quinta-feira, 28 de setembro de 2017

FM-01- A VOCAÇÃO DE IR. DE JESUS


(Irmão Carlos, Carlo Carreto, Irmz Madalena, René Voillaume)

PRIMEIRA PARTE – A VOCAÇÃO DO IRMÃOZINHO DE JESUS


CAPÍTULO I – O Pe. Carlos de Foucauld e seus Irmãozinhos.


“Jesus quer que eu trabalhe para estabelecer esta dupla família... suplicando, imolando-me, morrendo, santificando-me, amando-O, enfim...” (14/01/1905)

Na segunda metade dos anos 50, o autor diz que já havia mais de 800 Irmãozinhos e Irmãzinhas.

“Na raiz das fraternidades, como que para inculcar-lhes para sempre o que deverá ser a própria seiva de sua vida, acha-se escondido um tesouro de renúncia, de abjeção silenciosa e de aniquilamento total”.

“O Pe. De Foucauld gerou suas fundações nessa extrema transparência de seu amor, e na imolação -heróica para uma natureza como a sua – de seu mais legítimo sonho, o sonho de ter Irmãozinhos que continuassem a amar Jesus como ele O tinha amado”.

Aos olhos humanos (continua o autor), sua vida pareceu um enorme fracasso. Um jornalista disse ao Pe. Voillaume: “Que fracasso a vida dele... em suma, os Tuaregues não o compreenderam nunca. Não eram dignos dele. Para que, então, serviu sua vida? E que traços deixou ele no deserto? Quantas riquezas morais inutilmente esbanjadas!...”

Isso é verdadeiro se buscarmos uma eficácia imediata. Quase nada realmente sobrou de sua ação no deserto. Seus eremitérios ao abandono; uma escola corânica na capela de Beni-Abbés. Seus familiares íntimos, com problemas sérios.

Quem quiser ser discípulo do Pe. De Foucauld aprenda isso: a renúncia a qualquer resultado constatável, a aparente inutilidade de uma vida, o fracasso amado na imitação do Salvador dos homens, traído e crucificado: suas Fraternidades saíram desse germe e nunca deverão se esquecer de sua origem.

Devem continua sua missão, viver de seu espírito, além de serem fruto de seu sacrifício e de seu sangue.


JESUS EUCARÍSTICO


O Irmão Carlos permanece sempre aquele que ama apaixonadamente o Cristo. Desde sua conversão, ele descobriu a pessoa de Jesus e a ela se deu para sempre, amizade essa ue é a única razão de ser de toda a sua vida, o “Bem-amado Irmão e Senhor Jesus”.

Irmão Carlos leva consigo mesmo a solidão desse amor a Jesus por toda a parte e durante os dias mais invadidos por seus amigos Tuaregues. É uma presença que o entrega e ao mesmo tempo o separa, na secreta solidão que toda criatura unida a seu Deus traz em si, na medida de sua união com o único e transcendente objeto de seu amor.

Longas horas diante de Jesus-Eucarístico. Diálogo de amigo a amigo, noites afora, ou durante as caminhadas pelo deserto. Amizade divina essa enraizada no fundo de sua alma que permitiu que ele ficasse seis anos sem ter a permissão de conservar a Eucaristia.

Logo que pôde novamente, conservava-a apenas separada por uma cortina, do ambiente em que vivia, trabalhava e recebia os amigos. Em sua morte, a Eucaristia não mais estava no Tabernáculo, mas ao seu lado.


APARENTE FRACASSO

A amizade conduz sempre a uma participação de preocupações e de destino. A obra essencial do Ir. Carlos de Jesus consistirá em compartilhar e entrar no “trabalho de Jesus”, imitando-o como o Salvador, o Mediador e o Redentor, sobretudo pelo sacrifício e pela participação no sofrimento, na súplica sem fim, na oração contínua pela salvação de todas as pessoas.

A vida do Ir. Carlos se revestiu das mesmas matizes e escolheu os mesmos meios escandalosos que Jesus usou para nos redimir: a impotência, a fraqueza, o aparente fracasso, a humilhação. A morte do Ir. Carlos teve o mesmo aparente fracasso de Jesus morrendo na cruz.

A Redenção de todos, dos Tuaregues, a Fundação das Fraternidades, as vocações de seus discípulos, tudo isso ele quer obter numa imensa ambição de apóstolo, na medida mesma de seu amor: “suplicando, imolando-se, morrendo, santificando-se”.

Ele quer ser, verdadeiramente, para Jesus, orando e sofrendo, um bom e fiel “companheiro de trabalho”.

Não poderia o Ir. Carlos ter trabalhado, parece mesmo mais eficazmente, para salvar de longe os Tuaregues, pela sua oração e imolação na solidão? Por que teria tido necessidade de abandonar a sua cabana de Nazaré, depois sua Fraternidade de Beni-Abbés, para viver no meio desses seus amigos, dos quais ele iria tornar-se o servidor?

É que o Ir. Carlos recebeu também de Cristo uma outra missão, que compreenderemos observando sua vida em Tamanrasset.



A MISSÃO DO IRMÃO CARLOS

A cabana de barro do Ir. Carlos em Tamanrasset era próxima ao povoado. Ele procura os habitantes, dirige-se a eles, procura contatos, faz visitas, projeta excursões para ver tribos que dele se aproximam bastante. Está sempre à disposição de todos, tanto dos vizinhos como das visitas, a qualquer hora do dia ou da noite.

Os Tuaregues não são tímidos nem acanhados, são poderosos senhores familiares, inoportunos e alegres como crianças, curiosos e indiscretos como primitivos (que eram). Eles notavam admirados admirados como o padre os atendia imediatamente, mesmo no meio da oração: “Sou sempre chamado três a quatro vezes durante a Ação de Graças “ (29/03/1902). Ele era realmente um homem “devorado” em Tamanrasset.

Para ele, mais do que simples hospitalidade, de prestar serviço ou de cuidar de um doente, trata-se de penetrar no segredo de sua língua, de suas tradições e de seus usos e costumes, que são como que o reflexo de sua alma. A gramática e o dicionário “Tamashek”, poesias populares e provérbios nessa língua: passava nisso a maior parte de seu tempo. Muitos diziam que falava a língua até melhor do que eles.

Isso, porém, o esgotava e o impedia de fazer o tão desejado trabalho manual, que para ele concretizava a vida de pobreza, mas se empenhava nesse estudo, visando a preparação de futuros missionários. Quis conhecê-los porque os amava.

Sua amizade com Amenokal Mossa Ag Amastane, por exemplo, que sempre o consultava: o padre o orientava para ser um chefe justo. Outro foi Ouksen, que era para ele como um filho, e até o levou à França.

Ele se inseriu verdadeiramente na região Ahaggar e o fez tanto quanto possível. Ele se achava chamado a “gritar” o evangelho pela sua vida, e queria que suas fraternidades o pregasse em silêncio, na prática das virtudes evangélicas. Quer viver no meio deles, como um deles.

Quer, por isso, fraternidades pequenas, por dois motivos: vida mais pobre e estar mais próximas das populações: tornar-se abordável e pequenino.

Na regra de 1911, abre caminho também para um trabalho apostólico de preparação, mas deveriam, depois, mais tarde, ceder o lugar a missionários encarregados do ministério.

Faz tudo para melhoria das populações, como ensinar as mulheres a fazer tricô, distribui agulhas, concebe um projeto de instalação de religiosos ou de religiosas, escolas, a criação de pistas, automóveis, administração, defendê-los contra os “rezzu” (bando de salteadores). Tornou-se Tuaregue até o fundo da alma. Deu-se totalmente a eles, espiritual e humanamente falando. Fazia tudo para que conhecessem o Evangelho.

O meio novo do Ir. Carlos de pregar o evangelho é o fazendo “por meio de toda a sua vida”. Vê como sua missão em trabalhar na fundação de uma dupla família de Irmãozinhos e Irmãzinhas, mas pressentia que enquanto vivesse seus discípulos não viriam.

Pressentia sua morte próxima. Morreu em 01/12/1916 por um bando de senissistas vindo do sul da Tripolitânia, traído por um de seus vizinhos, sem nenhuma palavra; deixou que lhe amarrassem as mãos, atrás das costas, de joelhos diante da porta de sua casa. Alguns instantes depois, um jovem Tuaregue o matava com uma bala na cabeça. “Se o grão de trigo que cai na terra, não morre, não produz fruto”.



DIRETIVAS DEIXADAS PELO IR. CARLOS


Ele não deixou nenhum documento definitivo sobre o que deveria ser a vida apostólica de seus irmãos. É a falta de viver a regra com outros, por um tempo longo, que tornou inutilizáveis as regras de 1896 (Trapa de Akbés, para os Irmãozinhos de Jesus) e as de 1899 (em Nazaré, para os Irmãozinhos do Sagrado Coração), mas deixou, nos últimos anos, diretivas que auxiliaram o Pe. René Voillaume a precisar seu pensamento definitivo (a numeração não exite no livro):


1- Pequenos grupos para se estar misturado às pessoas;

2- Renuncia à idéia de adoração perpétua para todas as fraternidades, mas conserva a adoração ao Santíssimo como o ato central do dia de cada Irmãozinho.

3- No apostolado, não aceitar o encargo de nenhum ministério (como pároco, vigário, chefe de missão), de nenhuma obra, mas fazer tudo para a evangelização das populações. Permite um “começo de ministério” em certos meios, que deverão depois ser transferidos para outros religiosos missionários.

4- O trabalho apostólico pode, em certos casos, tomar o lugar do trabalho manual.

5- O importante é ficar fiel à vocação de Nazaré, pois é a forma de apostolado que é própria dos Irmãozinhos.


Em 22/07/1905, Tamanrasset, dá um trecho conciso sobre o ideal da vida de seus irmãos:


A vida de Nazaré em tudo, por tudo, na sua simplicidade e largueza. Como Jesus de Nazaré,

-nada de rotina,

-nada de clausura,

-nada de residência longe de qualquer lugar habitado, mas perto de um povoado

-nada menos de oito horas de trabalho por dia (manual ou outro), tanto quanto possível, manual.

-nem grandes casas, nem grandes despesas, nem mesmo largas esmolas, mas extrema pobreza em tudo.

-dar um lugar muito grande para a oração.

-dar um lugar muito grande ao trabalho manual, que não é um tempo roubado, mas dado à oração.

Essa vida de Nazaré pode ser levada em qualquer parte, onde for mais útil ao próximo.


ESTA NOVA FORMA DE APOSTOLADO


Após vinte anos de experiência (diz o Pe. Voillaume), posso dizer que essa nova forma de apostolado pode trazer à Igreja de noso tempo, nos diversos países do mundo:

Em primeiro lugar, isso não é algo novo na Igreja: já os Cartuxos, os Trapistas, os Carmelitas, buscam a clausura e o silêncio, com as melhores condições, como religiosos e pobres, para contribuir para o apostolado invisível na Igreja, participando do trabalho redentor de Jesus, pela oração e sacrifício.

O novo que o Ir. Carlos traz é querer que os seus Irmãozinhos vivam em pequenos grupos, misturados com as pessoas, sem clausura, compartilhando da dura existência dos pobres. Não haverá incompatibilidade nisso? É um estilo de vida pouco propício à oração!

A pobreza seria um motivo suficiente em si mesmo para autorizar tais condições de vida? Entretanto, a maioria das pessoas vive nesse tipo de habitação, barulho, fadiga, não propício à oração.

Pio XII reconheceu como possível ao aprovar a forma de vida dos institutos seculares. Só o amor do apostolado justifica a renúncia às condições tradicionais da vida religiosa. Ele diz que “toda a vida é omo que transformada em apostolado”. A vida das Fraternidades só se justifica, pois, se tiver por finalidade o Apostolado.


AS TÉCNICAS/A EFICÁCIA


É difícil compreender como sacerdotes não tomem a responsabilidade de um ministério pastoral e não se use o progresso das técnicas no serviço de difusão da fé, para se conseguir o máximo de eficácia.

Desapontamos muitos bispos e chefes de missão ao nos recusarmos a tomar o encargo de um ambulatório, de uma escola, de uma paróquia. Para que então nós , as Fraternidades do Pe. De Foucauld servimos? Qual é o nosso lugar no apostolado visível da Igreja?

Lembro que não condenamos nenhuma obra de beneficência e nenhum ministério. Nossa atitude exprime apenas que essas atividades não esgotam todas as maneiras de ser apóstolo. Nós, discípulos do Pe. De Foucauld, usamos os meios pobres. Eles têm tanta eficácia quanto os outros e são absolutamente necessários à vida da Igreja.



A Igreja é talvez maior no sentido de sua dimensão em profundidade do que em extensão. Ela não é apenas um corpo administrativo encarregado de ensinar, propagar a fé e distribuir sacramentos. Não se pode apreciar o valor de um meio de apostolado unicamente pelos seus resultados visíveis e facilmente cifráveis. Seria possível registrar os resultados imediatos da opção pessoal de Jesus Cristo? E o fracasso da Paixão? Não seria motivo de uma perda de fé na missão? Vamos tentar indicar quais são os meios pobres que constituem o apostolado das Fraternidades.