não é puramente intelectual: implica um amor e uma escolha livres, e um engajamento real total da pessoa.

Para conhecer a Deus é preciso essa unificação harmoniosa de nosso ser e o dom de nós mesmos no amor, de modo intenso e puro. Isso não é ciência, mas engloba um conjunto de verdades na compreensão das quais a inteligência pode entrar e progredir.

Há dois planos: a procura ativa da inteligência à própria luz da fé e o plano do conhecimento passivo, infuso pelo Espírito de Amor.

O primeiro modo se realiza na sabedoria teológica. É uma reflexão progressiva sobe a fé, procurando atingir seu conteúdo e desenvolver sua inteligibilidade.

A teologia nasceu justamente dessa tentativa de passar de um estado de confusão a um grau maior de distinção.

O outro campo é o da ação gratuita do Espírito Santo na alma. Vem do amor e tende a um amor maior, mas só é clarificada na inteligência pelo esforço teológico.

GRAU DE AMOR

A força é a profundidade da intuição de fé em cada alma. É proporcional a seu grua de amor. A fé se desenvolve com amor, e seu prolongamento, numa sede (ê) de Deus, nos proporciona o conhecimento comunicado pelo Espírito Santo.

A sabedoria teológica contribui para o progresso do dogma, para o inventário da fé, para exercer o papel de regulador da ação e da piedade, traz mais firmeza e mais luz à adesão intelectual da fé. Liberta-nos de falsos problemas e de dúvidas inúteis e nefastas. Dirige e esclarece a piedade, separando o que é do que não é de fé, estabelece uma hierarquia entre as devoções, purifica-as do que é acessório ou “superstição'. Torna a piedade firme, verdadeira, autêntica, preserva-a de todo o desvio ou falsa afetividade.

Há também uma especie de “contemplação teológica,” que não se confunde com a contemplação mística e é semelhante à contemplação filosófica.

É conveniente que cada um encontre a melhor maneira de exercer sua fé em Cristo, de esclarecê-la, de aprofundá-la e de vivê-la efetivamente. Não ficar na fé cega. Esforço de conhecimento. Cuidado para não fazer uma falsa teologia.

A maioria dos teólogos dificilmente escapa ao conjunto de riscos a que são expostos pelas suas imperfeições e fraqueza humana.

Todo o passo na pesquisa teológica deve ser feito na luz da fé. Mas nem sempre isso acontece. A unidade perfeita do objeto e da luz teológica é, para muitos, um resultado difícil de atingir.

A teologia deve não somente ficar sob a luz da fé, mas deve também frutificar em caridade efetiva. O aumento de conhecimento de um teólogo deve causar um amor maior. Pode-se amar muito sem conhecer muito, e conhecer muito sem amar muito.

O CRISTO DA FÉ

É preciso desde logo que nossa procura de conhecimento seja sempre procura do Cristo na fé. Trata-se de determinar o grau de conhecimento teológico que convém a cada um para o desenvolvimento harmonioso de sua vida pessoal. Levar-se-á em conta, antes de tudo, a natureza das aptidões intelectuais.

Só deve ser encaminhado ao estudo teológico um espírito capaz de assimilar suficientemente as disciplinas humanas necessárias ao exercício da especulação teológica, para que o resultado não seja uma falsa teologia com todas as suas consequências desastrosas. Para os que não possuem essa capacidade, as leituras progressivas poderiam substituir esse ensino.

Mas sobretudo, que se evite uma procura vã, por pura curiosidade e não por necessidade de fé e de amor.

Somos, muitas vezes, tentados a escapar das exigências instantes do amor ou da renúncia, fechando-nos numa vida interior intelectualizada, alimentada de idéias e de especulações, vida essa não muito real.

É, porém, real o perigo de uma tal vida, sempre em busca de novidades em assunto de espiritualidade. “Parece que a união com Deus e a perfeição consistem em cultivar em si, mais ou menos artificialmente, uma imagem de Cristo que a gente envolve de emoção religiosa”.

A saída disso seria, durante os anos mais importantes de formação, haver muitas ocasiões para experimentar-se, forte e pessoalmente, a autenticidade do desejo de se conformar a vida a Cristo.

“Há o perigo de não haver em nós senão uma vida interior alimentada de idéias e de especulações, mas que é mais intelectual do que real. Quer se trate de uma simples leitura espiritual ou do estudo teológico propriamente dito, será preciso, pois, tomar sempre cuidado em manter em nós a unidade e como que uma certa proporção entre o conhecimento e o amor”.

O primado do amor pode ir além do conhecimento.

O segredo para não haver perigo é ter a vida espiritual bem solidamente firmada no real.

A leitura espiritual pode ser, de quando em quando, substituída por uma assimilação mais pessoal de textos curtos e de preferência evangélicos, de que se esforçará por viver durante o dia. A leitura, embora necessária, não resolve, por ela mesma, o problema de nossa vida de fé.

Abandonar-se ao Espírito. Esforçar-se em pôr em prática o Sermão da Montanha, o discurso depois da Ceia, o ato de carregar a Cruz, as parábolas sobre a oração, a fé, o mandamento do amor. O Espírito Santo nos guiará sobre o que devemos fazer.

“Os que não estão suficientemente abandonados ao Espírito Santo e ficam por demais rigidamente dependentes de um ideal moral intelectualizado, não conseguem atingir uma santidade perfeita, viva, sempre de pleno acordo com as solicitações da vida. A santidade deles é como que contrafeita, rígida. Não tem o impulso e as espontaneidades do amor. São incapazes desses atos de loucura na pobreza, no amor ao próximo, não vivem o Evangelho do Salvador”.

“Algumas vezes há uma espécie de apego a todo o belo edifício de nossa espiritualidade. E é um último obstáculo”.

“Precisamos da irradiação e do testemunho de um santo, através do qual o próprio Deus se dá(...) A leitura de uma biografia ou dos escritos de um santo são muitas vezes mais eficazes pra manter uma verdadeira vida espiritual, do que a leitura de livreos chamados de doutrina”.

Viver plenamente o instante presente e a prática do Evangelho. Viver realidades simples: oração, dedicação, o serviço do próximo, a abjeção, a imolação.

“Não tenham medo da Cruz, da desnudez e de se perderem de vista, para viverem verdadeiramente o Cristo (...) É uma vida heróica a vida do Evangelho, mas de um heroísmo todo interior, que supõe a renúncia absoluta de si mesmo: castidade, obediência, renúncia total às nossas próprias concepções, verdadeiro espírito de pobreza, coragem na oração, amor da cruz e da humildade.

CONCLUSÃO

Voltar sempre ao amor, humilde e simples como o de uma criança. Atingir a pessoa de Cristo. Tomar o caminho que melhor lhe convir. Pôr-se a caminho, mas é Ele que nos encomenda. A sã teologia não se desvia da simplicidade do Cristo do Evangelho, mas reconduz a ela, ajudando-nos a compreendê-la melhor.



A vida interior é uma vida total, sem parede divisória, mas dirigida por um olhar interior constantemente à procura de Jesus, para imitá-lo, sob a luz dos dons do Espírito Santo. “Chegaremos ao verdadeiro conhecimento de Jesus quando tivermos primeiro vivido o que Ele exige de nós no Evangelho. Trata-se de pobreza, de despojamento, d amar até à morte, de estar-se pronto para “arrancar o olho que escandaliza”, de dar de comer ao que tem fome e de vestir os nus, de manter-se vigilante na oração, de cansar-se no trabalho, de não ter medo de nada, sobretudo do futuro, por fé na Providência, de amar a cruz de cada dia e de procurar a abjeção, o último lugar. Leiam e releiam o Evangelho: não encontrarão outra coisa. (Nazaré, 26/06/1948)