5º CAPÍTULO DA 4ª PARTE
NATAL (22/12/1948)
O Natal se impõe à nossa lembrança como o dia por excelência, uma família unida no amor de uns para com os outros, “particularmente quando este é um reflexo autêntico do amor com que Deus amou o mundo, através de Seu Filho, o Menino que no s nasceu neste dia”.
Sintam-se mais próximos uns dos outros, numa verdadeira alegria! Como crianças felizes que ainda recebem presentes e são mimadas sem segundas intenções. “Em face do dom da vida divina que nos é feito esta noite pelas mãos da Santa Virgem Maria, saibamos comportar-nos como crianças, na avidez de um desejo que se torna cheio de loucas ambições,pela espontaneidade confiante do amor e o esquecimento de nossa indignidade. É assim que Deus nos quer e nos ama.”
Não tenham escrúpulos de sentirem essa alegria, “enquanto, ao lado de vocês existe a imensa miséria do mundo e a agonia cruciante de milhões de seres. É verdade. O mistério da Natividade do Verbo é a única fonte de esperança para todos os homens: vocês terão e já têm a missão de testemunhá-lo.”
Recebam em si esse mistério. Deixem-se despojar, empobrecer, purificar e transfigurar por ele. “Nenhuma oposição existe entre a pureza da alegria de vocês e o sofrimento de outras pessoas: o que há é que nós somos um só corpo e que, em vocês e por vocês, a alegria do Natal está um pouco mais enraizada no seio da humanidade. O mundo precisa aprender de novo a alegria pura e simples de um coração pobre, humilde e inteiramente consagrado a Deus e ao amor: ele só o reaprenderá se nós nos deixarmos invadir por ela”. Os sofrimentos da humanidade não fez calar o canto “Magnificat” de Maria. “Não tenham medo de estar menos presentes aos irmãos e aos seus sofrimentos enquanto, na alegria, vocês estiverem totalmente presentes ao Deus que se dá a vocês sem medida”.
Deve crescer entre vocês a amizade para com nosso mui Amado Irmão e Senhor Jesus. Ele está sempre presente em cada Fraternidade, na medida da generosidade de vocês. “É Ele quem tudo deve unir e oferecer a seu Pai pela redenção do mundo. Os que mudaram de Fraternidade puderam perceber isso.
Um dos fatores dessa unidade é o próprio mistério da obediência em cada um de nós. Somos o Corpo Místico de Cristo. Nossa unidade do amor é horizontal e vertical: com Deus e com os irmãos. A obediência é a força de nossa unidade, a solidez autêntica e realista de nosso amor e de nosso apeo a Cristo, e essencial para a plenitude de nossa vida fraterna.
Uma Fraternidade não é uma justaposição de irmãos, mas um corpo vivo, unido organicamente, em uma só cabeça, que é Cristo. Essa unidade se faz pela obediência, no plano da caridade, da pobreza, da renúncia e do trabalho, numa atitude oposta à desobediência inicial. A realização concreta da obediência nas coisas mais simples, prolonga a presença misteriosa de Jesus em sua Igreja, toda humana e toda divina, terrestre e transcendente ao mesmo tempo.
Um grande obstáculo a isso é a nossa “teimosia congenital, e quase inexplicável, em tudo julgar e compreender do nosso ponto de vista e em função de nosso temperamento e de nosso s preconceitos” que inclui nossos julgamentos e a vista certa das coisas.
É preciso agir simultaneamente contra estas causas: estreiteza de inteligência, falta de largueza de visas, preconceitos, inexperiência da vida e dos homens, amor próprio. Precisamos ver a presunção que está “na raiz de inúmeros de nossos julgamentos ou dessas tomadas de posição abruptas que rompem a unidade, ferem o amor, acabam com a alegria e nos tornam menos disponíveis ao Cristo e aos nossos irmãos. Isto se verifica nas relações de vocês entre si, entre as Fraternidades e com os meios que devemos assumir e compreender.”
Compreender as pessoas, por mais diferentes que sejam. Sermos testemunhas que não tenham um “espírito curto”. Ser cada um consciente de suas estreitezas e seus limites. Não se perder em discussões estéreis sobre pontos sem importância, falsos problemas, situações que nem preciso explicar. Não julguem inconsideradamente, Saibam dar a todos um humilde amor fraterno.
Amem a verdade que repousa sobre toda instituição religiosa e sobre todas as pessoas e procurem amá-la. “ O que eu condeno aqui não é a simplicidade de troca de pontos de vista entre vocês, mas a presunção de certos julgamentos endurecidos e definitivos.“ Dou como exemplo o modo superficial como muitos julgaram a fisionomia da Fraternidade de estudos. (O autor comenta sobre essa Fraternidade de estudos e seus membros e conclui:).
“Não se trata de transformá-los em intelectuais,-- isto não pertence à vocação de Irmãozinhos – mas de torná-los capazes de serem portadores da verdade e de simpatizarem com almas de cultura diferente da de vocês.(...) A cultura da inteligência e da fé sempre ficará, queiramos ou não, na base mesma de nossa vida espiritual, e não é verdade, se for autêntica e banhada de verdade, que ela seja um perigo para a simplicidade de nossa vida de fé com Deus, nem para a humildade de uma vida plenamente vivida entre os pobres, na participação de seus trabalhos e de suas misérias.”
Não caiam no erro de simplificações grosseiras de certos problemas. Viver entre os pobres não significa se nivelar mediocremente para não sermos notados. Não podemos recusar de sermos portadores de uma luz que faz a todos mais homens e mais filhos de Deus! Estamos entre duas exigências: a de sermos humildes e pequenos e ao mesmo tempo, sermos luz que ilumina as trevas.” e isto porque não podemos deixar de ser o que de nós faz necessariamente o amor de Cristo, Verdade e Vida.
Entreguemo-nos totalmente à ação do Espírito Santo para não nos “afastar de nossa tarefa essencial que é de ser um orante silencioso na oba da Redenção, todo consagrado ao amor”. “Não é possível ser um verdadeiro Irmãozinho de Jesus sem o heroísmo de uma generosidade absoluta que deve oferecer ao trabalho da graça um coração e uma alma despojados de tudo(...). É sem limites que vocês devem morrer com Cristo e com Ele serem obedientes, humildes e despojados de todo apego a qualquer coisa que seja”.
“Não tenham medo da própria fraqueza: é Jesus e só Ele que, por sua graça, realizará isto em e com vocês. Entreguem-se a Ele na fé e na alegria de amá-lO, e Ele executará sua obra em vocês, dia após dia”. Não somos nós que fazemos isso, mas nós simplesmente entramos no “trabalho de Jesus”. Vivam na alegria e na gratidão de terem sido chamados por Deus.
“Nossas Fraternidades devem trazer a contemplação do mistério de amor de Jesus até o âmago de toda a vida moderna e para todas as atividades legítimas. A sobrecarga de ação, a amplidão de um mundo a construir, tudo isso ameaça esmagar o homem e o cristão, penetrando-o de uma mística materialista, se ele não reencontrar plenamente sua vocação de contemplativo, parte integrante e vital de seu ser de filho de Deus.”
AS DUAS TENTAÇÕES DA CRISTANDADE
Uma delas é a de “separar o destino da cristandade do destino do mundo por um movimento de retirada, os cristãos fechando-se num “pequeno resto”, vivendo na expectativa do advento do reino espiritual de Jesus nas suas almas e na vida futura.”
Outra é a “tentação, para o cristão , de se empenhar com todo o seu ser em todas as atividades científicas, econômicas, sociais e políticas, para influir, num sentido cristão, nas estruturas do mundo de amanhã, com o perigo de reduzir o cristianismo, de fato senão de direito, a ser apenas a melhor solução dos problemas terrestres e a perder o sentido do reino espiritual, o sentido da transcendência da missão de Jesus, de adoração e da finalidade divina sobrenatural de toda a humanidade”.
Não sucumbir a nenhuma dessas tentações. Vencê-las, superando uma e outra na plena realização de sua vocação de homem e de filho de Deus.
É no meio dessa luta que entram as Fraternidades. Vamos levar a contemplação para o meio da cristandade. “Eis por que a nossa oração não poderia assemelhar-se à de um eremita ou a de um trapista: ela não terá desta a silenciosa e imóvel adoração, fruto da separação efetiva e total das coisas criadas. Ela deveria erguer-se, antes, como uma adoração suplicante, pedada dos sofrimentos da humanidade e de suas misérias e será como a repercussão em nossa alma do drama que, neste momento, se passa nas zonas missionárias da Igreja. O risco enfrentado para inserir a oração, a adoração e a contemplação da divindade de Jesus no meio mesmo da cristandade militante, ameaçada do perigo de limitar seus horizontes aos limites da terra, marcará nossa vida de oração com um tom de luta, talvez mais dolorosa”.
“Nós sabemos que nos oferecemos para isso, para obter, por este constante esforço de ficarmos ao lado de jesus e de preservarmo-nos da tentação de agir por meios puramente humanos; e apesar de nossa presença em pleno meio de vida,para obter para nossos Irmãos empenhados na vanguarda do combate pela salvação da humanidade, a graça própria, na Igreja, de nossas Fraternidades: o estilo ao mesmo tempo contemplativo e engajado de nossa vida, pretende ser, de si, uma oferenda, uma adoração em nome de nossos irmãos e um fermento, na terra, do reino espiritual.”
“Nós queremos emprenhar-nos em participar do peso do sofrimento e da luta aos quais os cristãos não têm o direito de fgir, para obter que nossos Irmãos sejam preservados da primeira tentação. “
“Nós queremos conservar nossas vidas na pureza totalmente autêntica da gratuidade, simplesmente oferecida só a Jesus na renúncia a toda ação humana rebuscada e organizada, para obter que nossos Irmãos sejam preservados da segunda tentação.”
“ Assim é que nós colocamos no centro de nossa alma o essencial do drama que, neste momento, se desenrola na Cristandade, para vivê-lo em espirito de reparação e procurar-lhe um desfecho dentro da luz total do reino espiritual de Jesus aqui na terra.”